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Arte. 3. Educação escolar. 4. Pedagogia crítica. I. Título. Page 4. 4.
Tipologia: Provas
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“JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP
MARIA CLÁUDIA DA SILVA SACCOMANI
A CRIATIVIDADE NA ARTE E NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: uma contribuição à pedagogia histórico- crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de Pesquisa : Teorias pedagógicas, trabalho educativo e sociedade. Orientador : Prof. Dr. Newton Duarte Bolsa: CAPES (período de Agosto/2012 à Julho/2013)
A CRIATIVIDADE NA ARTE E NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: uma contribuição à pedagogia histórico- crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de Pesquisa : Teorias pedagógicas, trabalho educativo e sociedade. Orientador : Prof. Dr. Newton Duarte Bolsa: CAPES (período de Agosto/2012 à Julho/2013)
Data da defesa: 25/08/
M EMBROS COMPONENTES DA B ANCA EXAMINADORA :
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Newton Duarte UNESP – Universidade Estadual Paulista – Araraquara - SP
Membro Titular: Prof. Dra. Lígia Márcia Martins UNESP – Universidade Estadual Paulista – Araraquara - SP
Membro Titular: Profa. Dra. Ana Carolina Galvão Marsiglia UFES – Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória - ES
Local : Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara
Já diria Vinicius de Moraes, “a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros nessa vida”. Agradeço, deste modo, a todos àqueles que cruzaram meu caminho durante este percurso, contribuindo para a formação do que sou hoje. Esse trabalho apenas se consolidou graças àqueles que me ampararam objetiva e subjetivamente nesse processo permanente de reprodução e criação que é a vida, que é o ser humano. Em particular, meus agradecimentos: Ao orientador e amigo Newton Duarte , por acompanhar e orientar minha trajetória acadêmica desde a iniciação científica, por acreditar no meu potencial e pelo privilégio em tê-lo como orientador; por todos os ensinamentos, orientações e estudos partilhados. Aos membros da banca examinadora. À professora Lígia Márcia Martins , por todo apoio e afetuoso incentivo; pelas preciosas contribuições na banca de qualificação e defesa. Minha profunda admiração e respeito! À professora Sandra Della Fonte , por aceitar gentil e prontamente meu convite para a banca de qualificação, pelas ricas contribuições que trouxe a este trabalho. À Ana Carolina Galvão Marsiglia , faltam palavras para agradecer todo o apoio, amizade, carinho e paciência com minhas angústias. Meu muito obrigada pela leitura tão cuidadosa e pelas ricas contribuições na defesa! Toda minha admiração e gratidão pela profissional e pessoa que és! À Professora Eliza Maria Barbosa , por ser sempre tão prestativa comigo e por todos os diálogos que estabelecemos sobre a Educação Infantil. À minha mãe Elizabeth , que sempre acreditou e admirou minha escolha profissional, pela força e exemplo de mulher guerreira. Ao meu pai Edésio , sem seu apoio, eu não teria chegado aonde cheguei. À vó Cida (in memorian), os domingos sem seu cafezinho não tem a mesma graça, não tem cheiro de carinho, nem gostinho de infância. À minha amiga Pamela , com quem vivenciei tantos momentos desde o primeiro ano da graduação em pedagogia até agora; e tantos ainda haveremos de vivenciar. Cumplicidade, sinceridade e apoio. “As coisas não parecem tão assustadoras quando você tem um grande amigo por perto”. Às amigas de sempre para sempre, Ingrid , Mareliza e Roberta. Quarteto inseparável (e só). Meu porto seguro! Muito obrigada por compreenderem meus momentos
A vida reproduz sempre o velho, produz incessantemente o novo, a luta entre o velho e o novo penetra em todas as manifestações da vida (LUKÁCS, 1970, p.203).
Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida em todos os campos da vida cultural, tornando-se também possível a criação artística, a científica e a técnica. Nesse sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia (VYGOTSKI, 2009, p.14).
Este trabalho apresenta um estudo sobre o desenvolvimento histórico-social da criatividade. Nossa problemática de pesquisa reside na generalizada aceitação da concepção de criatividade como um dom quase mágico com o qual as pessoas teriam sido agraciadas por algum ser divino ou pela natureza. Ou seja, tornou-se senso comum a concepção de criatividade como um potencial individual inato ou que se desenvolve como fruto de interações espontâneas com o ambiente cultural, não necessitando da transmissão sistemática de conhecimento ou até mesmo a ela se opondo. Em linhas gerais, as pedagogias do “aprender a aprender” apresentam uma contraposição entre ensino e criatividade. Em contrapartida, procuramos fundamentar nossa oposição às concepções naturalizantes e espontaneístas do desenvolvimento humano e da criatividade presentes nas pedagogias hegemônicas. Destarte, realizamos uma análise teórico-conceitual que tomou como objetivo compreender a interdependência entre o ensino sistematizado e a criatividade na arte e na educação escolar. Situando-se na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, tomou-se a criatividade na arte e na educação escolar como objeto da investigação. Buscando apoio em autores marxistas como Georg Lukács e Lev Vigotski, este estudo parte da noção de criatividade como a transformação da realidade pela atividade humana, ou seja, a criatividade tem sua gênese no trabalho. Nesse sentido, a criatividade será tão mais desenvolvida quanto mais ela se pautar na experiência social acumulada pelo gênero humano. Destaca-se, nesse sentido, a dialética entre objetivação e apropriação, que se constitui em ponto de partida para a superação de dicotomias como criação versus reprodução, construção versus transmissão do conhecimento, inovação versus conservação, entre outras. Nossas considerações finais constatam que a apropriação da cultura é a base objetiva da criação. O desenvolvimento da criatividade dependerá da reprodução, em cada indivíduo, das objetivações criadas e acumuladas pelas gerações precedentes. Portanto, a educação escolar promove o pleno desenvolvimento da criatividade quando concretiza sua especificidade e função precípua, a saber, a transmissão sistematizada dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade.
Palavras-chave: Criatividade; arte; educação escolar; pedagogia histórico-crítica.
Essa pesquisa de mestrado, como toda e qualquer criação, não surgiu a partir do nada. Em realidade, no presente trabalho damos continuidade aos estudos que realizamos com bolsa pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UNESP) desde agosto de 2009 como aluna do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, campus de Araraquara. Assim como na Iniciação Científica, a pesquisa de mestrado integra um projeto mais amplo desenvolvido pelo orientador com bolsa de produtividade em pesquisa intitulado “Arte e Formação Humana em Lukács e Vigotski 1 ”. Essa pesquisa desenvolvida pelo Prof. Dr. Newton Duarte tem os seguintes objetivos: analisar a concepção de Lukács sobre o papel da arte na formação do ser humano; analisar trabalhos de Vigotski que abordem os efeitos das obras de arte na formação do psiquismo humano; analisar aproximações e distanciamentos entre Lukács e Vigotski no que se refere ao papel formativo da arte; extrair, das análises definidas nos objetivos precedentes, contribuições para a teorização pedagógica na perspectiva marxista. No projeto encaminhado ao CNPq em 2010, para renovação da bolsa de produtividade em pesquisa, Duarte explicita a tese na qual fundamenta essa proposta de investigação:
Para melhor explicar minhas expectativas com esse tipo de estudo, devo explicitar uma tese com a qual trabalho: a de que a questão central da pedagogia não reside nas relações entre professor e aluno ou nas relações dos alunos uns com os outros; a questão central da pedagogia está nas relações que professor e alunos estabelecem com o conhecimento objetivado nos produtos intelectuais da práxis humana em sua totalidade. (DUARTE, 2010, p. 4).
O autor esclarece também os motivos que o levaram a buscar contribuições para a teoria pedagógica histórico-crítica nos estudos lukacsianos e vigotskianos sobre arte e formação humana:
Tanto Vigotski como Lukács adotaram o princípio metodológico marxiano sintetizado na afirmação de que “a anatomia do homem é uma
(^1) O nome do psicólogo soviético pode ser encontrado em diferentes grafias, como Vigotski, Vygotsky, Vygotski ou Vigotskii. Nessa dissertação, adotaremos a grafia Vigotski. Afora quando referenciarmos uma obra com outra grafia, reproduziremos a forma presente na edição utilizada.
compreendida como autoritária, impositiva e repressiva, como algo que tolheria a liberdade e cercearia a criatividade dos indivíduos. Em contrapartida, situando-se na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, e buscando apoio em autores marxistas como o filósofo húngaro Georg Lukács (1885-1971) e o psicólogo soviético Lev Vigotski (1896-1934), este estudo parte da noção de criatividade como a transformação da realidade pela atividade humana, ou seja, considera- se que a criatividade tem sua gênese no trabalho. Nosso objetivo é analisar as relações entre a transmissão da cultura acumulada e o desenvolvimento da criatividade na arte e na educação escolar à luz da perspectiva materialista histórico-dialética, em contraposição às concepções que naturalizam o desenvolvimento do psiquismo humano e consideram a criatividade como resultante de processos espontâneos que seriam prejudicados pela intervenção direta e intencional do trabalho educativo. Em termos do estudo que realizamos, trata-se do desenvolvimento de uma análise teórico-conceitual que procura compreender as relações entre a especificidade do fenômeno criativo na arte e na educação escolar; num esforço por ir além de dicotomias muito presentes nos discursos pedagógicos contemporâneos como, por exemplo, as oposições entre criação e reprodução, construção e transmissão do conhecimento, inovação e conservação, entre outras. Não obstante, pautando-nos na dialética materialista e histórica, temos como referência primeira o trabalho como atividade que diferencia os seres humanos e os animais. Na acepção marxista, o trabalho é uma atividade que, ao mesmo tempo, conserva e transforma a realidade. Nesse sentido, a reprodução não se mostra unicamente como conservação, mas igualmente como transformação. O trabalho é uma forma especificamente humana de atividade, que tem sua origem e, ao mesmo tempo, sua forma fundamental, no processo de transformação intencional da natureza com o auxílio de meios de trabalho. Segundo Marx (2013, p. 258):
No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com a ajuda dos meios de trabalho, opera uma transformação do objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida desde o início. O processo se extingue no produto. Seu produto é um valor de uso, um material natural adaptado às necessidades humanas por meio da modificação de sua forma. O trabalho se incorporou a seu objeto. Ele está objetivado, e o objeto está trabalhado. O que do lado do trabalhador aparecia sob a forma do
movimento, agora se manifesta, do lado do produto, como qualidade imóvel, na forma do ser.
O trabalho é, pois, atividade exclusivamente humana e definidora do ser social. Diferente dos animais que apenas se adaptam à natureza, o ser humano adapta a natureza a si e, de acordo com suas necessidades, passa a dominá-la e transformá-la. Em realidade, faz-se necessário entender o trabalho como uma condição ontológica, que torna o ser humano um ser natural socializado. Assim como o trabalho emprega meios materiais, também emprega meios não materiais, como é o caso dos signos e dos conhecimentos. O mesmo ocorre em relação aos produtos do trabalho, que podem ser materiais e não materiais. Apoiando-se em Marx, Saviani (2008, p.12) analisa a educação como um tipo de produção não material em que o “produto não se separa do ato de produção” e não há intervalo de tempo entre a produção e o consumo. Sabemos que o conhecimento historicamente acumulado não está disponibilizado imediatamente aos indivíduos em formação. Por isso, torna-se imprescindível o trabalho educativo entendido como:
[...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2008, p.13).
Nessa definição de trabalho educativo destaca-se o princípio de que a humanização dos indivíduos, isto é, sua formação como seres humanos, requer que eles se apropriem de uma humanidade já existente, que tem sido produzida historicamente e que se encontra, por assim dizer, “corporificada” na cultura. A cultura é vista, portanto, como portadora das conquistas históricas do processo de desenvolvimento da humanidade, mas essa cultura objetivada não está dada espontaneamente aos indivíduos que dela precisam se apropriar. Sendo assim, o processo de apropriação, pelos indivíduos, da experiência acumulada, exige atividades dirigidas a essa finalidade. A transformação da cultura objetivamente existente em cultura do indivíduo, isto é, em subjetividade, requer a mediação do trabalho educativo tanto no que se refere à seleção do que deverá integrar os currículos escolares como no que se refere aos métodos e meios de ensino empregados
sim uma capacidade humana necessária para o desenvolvimento da cultura, que por sua vez, se constitui como resultado da criação dos seres humanos ao longo da história. Não obstante, no livro Psicologia da Arte, Vigotski aborda o tema da originalidade do artista. Há uma grande aproximação feita pelo psicólogo soviético acerca da relação entre a apropriação da cultura e o ato criador:
Se quiséssemos calcular o que, em cada obra de arte, literária, foi criado pelo próprio autor e o que ele recebeu já pronto da tradição literária, observaríamos com muita frequência, quase sempre, que deveríamos atribuir à parte da criação pessoal do autor apenas a escolha desses ou daqueles elementos, a sua combinação, a variação, em certos limites, dos lugares-comuns, a transferência de uns elementos da tradição para outros sistemas etc. [...] O caminho do nadador como a obra do escritor, será sempre a resultante de duas forças – dos esforços pessoais do nadador e da força deslocadora da corrente. (VIGOTSKI, 1999, p.16).
Nota-se que para Vigotski, a originalidade é, em boa medida, a recombinação de elementos e recursos que o artista encontra nas obras já existentes. Aparece aqui, pois, a rica dialética entre a criação do novo e a reprodução do já existente. Por ora, é preciso salientar as relações entre os elementos objetivos e os subjetivos da cultura, na direção das análises que Duarte (2013, 1996 e 2004) realizou, do papel da dialética entre objetivação e apropriação na formação da individualidade. As produções da cultura material e espiritual retratam o que é o ser humano em cada momento histórico. A autoconsciência do gênero humano tem por base essas produções culturais, o mesmo acontecendo com o desenvolvimento da individualidade e da consciência que o indivíduo tem de si mesmo. Como afirma Lukács (2013, p. 618-619), a tendência interior à “expressão da individualidade humana, permanecerá simples propensão desprovida de fisionomia, uma possibilidade abstrata, indeterminada, caso não seja capaz de encontrar para si uma objetivação de que espécie for”. Mas para que o indivíduo encontre uma objetivação que lhe permita exprimir e desenvolver sua individualidade, será necessária a apropriação das produções culturais, ou seja, das objetivações do gênero humano. Com efeito, a criatividade se desenvolve a partir da dialética entre objetivação a apropriação, entre a apropriação daquilo que já foi acumulado outrora pelo conjunto dos seres humanos no decorrer da história e a objetivação do novo.
Vale dizer ainda que Vigotski também afirma que não apenas o artista, como também o sujeito receptor é criativo:
[...] porque a percepção da arte também exige criação, porque para essa percepção não basta simplesmente vivenciar com sinceridade o sentimento que dominou o autor, não basta entender da estrutura da própria obra: é necessário ainda superar criativamente o seu próprio sentimento, encontrar sua catarse, e só então o efeito da arte se manifestará em sua plenitude. (VIGOSTSKI, 1999. p. 314).
Como se pode observar no trecho apresentado, a arte somente exerce efetivamente sua função quando cumpre seu efeito catártico, o que por sua fez, evidencia-se tanto durante a criação quanto na recepção da obra de arte. E é, precisamente, o momento catártico que marca o fundamento da reação estética e a elevação da vida cotidiana. O conceito de catarse empregado nesse contexto diferencia-se do significado atribuído a ele dentro da tradição psicanalítica. Segundo Vigotski (1999), a arte desencadeia e movimenta sentimentos opostos, acarretando numa “espécie de curto-circuito” no sujeito, reelaborando desse modo, nossos sentimentos cotidianos. Para esse autor, a catarse consiste nessa reelaboração de sentimentos, na transformação e superação de sentimentos e aspectos do nosso psiquismo que não encontram vazão na vida cotidiana. Nesse sentido, a catarse operaria uma síntese entre o objetivo e o subjetivo. Essa concepção de catarse, como um processo que caminha em direção à superação dos limites da vida cotidiana, foi desenvolvida também por Georg Lukács, que mostra-nos que para o artista criar algo realmente de valor, precisa se deixar absorver inteiramente pelo meio homogêneo da arte; superando, nesse ato, a heterogeneidade que caracteriza as atividades constitutivas da vida cotidiana. Também aqui, o tema da criatividade liga-se à categoria de catarse, pois tal categoria é parte desse processo de homogeneização; entendido nesse contexto como uma reorientação de toda a subjetividade do indivíduo segundo as características definidoras do campo artístico no qual ocorre a atividade de produção ou de recepção da obra de arte. Ademais, Lukács define a arte como autoconsciência do gênero humano, isto é, como a uma vivência intensa da relação entre a vida individual e a história da humanidade. Estando a arte intrinsecamente vinculada à autoconsciência do gênero humano, podemos afirmar que ela insere-se no âmbito dos esforços realizados pelos indivíduos para ultrapassar a existência espontânea como integrantes do gênero humano e alcançar a
espontaneísta do desenvolvimento humano, o que por sua vez, não guarda nenhuma aproximação com a concepção de criatividade na perspectiva marxista. Assim, em oposição à naturalização da consciência humana e da criatividade, no segundo capítulo “O desenvolvimento histórico-social da criatividade”, apresentamos, a partir do materialismo histórico-dialético, a concepção de criatividade como uma qualidade humana que tem sua origem na atividade de trabalho. A criação do novo acontece por meio da reprodução, em cada indivíduo, das objetivações acumuladas no decorrer da história. A apropriação da cultura é, pois, condição precípua à criatividade. No terceiro e último capítulo, “A criatividade na pedagogia histórico-crítica”, debruçamo-nos sobre a análise da relação entre automatismo e criatividade feita por Saviani (2008) e sobre a análise da formação das operações conscientes realizada por Leontiev (1978). Procuramos esclarecer que apenas quando se automatizam os mecanismos externos, é possível o desenvolvimento e a complexificação da atividade humana, o que torna possível a livre criação. Também neste capítulo, analisamos a ideia de segunda imediatez e, em seguida, colocamos em questão a interpendência entre ensino e criatividade, o que nos leva a afirmar que não é qualquer ensino que promove a formação e o desenvolvimento da criatividade. Por fim, vale dizer que Vigotski entende o processo funcional imaginação como uma função psicológica culturalmente formada e expressão máxima do psiquismo humano (MARTINS, 2013), que por sua vez, na sociedade capitalista, não é alcançada em sua plenitude por todos os seres humanos. Portanto, gostaríamos de ressaltar que é imprescindível garantir que a classe trabalhadora tenha acesso e domine os bens culturais que a burguesia tem ao seu alcance. Como claramente explica Saviani (2009, p.51): “O dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação”. Portanto, apenas com a classe trabalhadora no exercício desse domínio, formar-se-á um psiquismo que preparará os indivíduos para a criação de modos de produção a seu favor. Lembremo-nos, aqui, da famosa tese marxiana: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX; ENGELS, 2007, p.535). Com efeito, a promoção do desenvolvimento omnilateral não visa manter os indivíduos presos às relações sociais já existentes. Muito pelo contrário, o grande diferencial de uma educação escolar socialista é o de que o domínio aprofundado dos conhecimentos existentes está a serviço do processo de superação dos limites que as
relações sociais alienantes impõem à vida humana. Mas sem pensamento abstrato, não há imaginação, e consequentemente, imaginar outro modelo de sociedade torna-se impossível. Para se criar algo novo, faz-se necessário a apropriação do legado cultural criado pelo conjunto dos seres humanos no decorrer da história. Sendo assim, a transmissão de conhecimentos, realizada de forma direta e intencional, não tolhe a atividade criativa, muito pelo contrário, é condição sine qua non para que ela se desenvolva plenamente.