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Guias e Dicas
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Alteração da capacidade psicomotora e crime de embriaguez ao volante no Brasil, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este documento aborda as alterações na lei brasileira relacionadas ao crime de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou outras substâncias psicoativas. A quantidade de álcool por litro de sangue passou a ser um elemento do tipo penal, mas a centralidade do tipo passou a ser a 'capacidade psicomotora alterada'. O documento também discute a remoção do elemento 'em via pública' e a introdução de novos meios de comprovação da embriaguez.

O que você vai aprender

  • Como a quantidade de álcool por litro de sangue se relaciona com o crime de dirigir embriagado no Brasil?
  • Quais são os novos meios de comprovação da embriaguez no crime de dirigir embriagado no Brasil?
  • Quais são as implicações da remoção do elemento 'em via pública' no crime de dirigir embriagado no Brasil?
  • O que muda na centralidade do tipo penal no crime de dirigir embriagado no Brasil?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Selecao2010
Selecao2010 🇧🇷

4.4

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A configuração atual do crime de embriaguez ao volante - art. 306 do Código de
Trânsito Brasileiro
Dario José Kist
Mestre em Direito, Professor de Direito Penal e Processual Penal na Faculdade de
Ilhéus/BA, Promotor de Justiça no Estado da Bahia.
Sumário: 1. Noções gerais; 2. Capacidade psicomotora: conceito e modos de
constatar a sua alteração; 3. Condução de veículo automotor; 4. Natureza do crime e aspectos
probatórios; 5. A sucessão de leis e eventual retroatividade; 6. Considerações conclusivas;
Referências.
Resumo: o texto analisa o tipo penal previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97 -
embriaguez ao volante, com as alterações promovidas pelas Leis nº 11.705/08 e nº 12.760/12.
Trata do elemento central do tipo, que é a alteração da capacidade psicomotora e também das
formas de sua comprovação. Por fim, aborda a matéria referente à natureza jurídica do tipo
penal, bem como eventual retroatividade das normas penais que se sucederam no tempo.
1. Noções gerais
A Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012, fez diversas modificações e inserções
no Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei nº 9.503/97, de 23 de setembro de 1997.
Um dos dispositivos alterados foi o art. 306, no qual vem criminalizada a conduta de
dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, crime
conhecido como embriaguez ao volante.
Desde a vigência do Código de Trânsito, é a terceira formatação legal deste crime.
Com efeito, inicialmente ele consistia em “Conduzir veículo automotor, na via
pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano
potencial a incolumidade de outrem”. As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses
a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor.
Em vista do elevado número de acidentes de trânsito, muitos com vítimas fatais e
motivados pela anterior ingestão de álcool pelo motorista, em 2008 o legislador fez editar a
Lei nº 11.705, que foi denominada de “Lei Seca”, numa tentativa de recrudescer a ação estatal
nesse campo e prevenir a prática dessa conduta.
Relativamente ao crime em comento, ele passou a configurar-se com o ato de
Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro
de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência”.
Previu a Lei, portanto, uma quantidade de álcool por litro de sangue para configurar
o tipo penal, não obstante qualquer quantidade de álcool que viesse a ser constatada, mesmo
inferior àquela, configurava infração de trânsito, conforme evidencia o art. 165 da Lei nº
9.503/97: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão
do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a
apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação”.
Atualmente, a penalidade para esta infração é de “multa (dez vezes) e suspensão do direito de
dirigir por 12 (doze) meses”.
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A configuração atual do crime de embriaguez ao volante - art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro Dario José Kist Mestre em Direito, Professor de Direito Penal e Processual Penal na Faculdade de Ilhéus/BA, Promotor de Justiça no Estado da Bahia.

Sumário : 1. Noções gerais; 2. Capacidade psicomotora: conceito e modos de constatar a sua alteração; 3. Condução de veículo automotor; 4. Natureza do crime e aspectos probatórios; 5. A sucessão de leis e eventual retroatividade; 6. Considerações conclusivas; Referências.

Resumo: o texto analisa o tipo penal previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97 - embriaguez ao volante, com as alterações promovidas pelas Leis nº 11.705/08 e nº 12.760/12. Trata do elemento central do tipo, que é a alteração da capacidade psicomotora e também das formas de sua comprovação. Por fim, aborda a matéria referente à natureza jurídica do tipo penal, bem como eventual retroatividade das normas penais que se sucederam no tempo.

1. Noções gerais A Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012, fez diversas modificações e inserções no Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei nº 9.503/97, de 23 de setembro de 1997.

Um dos dispositivos alterados foi o art. 306, no qual vem criminalizada a conduta de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, crime conhecido como embriaguez ao volante.

Desde a vigência do Código de Trânsito, é a terceira formatação legal deste crime. Com efeito, inicialmente ele consistia em “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Em vista do elevado número de acidentes de trânsito, muitos com vítimas fatais e motivados pela anterior ingestão de álcool pelo motorista, em 2008 o legislador fez editar a Lei nº 11.705, que foi denominada de “Lei Seca”, numa tentativa de recrudescer a ação estatal nesse campo e prevenir a prática dessa conduta.

Relativamente ao crime em comento, ele passou a configurar-se com o ato de “ Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência ”.

Previu a Lei, portanto, uma quantidade de álcool por litro de sangue para configurar o tipo penal, não obstante qualquer quantidade de álcool que viesse a ser constatada, mesmo inferior àquela, configurava infração de trânsito, conforme evidencia o art. 165 da Lei nº 9.503/97: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação”. Atualmente, a penalidade para esta infração é de “ multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses”.

A concentração de álcool por litro de sangue, portanto, passou a integrar o tipo penal, dado que ensejou graves dificuldades quanto à prova desta infração penal. Com efeito, tal elemento deveria ser comprovado por meio pericial, com o uso do bafômetro, ou por meio de exame de sangue.

A par desta condicionante na prova do crime que, portanto, somente poderia ser feita pelo meio pericial, assentou-se na doutrina e jurisprudência a noção de que o condutor suspeito de conduzir veículo em estado de embriaguez não poderia ser coagido a utilizar o aparelho de medição da quantidade de álcool existente no sangue, assim como não poderia ser obrigado a permitir a coleta de sangue para fazer o exame. E o fundamento para tais negativas lícitas foi calcado no princípio da vedação da autoincriminação, mais conhecido pela expressão segundo a qual ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si - em latim, nemo tenetur se detegere.

Esses dois elementos jurídicos foram fixados na jurisprudência dos Tribunais Superiores de forma definitiva.

A título de exemplo, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da Primeira Turma, no julgamento do HC93916/PA, decidiu que:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBLIDADE DE SE EXTRAIR QUALQUER CONCLUSÃO DESFAVORÁVEL AO SUSPEITO OU ACUSADO DE PRATICAR CRIME QUE NÃO SE SUBMETE A EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA. DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO: NEMO TENETUR SE DETEGERE. Não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo [...]. (Relatora Min. Carmem Lúcia, julgado em 10/06/2008, Dje 117, publ. 27/06/2008).

O Superior Tribunal de Justiça assentou as premissas acima citadas no julgamento do REsp 1.111.566/DF, ementado dessa forma:

PROCESSUAL PENAL. PROVAS. AVERIGUAÇÃO DO ÍNDICE DE ALCOOLEMIA EM CONDUTORES DE VEÍCULOS. VEDAÇÃO À AUTOINCRIMINAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO PENAL. EXAME PERICIAL. PROVA QUE SÓ PODE SER REALIZADA POR MEIOS TÉCNICOS ADEQUADOS. DECRETO REGULAMENTADOR QUE PREVÊ EXPRESSAMENTE A METODOLOGIA DE APURAÇÃO DO ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

_1. O entendimento adotado pelo Excelso Pretório, e encampado pela doutrina, reconhece que o indivíduo não pode ser compelido a colaborar com os referidos testes do 'bafômetro' ou do exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere). Em todas essas situações prevaleceu, para o STF, o direito fundamental sobre a necessidade da persecução estatal.

  1. Em nome de adequar-se a lei a outros fins ou propósitos não se pode cometer o equívoco de ferir os direitos fundamentais do cidadão, transformando-o em réu, em processo crime, impondo-lhe, desde logo, um constrangimento ilegal, em decorrência de uma inaceitável exigência não prevista em lei._

Justiça criminal foram os incautos que se submeteram a um dos exames mencionados; em síntese, criou-se um patético mecanismo em que a decisão em responder ou não à ação penal estava na mão do condutor suspeito de embriaguez, pois, bastava exercer o direito referido que estaria totalmente inviabilizada a perspectiva de sucesso na persecução penal.

Com isso, a pretendida diminuição dos acidentes causados pela ingestão de álcool também não se verificou e foi totalmente frustrada.

Esses foram os principais motivos que ensejaram nova reformulação do tipo penal inscrito no art. 306 do Código de Trânsito, promovida pela referida Lei nº 12.760/12. A atual redação deste artigo é esta: “ Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor ”.

Observa-se, portanto, que o elemento central do tipo penal deixou de ser a quantidade de álcool por litro de sangue e passou a ser a “ capacidade psicomotora alterada ”, determinada pela “ influência de álcool ou de substância psicoativa que determine dependência ”.

2. Capacidade psicomotora: conceito e modos de constatar a sua alteração Tem capacidade psicomotora aquele que consegue integrar em seu corpo as funções motoras e as psíquicas. Segundo estudos médicos, há uma região no cérebro humano que preside e determina os movimentos dos músculos, e o seu controle é a denominada capacidade psicomotora que, desse modo, compreende: a) a coordenação motora (utilização eficiente das partes do corpo), b) a tonicidade (adequação de tensão para cada gesto ou atitude), c) a organização espacial e percepção visual (acuidade, atenção, percepção de imagens, figuras de fundo e coordenação viso-motora), d) a organização temporal e percepção auditiva (atenção, discriminação, memória de sons e coordenação auditiva-motora), e) a atenção (capacidade de apreender o estímulo), f) a concentração (capacidade de se ater a apenas um estímulo por um período de tempo), g) a memória (capacidade de reter os estímulos e suas características), h) o desenvolvimento do esquema corporal (referência de si mesmo) e i) a linguagem. (http://www.bhonline.com.br/marta/psicomot.htm).

Uma das formas de alterar essa capacidade psicomotora é a embriaguez que, como se sabe, é uma intoxicação aguda e transitória, determinada pela ingestão de álcool ou de substâncias de efeitos psicotrópicos, cujo principal efeito é eliminar ou diminuir a capacidade motora e de entendimento.

A alteração dessa capacidade psicomotora, ainda segundo a Lei em comento, pode ser verificada por dois meios.

De um lado, pela concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar. Nesse particular, manteve-se o padrão já existente na legislação anterior, a partir da constatação, por meio de estudos técnicos, de que a referida quantidade de álcool efetivamente afeta a capacidade psicomotora do condutor de veículo.

Lembre-se que a verificação dessa quantidade de álcool no corpo do agente, segundo a jurisprudência acima mencionada, somente poderia ser obtida pelo uso dos aparelhos que a medem ou pelo exame de sangue. Contudo, no § 2º do art. 306 o legislador da Lei nº 12.760/12 fez constar que “ A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova ”. Portanto, ampliaram-se os

meios de prova da condição do agente, ressaltando-se os vídeos e a prova testemunhal, de obtenção mais fácil e que independem da vontade do condutor.

Por outro lado, e nisso há outra inovação legislativa, a alteração da capacidade psicomotora também pode ser comprovada por sinais que a indiquem. A esse respeito, a Lei nº 12.760/12 determinou que o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) elaborasse e publicasse Resolução para especificar quais seriam esses sinais e a forma de sua coleta e comprovação.

Essa providência foi adotada, havendo o citado Órgão publicado a Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013, que “ Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, para aplicação do disposto nos arts. 165, 276, 277 e 306 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ”.

No art. 3º da Resolução, consta que “ A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor: I – exame de sangue; II – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência; III – teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro); IV – verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor ”. No § 1º foi previsto que “ Além do disposto nos incisos deste artigo, também poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido ”.

Sobre os sinais de alteração da capacidade psicomotora, dispõe o art. 5º da Resolução que eles poderão ser verificados por: a) exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou b) constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora, conforme anexo. O §§ do art. 5º determinam que, para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor; ademais, que os sinais de alteração da capacidade psicomotora deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico.

Por outro lado, o Anexo II da Resolução nº 432/13 especifica os elementos que devem ser considerados para se concluir pela alteração da capacidade psicomotora, classificados em cinco grupos:

I. Quanto à aparência, se o condutor apresenta: sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes e odor de álcool no hálito.

II. Quanto à atitude, se o condutor apresenta: agressividade, arrogância, exaltação, ironia, se está falante ou se apresenta dispersão.

III. Quanto à orientação, se o condutor: sabe onde está, sabe a data e a hora. IV. Quanto à memória, se o condutor: sabe seu endereço e lembra dos atos cometidos;

V. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta: dificuldade no equilíbrio, fala alterada.

É importante atentar para o fato de que, na atual configuração do tipo penal de embriaguez ao volante, não é exigido que a capacidade psicomotora esteja suprimida; basta

persecução penal a prática de ação perigosa por parte do condutor, como o excesso de velocidade, o andar em ziguezague ou em cima de calçadas e acostamentos, ou qualquer outra manobra anormal ou perigosa.

Entretanto, quando editada a Lei nº 11.705, em 2008, o legislador abandonou a fórmula anterior, configurando o crime com o ato de “ Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. E, na atual redação do art. 306, também não há nenhuma referência a dano potencial, bastando conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada.

Portanto, fica evidente que o crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito, atualmente, é de perigo abstrato, ou seja, é a lei que presume que conduzir veículo nas condições referidas é ação perigosa, atraindo o condutor, com a simples condução nesse estado, a incidência da norma penal, mesmo que a referida condução apresente-se normal e, no caso concreto, não oferte perigo potencial. O risco, portanto, é presumido pelo legislador.

No ponto, conveniente referir que essa formatação legal para o crime em comento já foi objeto de questionamento sob a perspectiva da constitucionalidade. Com efeito, argumenta-se contra os crimes de perigo abstrato que eles importam em responsabilidade penal objetiva, há muito abandonada pelo Direito Penal, e também que ofendem os princípios da lesividade - só há crime com a efetiva lesão ou quando concretamente posto em perigo o bem jurídico protegido -, da culpabilidade e do estado de inocência.

Em favor dos crimes de perigo abstrato sustenta-se que há determinadas condutas que naturalmente geram alto grau de risco para a coletividade, como, por exemplo, o porte ilegal de arma de fogo; por terem intrínsecas a elas esse elevado risco, devem ser coibidas preventivamente, induzindo as pessoas a delas se absterem, com o que estará prevenida a prática do respectivo crime; caso não se abstenha, o agente é passível de punição criminal pela simples ação, sem que tenha gerado dano ou risco concreto de dano. Naturalmente, a asserção é válida apenas em relação aos bens jurídicos mais relevantes para o convívio social.

O Supremo Tribunal Federal, quando incitado a decidir a respeito do art. 306 do Código de Trânsito sob esse ponto de vista, rechaçou a pretensão de vê-lo declarado inconstitucional. De fato, a 1ª Turma daquele Tribunal, ao julgar, no dia 08/05/2012, o RHC 110258/DF, Relator o Min. DIAS TOFFOLI, decidiu que:

Recurso ordinário em habeas corpus. Embriaguez ao volante (art. 306 da Lei nº 9.503/97). Alegada inconstitucionalidade do tipo por ser referir a crime de perigo abstrato. Não ocorrência. Perigo concreto. Desnecessidade. Ausência de constrangimento ilegal. Recurso não provido.

_1. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a aplicabilidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro – delito de embriaguez ao volante –, não prosperando a alegação de que o mencionado dispositivo, por se referir a crime de perigo abstrato, não é aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro.

  1. Esta Suprema Corte entende que, com o advento da Lei nº 11.705/08, inseriu-se a quantidade mínima exigível de álcool no sangue para se configurar o crime de embriaguez ao volante e se excluiu a necessidade de exposição de dano potencial, sendo certo que a comprovação da mencionada quantidade de álcool no sangue pode ser feita pela utilização do teste do bafômetro ou pelo exame de sangue, o que ocorreu na hipótese dos autos.
  2. Recurso não provido._

A Segunda Turma do STF também se posicionou nesse sentido quando julgou o HC 109.269-MG, Relator o Min. Ricardo Lewandowski. Sobre o ponto em questão, disse:

HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente. III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. V – Ordem denegada.

Em consequência da higidez jurídico/constitucional do art. 306 em questão, cabe ao acusador fazer a prova de que o condutor/acusado encontrava-se dirigindo veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada pela influência de álcool ou substância psicotrópica; provados estes dados, estará configurado o tipo penal, não afastando tal conclusão eventual alegação de que a condução do veículo foi normal e não causou perigo a ninguém.

E à defesa caberá concentrar-se em afastar a prova da alteração da capacidade psicomotora, pois, como já referido, o argumento segundo o qual não houve dano, nem perigo de dano, não afasta a incidência da norma penal em comento.

Exsurgem, portanto, no contexto da prova da infração penal em comento, duas situações: de um lado, será presumida e estará provada para fins penais a alteração da capacidade psicomotora se for constatada, em exame, concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama por litro de ar alveolar, independentemente da condução anormal do veículo ou da aparência do agente, pois, ainda que o condutor não demonstre sinal de embriaguez, o crime estará configurado em virtude da quantidade de álcool no corpo.

Por outro lado, se o condutor não se submeter a nenhum teste de alcoolemia, a alteração da capacidade psicomotora poderá ser demonstrada, para fins penais, mediante gravação de imagem em vídeo, exame clínico, prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova lícita; caso provada a alteração por esses meios, o crime estará configurado e, por se tratar de crime de perigo abstrato, também neste caso não há necessidade de provar a condução anormal do veículo.

Ainda no campo da prova da infração penal, é conhecida a regra geral prevista no art. 158 do Código de Processo Penal, segundo a qual “ Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Vestígio, do latim “ vestigium ”, é todo e qualquer sinal, marca, objeto,

ou exame de sangue - foram aceitos para produzir a prova da ebriez. Esta situação persiste, atualmente, quando a opção for por tais meios de prova.

Contudo, a Lei nº 12.760/12 previu outros mecanismos de prova, a incidirem sobre os sinais da embriaguez, fazendo expressa referência aos vídeos e à prova testemunhal, além de outros meios de prova em direito admitidos. Portanto, ampliou o espectro probatório e, nessa medida, não há como cogitar da aplicação retroativa para antes da vigência desta Lei. E, em nada altera a solução o fato de nominar tal norma como sendo de natureza processual que, sabidamente, não retroage.

6. Considerações conclusivas É sabido, pois largamente divulgado, que o trânsito é uma das principais causas de mortes violentas no Brasil, e que muitos dos acidentes automobilísticos são determinados pela ingestão de álcool ou substância psicoativa pelo condutor. Os nefastos efeitos desses acidentes são sentidos em diversos campos, desde a dor pela perda de entes queridos e de arrimos de famílias, passando pelo sistema de saúde e de previdência públicas, para os quais são projetados os efeitos econômicos dos acidentes, eis que são obrigados a tratar os traumas corporais e suprir a perda da capacidade laborativa ou a invalidez.

Assim visto o fenômeno, nada mais justificado do que o uso do Direito Penal, com suas ferramentas coativas e punitivas, para proteger a incolumidade pública e particular. Ademais, exigível que a legislação penal tenha racionalidade e efetiva aplicabilidade, para ser instrumento eficaz de proteção dos bens jurídicos envolvidos.

Nesses termos, considera-se que a legislação que tipifica criminalmente a embriaguez ao volante foi alvo de significativas melhoras. As principais: a) a expressa ampliação dos meios de comprovação da embriaguez, notadamente a análise dos sinais, com o que foi superada a impossibilidade da prova do estado de ebriez na hipótese em que o condutor recusava-se a utilizar os meios de medição; b) o abandono do elemento espacial do tipo penal “em via pública”; c) a formatação do tipo penal como de perigo abstrato, com o que se superou a exigência da causação do risco em concreto. Espera-se que a legislação em tela cumpra a finalidade para a qual foi editada, que é reduzir o número de acidentes automobilísticos causados pela anterior ingestão de álcool e, desse modo, concretizar o princípio da segurança viária ou direito a um trânsito seguro, previsto no § 2º do art. 1º do Código de Trânsito. E que esta medida seja buscada também por outras formas, em especial medidas administrativas e a permanente educação para o trânsito.

Referências ARAUJO, Marcelo Cunha de; CALHAU, Lélio Braga. Crimes de Trânsito. 2ª ed. rev. atual. Niterói. Ed. Impetus, 2011. GOMES, Luiz Flavio; MACIEL, Silvio. Crime de embriaguez ao volante e ativismo punitivista do STJ (parte I). Repertorio IOB de jurisprudência : civil, processual, penal e comercial, v. 3, n. 6, p. 193/194, mar. 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2010. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal , 11. ed. 2009. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. SOUZA, Bruno Preti de. Considerações sobre as alterações produzidas nos artigos 165, 276, 277, 306 do código de transito brasileiro pela Lei 11705/08. Revista Ajuris , v. 36, n. 114, p. 27, 45, jun. 2009.

TROIS NETO, Paulo Mario Canabarro. Direito a não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011.