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Este documento discute a república social italiana e a ditadura de getúlio vargas no brasil, enfatizando a decadência do estado novo após a segunda guerra mundial. O texto também detalha a fundação dos principais partidos políticos brasileiros, como o partido social democrático (psd) e o partido trabalhista brasileiro (ptb), e as eleições presidenciais de 1945.
Tipologia: Notas de estudo
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André Felipe Véras de Oliveira Juiz de Direito TJ/RJ. Especialista “lato sensu” em História Moderna e em História Contemporânea (UFF).
Por que, em pleno século XXI, haveria de guardar alguma im- portância um artigo sobre o processo histórico de elaboração da Constituição de 1946? Como inscrever um estudo dessa natureza nas páginas de uma revista que, de regra, se destina a um público leitor cada vez mais interessado na troca de experiências técnico- profissionais entre os vários operadores do Direito do que propria- mente em revisitar temas para os quais os cursos e tratados da área jurídica normalmente não dedicam muitas páginas? Talvez essas in- dagações estejam a assaltar você, caro companheiro, que agora fo- lheia a conceituada revista que tem nas mãos. Permita-me, porém, justificar em brevíssimas linhas o esforço de minha escrita. Vivemos em um momento de crises. Crise do racionalismo. Crise da legitimidade da sociedade de mercado (que gera, como de fato vem gerando, doenças sociais graves e das quais são exemplos sensíveis o consumismo, o superendividamento e a relativização cada vez mais acentuada do “ser” pelo “ter”). Crise das certezas. Crise, enfim, da modernidade, essa era consolidada a partir das re- voluções liberais do século XVIII e que, nas últimas décadas, cedeu lugar a um mundo turbulento, reducionista e veloz que identifica- mos, em linguagem ainda insatisfatória, como “pós-moderno”. A história, que é o estudo da evolução social, deve ser a chave para a descoberta de novos e melhores caminhos, pelos quais deverão trilhar, dentre outros, os operadores da ciência jurídica dotados de uma compreensão mais clara da realidade e menos romântica
de um fantasioso Direito autopoiético, absoluto, que se baste a si mesmo, distante de sua causa geradora (as relações de poder), hermético e despido de vasos comunicantes com os outros dife- rentes campos do saber humano. Nessa toada, não há como negar validade à velha e conhecida constatação do liberal-conservador espanhol Juan Donoso Cortés, que viveu no século XIX: quem con- trola o passado, controla o futuro. O período histórico abordado no texto que se seguirá guarda, a um só tempo, alguns pontos de ruptura e muitos traços de continuidade com a época atual da vida brasileira, em que outra Constituição (1988), bem mais avançada (mas também nascida em tempos de pós-ditadura), rege a nossa sociedade contemporânea. Acredito na história – e, lógico, na história do Direito – como um poderoso instrumento para a transformação social. Conhecer a história é saber quem somos e de que modo podemos prosseguir na longa e sinuosa marcha dos avanços e revezes que marcam, invariavelmente, o desenvolvimento da coletividade humana. Não há perenidade. É como leciona o intelectual português Boaven- tura de Souza Santos: “Em vez de eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Lisboa: Afrontamento, 1997, p. 28). Então, vamos ao texto.
2. O MUNDO EM PAZ: A QUEDA DO EIXO^1 E O FIM DA SEGUNDA GUERRA
“Perdoe-nos, ó Imperador; nosso esforço não foi suficiente!” (Coro de súditos de Hiroíto, ajoelhados diante do Palácio
(^1) Eixo foi o nome pelo qual se tornou conhecida a aliança político-militar estabelecida en- tre a Itália, a Alemanha e o Japão, países que lutaram contra os Aliados na Segunda Guerra. Foi a 25/10/1936 que Mussolini e Hitler assinaram o tratado que oficializou a formação do
segundo o governo, dependia da expansão territorial do país, ca- rente, em grande parte, de recursos naturais estratégicos para a indústria, como o ferro, o carvão, a borracha e o petróleo, além, é claro, de melhores espaços para uma eficiente produção agrícola. Em 1931, o Japão invadiu o território chinês da Manchú- ria (região rica em reservas de carvão e ferro). O “Incidente de Mukden”, sabotagem ferroviária acontecida na cidade de Mukden (hoje Shenyang) em 18/09/1931, foi o pretexto engendrado pelos japoneses para a legitimação do ato de invasão militar à China. O passo seguinte foi a instalação, em 01/03/1932, de um “Estado- fantoche” na Manchúria denominado Manchukuo, controlado, ob- viamente, pelo Império do Japão. Em janeiro de 1933, o Japão ampliou os domínios territoriais de Manchukuo, anexando-lhe a província chinesa de Jehol. Como a China recorrera com sucesso à Liga das Nações (precursora da ONU), no dia 27/03/1933 o Japão se retirou daquela organização internacional. Em 1934, o Japão apoiou a formação de um “Conselho Autô- nomo” na região da Mongólia interior, no nordeste da China e, em 1936, enfim, fundou no território chinês mais um “Estado-fanto- che” a serviço de seu trono imperial: Mengjiang. Em julho de 1937, o Japão tomou Pequim e declarou guer- ra total à China. Foi o início da “Segunda Guerra Sino-Japonesa” (a “Primeira Guerra Sino-Japonesa” havia sido travada nos anos 1894-1895 e visou ao controle da Coreia, que, por sua vez, acabou anexada ao Japão em 1910). Em agosto de 1937, o exército japonês tomou Xangai. Mais de 250 mil chineses morreram na operação. Em dezembro de 1937, o Japão invadiu Nanquim. O “Massacre de Nanquim”, como a invasão ficou conhecida, resultou na morte de cerca de 300 mil chineses. Em fevereiro de 1939, o Japão invadiu a Ilha de Hainan, colô- nia francesa ao sul da província de Cantão. O ataque àquela ilha foi o primeiro do Japão que se voltara contra uma possessão europeia no Pacífico. Em maio de 1939, o Japão invadiu a Mongólia exterior, mas recuou ante a fronteiriça resistência soviética. Em setembro de 1940, o Japão se aliou ao Eixo; e em dezembro de 1941, ata- cou bases navais norte-americanas em Pearl Harbor, no Havaí. O
ataque a Pearl Harbor foi o acontecimento histórico que, de um lado, determinou o ingresso dos EUA na Segunda Guerra Mundial e, de outro, inaugurou o período conhecido como “guerra do Pací- fico”. Sobre Pearl Harbor, pontua Célia Sakurai: “O ataque a Pearl Harbor foi fruto do ambicioso plano japonês de criar a Grande Esfera da Co-Prosperidade da Ásia Oriental – uma ideia lançada em agosto de 1941 para justificar suas ações no continente asiático. Pela proposta, com o Japão à frente, os países asiáticos se uniriam para desalojar qualquer influência ocidental – política, econômica e cultural – de suas terras. (...). Nessa ideia não há proposta de igualdade, mas de ordem. E não há espaço para muitas visões de mundo, mas uma visão unificada sob a ótica e o comando do Japão. Por trás dela estavam, na realidade, as elites japonesas aliadas ao governo, que cobiçavam o controle das fontes de matéria-prima, pensando também na possibilidade de alargar suas exportações e implantar com grandes vantagens seus negócios pela Ásia” (SAKU- RAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2007, p. 188). Em março de 1942, o Japão conquistou a Indonésia, até en- tão colônia holandesa, e a “guerra do Pacífico” (1941-1945) foi, assim, se desenvolvendo de modo amplamente favorável ao Japão até a Batalha de Midway, em junho de 1942. A derrota japonesa em Midway, um atol localizado a 300 milhas a noroeste do Havaí, re- presentou o início da virada dos Aliados na guerra, pois a Marinha Imperial do Japão sofreu ali revezes tão graves que o país pratica- mente teve de continuar combatendo os seus inimigos valendo-se, pelos anos seguintes, de uma força naval secundária. Segundo Paul Glynn, “o Japão perdeu quatro grandes porta-aviões e o melhor de sua força aérea, e até o fim da guerra os japoneses não conse- guiram recuperar as ações navais” (GLYNN, Paul. Um hino a Naga- saki. São Paulo: Loyola, 1998, p. 133). Em março de 1945, após violentíssima batalha que tivera iní- cio no mês anterior, os EUA tomaram Iwo Jima, uma ilha vulcânica localizada a 750 milhas ao sul de Tóquio. Grande foi a importância estratégica dessa conquista, pois a ilha, que de base aérea japo- nesa foi transformada em base aérea norte-americana, encurtou o voo dos aviões do Corpo Aéreo do Exército dos EUA ao território japonês e permitiu a massificação dos bombardeios contra aquele
mitido aos japoneses pelo rádio, a partir de Tóquio, na tarde de 15/08/1945. Foi um dia de muitas lágrimas e de dor para o país. Alguns militares japoneses, ante o inevitável desfecho que julga- vam intoleravelmente humilhante, partiram para o suicídio, ato extremo de salvação moral na tradição samurai. Foi o caso do al- mirante Takijiro Onishi, mentor das operações “kamikazes”^5. Vencido o Japão, iniciaram-se os preparativos para a ofi- cialização de sua rendição. No dia 02/09/1945, a bordo do navio “USS Missouri”, da Marinha norte-americana, os ministros japo- neses Mamoru Shigemitsu (Relações Exteriores) e Yoshijiro Ume- zu (Guerra) firmaram, na presença do comandante supremo dos Aliados no Pacífico, general Douglas MacArthur (EUA), e da cha- mada “mesa de capitulação” (integrada por representantes dos EUA, Inglaterra, França, URSS, China, Holanda, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), o ato de rendição. Eram 09h04m da manhã. E assim se encerrou o último capítulo do mais sangrento conflito militar do Século XX.
2.2. Vitória sobre o nazi-fascismo: os momentos finais da guerra na Europa.
“Vida longa à sagrada Alemanha!” (Último brado de Claus von Stauffenberg, coronel alemão que conspirou para assassinar Hitler na malfadada “Opera- ção Valquíria”, de 20 de julho de 1944, no momento do seu fuzilamento em Berlim por soldados nazistas).
(^5) As operações “kamikazes”, que nada mais eram do que missões militares suicidas, se tornaram uma efetiva estratégia japonesa de guerra apenas na segunda metade de 1944, quando jovens estudantes, incentivados ao sacrifício pessoal por amor ao imperador, ao país e à religião, passaram a ser treinados em poucos dias com noções básicas de pilotagem e depois embarcados em aviões “Mitsubishi Zero” municiados apenas com uma única bom- ba de 250 quilos. É certo que já em 1941, quando do ataque a Pearl Harbor, alguns pilotos japoneses chegaram mesmo a projetar os seus aviões de combate contra navios de guerra norte-americanos. Esses voos suicidas, porém, não eram a finalidade da missão e eles só aconteceram porque, uma vez atingidos em seus aviões, os pilotos japoneses, sempre que diante da morte inevitável e iminente, procuraram provocar, como último recurso, o maior número possível de baixas inimigas.
A guerra na Europa, como acima já destacado, terminou me- ses antes do desfecho da guerra no Pacífico. A Itália foi a primeira das potências do Eixo a se render aos Aliados, fato acontecido em 03/09/1943. Deposto em 25/07/1943, Mussolini, que desde 1925 se autoproclamara Il Duce (O Líder), achava-se preso quando o governo de Pietro Badoglio houve por bem anunciar a rendição da Itália. Liberto por militares das SS de Hitler em 12/09/1943 (Ope- ração Eiche ou Gran Sasso ), Mussolini ainda tentou, sem sucesso, reorganizar o Fascismo na Europa e fundou, em 23/09/1943, a República Social Italiana, também conhecida por “República de Saló” (nome do pequeno balneário onde ficava a sede do gover- no). A República Social Italiana nada mais era do que um “Estado fantoche” instalado na região da Lombardia, no norte da Itália, sob controle do exército alemão, e que perdurou até a morte de Mussolini pelos “partizans” comunistas da “Resistência Italiana”, em 28/04/1945. A morte de Mussolini, contudo, não foi suficiente para que a Itália se retirasse em definitivo do teatro de operações militares na Europa, pois parte de seu território ainda permaneceu ocupada por forças alemães. O último foco de resistência nazista na Itália só foi derrotado em 02/05/1945, quando os Aliados tomaram Tu- rim, capital do Piemonte. Na mesma data, a Alemanha perdeu Ber- lim para as tropas do Exército Vermelho da URSS. Àquela altura, o alto-comando do Reich já se achava completamente erodido. E sem Hitler. O Führer , que sofreu pelo menos 15 atentados em vida, dentre os quais o de 20/07/1944 (“Operação Valquíria”), quando uma bomba explodiu na sala de reuniões do QG nazista de Ketrzyn, na Prússia Oriental (hoje Polônia), suicidara-se a 30/04/1945, pois temia ser pego. A queda alemã não tardou. No dia 07/05/1945, em Reims, nordeste da França, local do QG norte-americano, os nazistas, através do general Alfred Jodl, firmaram sua capitula- ção perante o comandante supremo dos Aliados na Europa, gene- ral Dwight Eisenhower (EUA). No dia seguinte, 08/05/1945, em Berlim, agora por conduto do marechal-de-campo Wilhelm Keitel, renderam-se os alemães, por fim, às tropas soviéticas do coman- dante-em-chefe do Exército Vermelho, general Georgy Zhukov.
(05/03/1945), Montese (14/04/1945), Collecchio (27/04/1945) e Fornovo di Taro (28/04/1945). A participação da FEB no conflito findou-se em meados de 1945, quando os soldados brasileiros se concentraram na cidade de Francolise, próxima ao porto de Ná- poles, e de lá partiram de volta à terra natal. O primeiro escalão expedicionário, sob o comando do general-de-brigada Euclydes Zenóbio da Costa, iniciou a sua viagem de regresso ao país no dia 06/07/1945 e desembarcou no Cais do Porto do Rio de Janeiro no dia 18/07/1945, sob intensa euforia popular^8. Tornou-se anacrônica, a partir da vitória aliada na guerra, a ditadura que Getúlio Vargas impunha ao país desde 10/11/1937, quando instituído o Estado Novo. Os novos tempos, de valorização das liberdades democráticas, acarretaram a insustentabilidade política da continuidade do regime de exceção no Brasil. No Ca- tete, era grande a preocupação com o elevado prestígio popular da FEB. A uma, porque o apoio do povo legitimava, em tese, um possível levante dos “pracinhas” contra o governo. A duas, porque a FEB, gloriosa na luta contra ditaduras estrangeiras, podia sentir- se incentivada pelo povo e/ou por seus próprios méritos militares a colocar a sua experiência de guerra e a sua autoridade moral a serviço da reabertura interna. A três, porque dificilmente os seto- res descontentes da elite nacional deixariam “passar em branco” a chance de uma articulação para a queda de Vargas e a tomada do poder. O desafio de peso que se impunha a Getúlio naquele mo- mento de grande regozijo pela volta vitoriosa da FEB ao país era, então, o de abrir o regime, vale dizer, restabelecer a democracia, tal como exigia a nova conjuntura política mundial, sem deixar, contudo, que a Presidência da República lhe escapasse às mãos.
(^8) Sobre a chegada dos “pracinhas”, eis o relato do jornalista Hélio Fernandes: “Em 1945, emocionante mesmo, foi a chegada da FEB da Itália. O Rio tinha menos de 2 milhões de habitantes, os cálculos davam 800 mil pessoas no Centro da cidade. Não havia televisão, e ninguém podia andar na Cinelândia, Avenida Rio Branco, ou nas ruas por perto. De cada 2 habitantes, 1 foi homenagear os “pracinhas” que combateram o nazi-fascismo. Con- sagração” (FERNANDES, Hélio. Tribuna da Imprensa [jornal]. Rio de Janeiro, edição de 15/06/2004. Apud : PEREIRA JUNIOR, Durval Lourenço. “A participação da FEB na Segunda Guerra Mundial: Seu lugar na memória social brasileira”. Monografia. Juiz de Fora: Univer- sidade Salgado de Oliveira, 2005, p. 25).
Na prática, um problema de solução bastante difícil que foi trazi- do pela comemorada vitória dos Aliados – e do Brasil – na guerra.
3.1. Getúlio sob pressão: a ditadura em crise. Referindo-se aos anos 1944-1945, o jornalista Álvaro de Moya, em entrevista colhida por Vida Alves em 1999 para a Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira (“Pró-TV”), parte integrante de uma série de depoimentos organi- zados posteriormente em livro pelo professor e ex-ator David José Lessa Mattos, assim resumiu o sentimento do povo com relação ao futuro político do Estado Novo: “Quando o Brasil participou da Segunda Guerra Mundial para lutar contra o Eixo, contra a ditadu- ra na Itália, na Alemanha e no Japão, as pessoas diziam: ‘Por que nossas Forças Expedicionárias vão lutar lá fora contra a ditadura se nós temos uma ditadura aqui?’. Era a ditadura do Getúlio Vargas, o presidente que ficou no poder de 1930 a 1945. Quando a Força Expedicionária Brasileira voltou, foi a comemoração da vitória da democracia sobre a ditadura. E a gente sabia que a ditadura do Getúlio Vargas estava com os dias contados” (MOYA, Álvaro de. Entrevista concedida a Vida Alves em 13/03/1999, na cidade de São Paulo (SP). In : MATTOS, David José Lessa (org.). Pioneiros do rádio e da TV no Brasil. V. 1. São Paulo: Códex, 2004, p. 35). Dul- ce Pandolfi (CPDOC/FGV), em estudo que se incorpora ao segundo volume de uma coletânea de textos organizada por Jorge Luiz Fer- reira (UFF) e Lucília de Almeida Neves Delgado (PUC-Minas) sobre a República Brasileira, igualmente destaca o desgaste do Estado Novo no pós-guerra: “Havia sinais visíveis de que o regime se de- bilitava. O governo conseguiu impedir que a imprensa divulgasse as primeiras manifestações contrárias a ele, mas em 1945 já não podia abafá-las. Os liberais, pouco a pouco, recuperaram a voz e os cooptados não tardaram a retirar o seu apoio ao regime. A fala apologética foi substituída pelo discurso de oposição, engavetado desde 1937” (PANDOLFI, Dulce. “Os anos 1930: as incertezas do regime”. In : FERREIRA, Jorge Luiz & DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil republicano. V. 2. Rio de Janeiro: Civiliza- ção Brasileira, 2007, 2ª. edição, p. 36).
das portas de residências e estabelecimentos comerciais. Ne- nhum jornal quis publicá-lo, por medo de ser “empastelado”^13. Os principais artífices do texto, quer no tocante à ideia em si de sua elaboração, quer no tocante à redação e à articulação política para o engajamento daqueles que nele apuseram os seus nomes, foram Afonso Arinos de Melo Franco, o seu irmão Virgílio Alvim de Melo Franco, Odilon Braga e Dario de Almeida Magalhães. A importância histórica do libelo mineiro está no fato de que ele foi o primeiro ato de oposição frontal e aberta ao regime var- guista, causando, a reboque, relevante impacto sobre a opinião pública. Embora Benedicto Valadares, interventor federal em Mi- nas Gerais e político fidelíssimo a Getúlio, tenha, de princípio, se referido ao Manifesto como “água de flor de laranjeira”^14 , finali- zando, com isso, desqualificá-lo em autoridade e em significado, o fato é que a sua divulgação motivou perseguições, prisões, demis- sões, exonerações e aposentadorias para muitos de seus subscrito- res. Afonso Arinos e Odilon Braga, por exemplo, tiveram de deixar o jurídico do Banco do Brasil. Milton Campos, o jurídico da Caixa Econômica Federal. Adaucto Lúcio Cardoso, o jurídico do Lloyd Brasileiro. Pedro Aleixo, a direção do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais. Virgílio de Melo Franco, a direção do Banco Ale- mão Transatlântico. José de Magalhães Pinto, a direção do Banco da Lavoura de Minas Gerais. Pedro Nava, o cargo de médico que ocupava junto à Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Luís Ca- millo de Oliveira Netto, a chefia da Biblioteca do Itamaraty. Bilac Pinto, a cátedra da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Tantos foram os que perderam empregos que Milton Campos, para
(^13) Sobre “empastelar” jornais, segue, aqui, a seguinte explicação: “Você sabe o que significa empastelar? O verbo caiu em desuso, mas no passado o empastelamento de jornais era muito comum. Quando alguém queria calar um jornal, convocava um bando de desocupados para invadir as oficinas e espalhar as caixas de tipos pelo chão. O jornal ficava dias, semanas, às vezes meses, fora de circulação” (OBSERVATÓRIO DA IMPREN- SA. Editorial. Rio de Janeiro: TVE Brasil , 13/09/2005. Programa de TV. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/arquivo/principal_050913.asp#editorial. Acesso em: 22.fev.2010). (^14) Cf. CHAGAS, Carmo. Política: arte de Minas. São Paulo: Carthago & Forte, 1994, p.103.
fazer troça, chegou depois a dizer que o Manifesto, criado para provocar “onda”, acabou provocando “vagas”^15.
3.1.2. A “Carta aos Brasileiros”, de 10/12/1943. A “Carta aos Brasileiros” foi uma dura crítica que, do exílio (Buenos Aires, Argentina), Armando de Sales Oliveira fez ao Estado Novo e a seu líder, Getúlio Vargas. Na carta, o democrata-liberal paulista apontava contradições que, na sua concepção, existiam entre o discurso e a prática do regime. A falta de liberdade, de investimentos rodoviários, de planos para a economia, a carestia, a desigualdade social e a ineficiência da burocracia administrati- va foram pontos abordados no documento. Dizia estar moribun- da a ditadura: “No Brasil, o regime – o simulacro de regime, os fragmentos de regime – instituído em 37, não vingou. Nem podia vingar, no solo brasileiro, um produto artificial, estranho à nossa formação, aos nossos desejos, aos nossos costumes, às nossas ne- cessidades. A despeito do que possam pretender certas apostasias escandalosas, nunca teve luz própria, se alguma luz teve. Nasceu e viveu debaixo do refluxo dos dois meteoros que, depois de in- cendiar e devastar o mundo, já se precipitaram nos espaços. Do chamado ‘Estado Novo’, o que agora se vê é apenas uma massa escura, informe, morta. Não o pode ver o Sr. Getúlio Vargas, por- que, submetido ao ciclo fatal em que evolui a história de todos os ditadores, não percebeu a passagem do dia inexorável em que, segundo todas as probabilidades, já se consumou a extinção do seu poder absoluto”^16. Armando de Sales Oliveira, engenheiro civil, político e em- presário ligado à elite paulista, era genro de Júlio de Mesquita, dono do jornal O Estado de São Paulo , do qual foi diretor-presi- dente em 1927. Chegou à interventoria do Estado de São Paulo em 21/08/1933, nomeado por Getúlio Vargas após o término da “Revo-
(^15) Cf. CHAGAS, Carmo. Op. cit. p. 263. (^16) CARTA AOS BRASILEIROS, de Armando de Sales Oliveira, 10.12.1943 apud SCHURSTER, Karl e LAPSKY, Igor. “Carta aos Brasileiros: Armando Sales de Oliveira e a Segunda Guerra Mundial”. In : Boletim do TEMPO , Ano 4, n.º 12, Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Fragmento com modificações ortográficas.
“Estado Novo” em 10/11/1937, como já aqui destacado. Armando de Sales Oliveira, o virtual vitorioso no malogrado pleito presiden- cial de 1938, acabou preso e depois exilado. O manifesto de Armando de Sales Oliveira teve eco na im- prensa dos Estados Unidos^20 , país onde vivera antes de transferir- se para a Argentina, e também circulou no Brasil, de forma clan- destina, nas mãos de oposicionistas.
3.1.3. A “Declaração de Princípios do 1.º Congresso Brasileiro de Escritores”, de 27/01/1945. A “Declaração de Princípios do 1.º Congresso Brasileiro de Escritores” foi o manifesto de encerramento de um grandioso en- contro de intelectuais organizado pela Associação Brasileira de Escritores (ABDE) e acontecido no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 22 e 27/01/1945. Esse encontro reuniu importantes nomes das letras nacionais em prol da liberdade de expressão (fim da censura), dos direitos autorais, do engajamento político da in- telectualidade, da democratização do ensino e da cultura no país e da realização de eleições (fim da ditadura). Ao todo, 21 delega- ções estaduais estiveram presentes (AL, AM, BA, CE, DF e Est. do RJ, ES, GO, MA, MT, MG, PA, PB, PR, PE, PI, RN, RS, SC, SE e SP). Foram mais de 220 participantes de diferentes correntes e matizes político-ideológicos. A mesa-diretora teve na presidência dos tra- balhos o escritor mineiro Aníbal Machado; e na vice-presidência, os escritores Dyonélio Machado (gaúcho), Jorge Amado (baiano), Murilo Rubião (mineiro) e Sérgio Milliet (paulista). A “Declaração de Princípios” que desfechou o evento pregava, em seu texto, a “legalidade democrática como garantia da completa liberdade de
já alçado a general-de-divisão, daria início ao golpe que apeou João Goulart, o Jango, da Presidência da República e instalou a ditadura militar no país), a pedido de Plínio Salgado, que por sua vez, com tal estratégia, visava dar a Getúlio Vargas o pretexto de que neces- sitava para justificar a instalação do “Estado Novo”, obtendo, em troca, uma aproximação política com o Catete que o permitisse implementar o Integralismo como base ideológica do novo regime. Como Vargas não deu a Plínio Salgado a aproximação com que sonhava, os integralistas tentaram, sem sucesso, na madrugada de 11/05/1938, um levante armado para derrubar o governo. (^20) Cf. AMADO, Jorge. Os subterrâneos da liberdade (3): a luz no túnel. Rio de Janeiro: Record, 1976, 28ª. edição, p. 199.
expressão do pensamento, da liberdade de culto, da segurança contra o terror da violência e do direito a uma existência digna”; o “sistema de governo eleito pelo povo mediante sufrágio universal, direto e secreto”; e “o pleno exercício da soberania popular em todas as nações” como condição para tornar possíveis “a paz e a cooperação internacional, assim como a independência econômica dos povos”^21.
3.1.4. A entrevista de José Américo de Almeida, de 22/02/1945. A entrevista de José Américo de Almeida a Carlos Lacerda, publicada no dia 22/02/1945 por dois jornais do Rio de Janeiro – o matutino Correio da Manhã , de Paulo Bittencourt, e o vespertino O Globo , de Roberto Marinho –, teceu, de um modo geral, graves críticas à “ditadura expirante” ( sic ) de Getúlio Vargas durante o Estado Novo: baixa produção agrícola, pecuária e industrial, desa- bastecimento, alta de preços, perda do poder aquisitivo da classe média, falta de transportes terrestres e marítimos para o escoa- mento de bens e gêneros alimentícios, inflação, excessiva burocra- cia, filas e desorganização geral. Devia-se tal quadro, na opinião do escritor e político paraibano, à “imprevisão” ( sic ) do governo em furtar-se à adoção de medidas que se revelavam necessárias a uma economia de guerra: “Costuma-se responsabilizar a guerra pela depressão econômica do Brasil. (...). De fato, a guerra pre- judicou um pouco o abastecimento, mas unicamente porque foi permitido exportar mais que o possível, com prejuízo do consumo interno. Só a escassez do petróleo poderia ser atribuída à guerra, mas isso acontece até nos países produtores desse combustível e deve ser levada à conta da ausência de estoques que deveriam ter sido feitos logo que se manifestaram os primeiros sinais da tormenta a avizinhar-se” (ALMEIDA, José Américo de. “A situação: declarações do senhor José Américo de Almeida”. Entrevista con-
(^21) DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DO 1.º CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCRITORES, 27.01.1945, apud CAMPOS, Regina Salgado. “Papel do intelectual nos anos 40”. In : Ceticismo e respon- sabilidade: Gide e Montaigne na obra crítica de Sérgio Milliet. São Paulo: Annablume, 1996, p. 171-172.
Manhã protagonizou na imprensa brasileira uma história gloriosa, começada no dia 15 de junho de 1901. Uma história que, durante boa parte dos 74 anos seguintes, iria alterar várias vezes a vida política do país, inspirar a vocação de milhares de jornalistas e dar aulas diárias de como fazer jornal. Era um jornal do Rio, que o país inteiro lia” (CASTRO, Ruy. “Vida e morte do Correio da Manhã ”. In : Digestivo Cultural. Ensaios. Edição de 26/10/2009. Disponível em: http://www.digestivocultural.com/ensaio.asp?codigo=328. Acesso em: 25.fev.2010).
3.1.5. Os acontecimentos da Praça da Independência, no centro de Recife, em 03/03/1945. A Praça da Independência, no bairro de Santo Antônio, no centro da cidade de Recife, foi palco, em 03/03/1945, de um grande ato público pelo fim da ditadura de Getúlio Vargas e pela candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes ao Catete. Organizado pelo Diário de Pernambuco , jornal de oposição ao Estado Novo e cujo dono era o empresário paraibano Assis Chateaubriand, o evento também contou com o exaltado apoio dos estudantes lo- cais, notadamente os da Faculdade de Direito do Recife. Na Pra- ça da Independência ficava a sede do Diário de Pernambuco , um portentoso prédio de três andares em estilo neoclássico vizinho ao bar “Lero-Lero”. No referido bar, um retrato de Vargas foi retirado da parede, pisoteado e rasgado pelos estudantes. Hou- ve confusão. A tensão com a polícia pernambucana deixou dois mortos: o líder estudantil Demócrito de Souza Filho, de 24 anos, alvejado na testa durante o discurso que o professor e sociólogo Gilberto Freyre proferia da sacada da redação do Diário de Per- nambuco , e o operário Manoel Elias dos Santos, vulgo “Manoel Carvoeiro”. O jornal Diário de Pernambuco foi “empastelado” (e logo depois, censurado) e seu redator-chefe, Aníbal Fernandes, acabou preso. Demócrito de Souza Filho tombara mortalmente feri- do dentro da sede do Diário de Pernambuco , e o jornal, no dia 09/03/1945, resolveu então inaugurar um retrato do estudante
nas dependências de sua redação. Gilberto Freyre, naquela oca- sião, proferiu um imponente discurso em homenagem à memória daquele manifestante que, ainda jovem, acabara aniquilado pelas forças de segurança do Estado: “(...) Quem esquecerá 3 de mar- ço? (...) Quem esquecerá Demócrito? Em vez de companheiro de uma única turma de estudantes da sua escola, ele será o compa- nheiro eterno de todas as turmas que se formarem na Faculdade de Direito do Recife. Não só na Faculdade de Direito do Recife: em todas as faculdades e escolas superiores do Brasil. Todos sen- tirão sua presença. (...). Nós passaremos. Nós envelheceremos. Nós seremos esquecidos ou lembrados apenas por uns poucos. Por filhos, netos e talvez bisnetos. Ele não passará. Ele não envelhe- cerá. Ele viverá ao lado de todas as gerações novas que se forem sucedendo nas escolas do Brasil não como alguém de 1945, mas como alguém de sempre, sempre moço, sempre desassombrado, o cabelo sempre louro, a idade sempre vinte anos. Que importa que a violência policial tenha fechado este ‘Diário’ e prendido na detenção o seu bravo redator-chefe, Aníbal Fernandes, para que não fosse noticiado o assassinato de Demócrito? Todos os dias serão dias seguintes. E quando um jornal tem, como este, não sete anos, mas cento e vinte, pode passar fechado um mês e até dois, sem que sua continuidade ou quase eternidade estremeça; sem que se mate o dia seguinte. O dia seguinte, camaradas de Demócrito, se aproxima de nós; já é quase madrugada. Ladrões e assassinos passam fugindo. Levantam-se os estudantes mais inquietos. Das redes pulam os operários madrugadores. Os pássaros vão cantar. O clarim vai soar. As mulheres vão fazer fogo para o café. Os trens vão partir. Os aviões vão voar. Os padres vão dizer as primeiras missas do quase dia. O pão vai chegar, já é quase madrugada. Já é quase manhã. Já é quase dia seguinte. O grande, o luminoso, o es- perado dia seguinte. Só falta o ‘Diário’. Camaradas de Demócrito: as máquinas do ‘Diário’ não tardam a rodar” (FREYRE, Gilberto. “Quiseram matar o dia seguinte”. Diário de Pernambuco. Recife. Edição de 10/04/1945, p. 01).
3.2. Administrando a turbulência: Getúlio à espera do cavalo encilhado.