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Neste artigo, discutimos os princípios e conceitos básicos do desenvolvimento humano, incluindo estrutura, temporalidade, mudança e continuidade. Destaca-se a necessidade de adotar uma visão sistêmica do processo de desenvolvimento, abordando análises de sistemas complexos e integrados em todos os níveis: genético, neural, comportamental e ambiental. O artigo também ressalta a influência da cultura no desenvolvimento.
Tipologia: Resumos
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Maria Auxiliadora Dessen 2 Universidade de Brasília Miriam Teresa Domingues Guedea Universidade de Sonora - México
Resumo: Os avanços ocorridos nas últimas décadas, presentes nos domínios interdisciplinares da ciência do desenvolvimento, propõem uma mudança na forma de pensar o estudo do desenvolvimento humano, tendo um forte impacto na pesquisa. Neste artigo, são discutidos princípios e conceitos básicos que têm, recentemente, norteado a definição do próprio conceito de desenvolvimento humano, dentre eles, estrutura, temporalidade, mudanças e continuidades. Destaca-se, também, a necessidade de adotar, na prática da pesqui- sa, uma visão sistêmica do processo de desenvolvimento, implicando em análises de sistemas complexos e integrados em todos os seus níveis: genético, neural, comportamental e ambiental (físico, social e cultural), interagindo ao longo do tempo e traçando trajetórias de caráter probabilístico.
Palavras-chave: ciência do desenvolvimento humano; pesquisa interdisciplinar; fatores biológicos e culturais, ciclo de vida.
Abstract: The interdisciplinary field of developmental science showed a significant progress in the last decades. This progress has changed the view on the ways of thinking about the study of human development, having a strong impact in the research designs. This article aims to discuss basic concepts and principles that recently guide the definition of the human development concept such as structure, temporality, changes and continuities. It is also emphasized the necessity of adopting a systemic approach to study the developmental process. It means that it is important to analyze the complex and integrated systems considering the genetic, neural, behavioral, and environmental (physical, social, and cultural) levels interacting across time and forming probabilistic trajectories of development.
Key-words: developmental science; interdisciplinary research; cultural and biological factors; life course.
(^1) Artigo recebido para publicação em 20/09/2004; aceito em 23/12/
(^2) Endereço para correspondência: Maria Auxiliadora Dessen, Colina- UnB, Bloco E, Apto 205, Campus da Universidade de Brasília-UnB Brasília-DF, CEP: 70904-105, E-mail: dessen@unb.br
Desenvolvimento Humano: Ajustando o Foco de Análise
A ciência do desenvolvimento refere-se ao conjunto de estudos interdisciplinares que se dedicam a entender os fenômenos relacionados com o desen- volvimento humano, englobando as áreas social, psi- cológica e biocomportamentais (Magnusson & Cairns, 1996). Como tal, a ciência do desenvolvimento foca-
liza a ontogênese dos processos evolutivos, destacando as trajetórias no ciclo de vida do indivíduo, conside- rando-o como ser biológico inserido em determinado tempo e espaço, o que implica enfatizar as mudanças biológicas, temporais, culturais e sociais. O seu foco de análise varia desde os eventos genéticos até os processos culturais, desde os fisiológicos até as interações sociais, com os padrões de adaptação sen- do entendidos mediante interações dos níveis inter- nos e externos ao indivíduo. Este artigo tem como objetivo discutir alguns conceitos em psicologia do desenvolvimento huma- no, considerando os avanços ocorridos nas últimas décadas, presentes nos domínios interdisciplinares da
Paidéia, 2005, 15(30), 11-
ciência do desenvolvimento, que propõe uma mudan- ça na forma de pensar o estudo do desenvolvimento humano (Aspesi, Dessen & Chagas, no prelo). Na primeira parte, discute-se o próprio conceito de de- senvolvimento, com destaque para as noções de es- trutura, temporalidade, mudança, padrões de mudan- ça e critérios intelectuais e sociais para distinguir as mudanças associadas ao desenvolvimento. Na segun- da parte, descrevem-se os conceitos de continuidade e mudança e ressalta-se a necessidade de se adotar a abordagem do curso de vida para estudar os pro- cessos de desenvolvimento humano. A terceira parte é dedicada a enfatizar a importância de que as pes- quisas levem em conta as inter-relações entre os as- pectos biológicos, sociais, culturais e históricos. Na quarta parte, destaca-se a influência da cultura no desenvolvimento e, finalmente, são tecidas algumas considerações a respeito da importância de se adotar conceitos e pressupostos interdisciplinares para o es- tudo de desenvolvimento humano.
O que é Desenvolvimento Humano?
A ciência do desenvolvimento humano propõe princípios ou enunciados, visando estabelecer um acor- do acerca do que é entendido como desenvolvimen- to. Magnusson e Cairns (1996) destacam sete princí- pios básicos que devem nortear as pesquisas nesta área. O primeiro deles estabelece que a pessoa se desenvolve e funciona psicologicamente como um organismo integrado, em que os elementos de maturação, experiência e cultura se fundem na ontogenia. O segundo ponto enfatiza que a pessoa em desenvolvimento funciona de acordo com uma dinâmica contínua, em um processo de interação com seu ambiente, incluindo as relações com outras pes- soas e grupos sociais e culturais. Já, o terceiro desta- ca que o funcionamento individual depende de influ- ências recíprocas de interação entre subsistemas da própria pessoa, tais como os sistemas cognitivo, emo- cional, fisiológico, morfológico, conceitual e neurobiológico. Todos esses sistemas agem ao longo do tempo. Os demais princípios indicam (a) que novos padrões de funcionamento individual surgem durante a ontogenia; (b) que as variações no desenvolvimen- to produzem diferenças na organização e na configu-
ração de funções psicológicas, podendo o desenvol- vimento ser acelerado ou retardado; (c) que o funci- onamento psicológico é entendido em termos de or- ganização hierárquica a partir de sistemas dinâmicos mais elementares; e, finalmente, (e) que as continui- dades e mudanças no desenvolvimento resultam de pressões de forças internas e externas ao organismo. Portanto, para compreender a complexidade do desenvolvimento humano é necessário adotar uma perspectiva sistêmica que seja capaz de integrar os múltiplos subsistemas do individuo. Isto requer a con- tribuição de diferentes disciplinas, tais como, a biolo- gia e a psicologia do desenvolvimento, a fisiologia, a neuropsicologia, a psicologia social, a sociologia e a antropologia. Shanahan, Valsiner e Gottlieb (1997) propuseram um conjunto de definições heurísticas, referentes a conceitos de desenvolvimento, que pode ser encontrado paralelamente na maioria dessas dis- ciplinas, facilitando a comunicação multi e interdisciplinar. As definições tratam de estrutura, temporalidade, mudança, padrões de mudança e cri- térios intelectuais e sociais para distinguir as mudan- ças associadas ao desenvolvimento. A respeito da ‘estrutura’, as disciplinas reco- nhecem que o desenvolvimento ocorre em um siste- ma estruturado hierarquicamente, tanto vertical quan- to horizontalmente, existindo relações bidirecionais entre eles, isto é, relações de influências mútuas e recíprocas. Na biologia, por exemplo, se assume que a hierarquia vertical do organismo parte do nível mais baixo (fenômenos intra-nucleares), passando por cé- lulas, tecidos, órgãos, organismos e seu ambiente, envolvendo até outros organismos e o ecossistema físico. A diferenciação horizontal ocorre com base nas interações entre os próprios níveis de cada siste- ma. Já, na sociologia, a diferenciação vertical abarca desde as díades (ex.: professor-aluno) e grupos pe- quenos (ex.: sala de aula) até organizações formais (ex.: escolas) e instituições (ex.: sistema educacio- nal), enquanto a diferenciação horizontal considera as conexões entre os níveis contidos em cada siste- ma. A estrutura pode favorecer ou dificultar os pro- cessos de desenvolvimento. Quanto à ‘temporalidade’, há consenso de que as análises em desenvolvimento devem expressar os acontecimentos prévios, ou seja, os eventos em sua seqüência histórica, com o tempo operando em dife-
Maria Auxiliadora Dessen
monstrado que as células têm uma multipotencialidade, o que possibilita o seu desenvolvimento em qualquer parte do corpo, de acordo com a interação que man- têm com as outras células ao seu redor e essa ten- dência se repete em todos os níveis. Essa noção de que cada aspecto do ambiente poderá ter influências no desenvolvimento com re- sultados tão diversos, denominada de ‘norma de rea- ção’, indica claramente que a pesquisa empírica ain- da não tem condições apropriadas para prever as tra- jetórias dos fenômenos de desenvolvimento. Portan- to, as pesquisas contemporâneas precisam incorpo- rar essa noção epigenética e probabilística do desen- volvimento, a fim de obter resultados empíricos com- patíveis com os avanços conceituais da ciência do desenvolvimento. A seguir, discute-se a importância dos conceitos de mudanças e continuidades para a compreensão dos fenômenos de desenvolvimento humano e como a abordagem do curso de vida se mostra apropriada para estudar tais fenômenos.
Mudanças e Continuidades no Processo de Desenvolvimento: Dois Conceitos Interligados
As mudanças existem uma vez que os com- portamentos do individuo ocorrem em função de um tempo histórico e de um espaço específico no qual ele está inserido, enquanto que as continuidades exis- tem, na medida em que permanecem os vínculos en- tre os padrões comportamentais prévios e posterio- res (Keller, 1991). A continuidade refere-se à regula- ridade nos padrões de desenvolvimento, tanto em ter- mos de estrutura e processos, como em termos de mecanismos, o que significa distinguir entre continui- dade ao nível de construtos teóricos e continuidade ao nível dos comportamentos observáveis. A conti- nuidade é também vista em termos de padrões previ- síveis de relacionamento ou de relações causais en- tre experiências prévias e posteriores. Elder (1996) identifica três mecanismos res- ponsáveis pela mudança e continuidade no desenvol- vimento humano. O primeiro deles é denominado ‘interação continuada’ e trata da persistência dos efei- tos comportamentais de determinada experiência, que em interação com outras pessoas, tendem a re-criar as mesmas condições. O segundo, a ‘ativação situacional’, refere-se a situações que são semelhan-
tes a experiências significativas vivenciadas pelo in- divíduo e que tendem a evocar comportamentos e respostas emocionais similares. Por último, os ‘efei- tos cumulativos’ que tratam da continuidade no com- portamento, mantida pela progressiva acumulação de conseqüências do próprio comportamento. Estes mecanismos trazem embutidas as noções de estágio e transição que caracterizam o desenvolvimento hu- mano ao longo do curso de vida. O estágio é definido como “o conjunto de pa- drões comportamentais e habilidades características de uma determinada idade ou fase do ciclo de vida do individuo e a transição refere-se aos períodos de pas- sagem de um estágio para outro no ciclo de vida” (Aspesi, Dessen & Chagas, no prelo). Essas passa- gens acontecem no marco do ciclo de vida, que é entendido como o conjunto de eventos compreendi- dos entre o nascimento e a morte e que tem como referência o processo reprodutivo na sociedade (Elder, 1996). As sociedades constroem um conjunto de even- tos associados a cada estágio do curso de vida, im- pondo demandas para as quais a pessoa deve adap- tar-se. Portanto, a continuidade trata dos padrões relacionais e comportamentais que são transferidos entre situações, evocando respostas nas outras pes- soas inseridas nos novos contextos de interação, re- forçando os padrões iniciais, adaptando-os ao novo contexto. As mudanças no desenvolvimento resultam de acomodações cognitivas e comportamentais que ocorrem de forma simultânea com as mudanças registradas em outros sistemas orgânicos ou ambientais, em determinados momentos do tempo. Isto requer que o desenvolvimento seja analisado em termos sistêmicos, ou seja, considerando o dinamis- mo entre os diferentes sistemas e tempos de reorga- nização adaptativa. Uma das abordagens que cum- pre tal requisito é a abordagem denominada de ‘cur- so de vida’, que incorpora as noções de tempo, de contexto e de processo (Elder, 1996). A noção de curso de vida implica considerar as mudanças e a interdependência das trajetórias do indivíduo vinculadas à idade que, por sua vez, depen- dem das mudanças que ocorrem nas sociedades. Por exemplo, a entrada na escola e o momento de apo- sentar-se variam entre as sociedades. Segundo Elder (1996), para compreender o desenvolvimento, as aná-
Maria Auxiliadora Dessen
lises deverão incluir evidências do atual funcionamento do ambiente, como estrutura social e processo social, nos seus diferentes níveis: desde o nível mais macro da organização social até grupos menores como es- colas e famílias, incluindo estruturas intermediárias e locais como comunidade e vizinhança. A abordagem do curso da vida considera quatro princípios paradigmáticos: (a) variações geográficas e históricas nas vidas humanas; (b) organização humana e suas restrições sociais moldando as trajetórias do desenvolvimento; (c) o papel central do tempo de opor- tunidade na estrutura e processo do desenvolvimento; (d) vidas relacionadas ou interdependentes na matriz de relações sociais, no tempo (Elder, 1996). Tais prin- cípios geram, portanto, quatro temas principais a se- rem estudados: o entrelaçamento das vidas humanas e as mudanças históricas e ambientais, as organizações humanas e as tomadas de decisões e as restrições so- ciais, o senso de oportunidade das vidas e, por fim, as vidas em relação. Adotar essa abordagem significa focalizar as mudanças nos padrões de vida, levando em conta os seus contextos específicos, enfatizando o papel das mudanças sociais no processo de desenvol- vimento do indivíduo. Conhecer a trajetória do desenvolvimento do indivíduo constitui um desafio para os pesquisadores de diferentes disciplinas, que necessitam, obviamente, de pressupostos comuns para “entenderem como os sistemas múltiplos que influenciam o desenvolvimento individual – dos processos culturais a eventos genéti- cos e de processos fisiológicos a interações sociais, vão integrando-se no decorrer do tempo, promovendo o funcionamento saudável e adaptativo ou sua conver- são” (Magnusson & Cairns, 1996, p. 9). Portanto, para compreender o desenvolvimento humano, é preciso considerar a emergência e a evolução do indivíduo, em seus diferentes aspectos interligados: biológicos, psi- cológicos, sociais, culturais e históricos. A seguir, des- taca-se a importância de se considerar a influência dos fatores ambientais no desenvolvimento.
Enfatizando a Inter-Relação Entre Fatores Bi- ológicos e Ambientais no Estudo do Desenvol- vimento
Seguindo a lógica hierárquica das inter-rela- ções entre os diferentes níveis dos sistemas em de-
senvolvimento, uma das tarefas básicas da ciência do desenvolvimento é compreender como o compor- tamento individual entra em contato com os outros elementos significativos do seu entorno, além de des- crever as características desses contatos que são relevantes para o desenvolvimento. De acordo com Magnusson e Cairns (1996), os comportamentos so- ciais organizam os contatos entre o organismo e o ambiente, promovendo seletivamente os processos de adaptação. Neste sentido, o comportamento passa a ser a interface entre as atividades intra e extra-orga- nismo. Para alguns autores, dentre eles Gariépy (1996), o fato de a integração hierárquica implicar em integração funcional entre os níveis de organiza- ção (desde os genes até o ambiente), não significa que se tenha que assumir que o comportamento seja produto dessas interações. Para Gariépy, o compor- tamento constitui a origem dos processos que permi- tem a interação entre condições intra e extra-orga- nismo, conduzindo à continuidade e à mudança nos processos adaptativos no decorrer da vida. Compatível com essa noção, Bronfenbrenner (1992) considera o desenvolvimento humano como “um conjunto de processos por meio dos quais as pro- priedades do indivíduo e do ambiente interagem e pro- duzem continuidades e mudanças nas características da pessoa e no seu curso de vida” (p. 191). E é pelo processo de desenvolvimento que a pessoa adquire uma concepção mais ampla e diferenciada do meio ambiente ecológico, tornando-se cada vez mais capaz de envolver-se em atividades que revelem suas propri- edades, sustentem ou reestruturem o ambiente em ní- veis de complexidade similares ou maiores, tanto em relação ao conteúdo como à forma (Bronfenbrenner, 1979/1996). Em outras palavras, o desenvolvimento representa uma reorganização contínua dentro da uni- dade tempo-espaço, que opera no nível das ações, percepções, atividades e interações do indivíduo com o seu mundo, sendo estimulado ou inibido por meio das interações com diferentes participantes do ambi- ente da pessoa. Coerente com essas noções, Bronfenbrenner (1977, 1994, 1979/1996, 1999, Bronfenbrenner & Ceci, 1994; Bronfenbrenner & Morris, 1998) propõe, en- tão, o ‘Modelo Bioecológico’ para nortear as pesqui- sas sobre desenvolvimento humano. Esse modelo considera o desenvolvimento como uma acomoda-
A Ciência do Desenvolvimento Humano
Cultura e Desenvolvimento Humano
De acordo com Chick (1997), existem, na atu- alidade, muitas definições de cultura, porém elas po- dem ser resumidas em quatro categorias: (a) cultura entendida como conhecimentos, crenças, idéias, va- lores, enfim, algo que está na cabeça das pessoas das diferentes sociedades; (b) cultura entendida como padrões de comportamento distintivos de sociedades particulares; (c) cultura como expressões materiais e comportamentais dos membros de uma sociedade; e (d) cultura como um sistema de informação compar- tilhada pelo grupo. Independentemente da diversida- de de definições sobre o termo, a cultura oferece um sistema de significados compartilhados por meio dos quais a pessoa internaliza valores culturais necessá- rios para o desenvolvimento de competências adaptativas. Mesmo aqueles processos biológicos humanos que são considerados universais (ex: pro- dução hormonal durante a adolescência) podem fun- cionar de modo bastante diferente, dependendo do contexto cultural no qual a pessoa está inserida (Trommsdorff, 2002). Super e Harkness (1999) destacam que o ele- mento mais importante da cultura em relação ao de- senvolvimento humano é o fato de ela constituir-se em uma realidade imediata, presente e compartilha- da pelos membros de uma comunidade, possuindo potencial para permear todas as experiências e com- portamentos das pessoas. Para esses autores, as pes- soas constroem o ambiente por meio dos costumes, dos comportamentos, das situações, das crenças e dos valores, indicando que um determinado ambien- te é formado por uma estrutura sistemática estática e ao mesmo tempo dinâmica. Estrutura estática re- fere-se às características típicas do ambiente ime- diato da pessoa (ex: família), em uma dada cultura ou sub-cultura, que repercutem diretamente no seu desenvolvimento, tais como a natureza das interações verbais e a distribuição de tarefas de cuidado no âmbito da família. E são essas regulari- dades ao longo do tempo que dão continuidade à experiência do desenvolvimento. Por outro lado, a estrutura dinâmica do ambiente humano refere-se às respostas diferenciais entre as pessoas, segundo as características próprias de idade, temperamento, sexo, origem racial etc. e que são responsáveis pela
‘co-variância reativa’ entre pessoa e ambiente. Fo- calizar essa estrutura como unidade de análise em pesquisa implica observar diferenças individuais entre grupos e entre culturas. Existem variações individuais dentro de uma mesma cultura e, também, variações de padrões de comportamento entre os membros de diferentes cul- turas. Essas diferenças resultantes da exposição a fatores culturais distintos são perceptíveis em todos os aspectos do desenvolvimento humano, desde a cognição até o comportamento social, por exemplo. A comparação do funcionamento psicológico em con- textos culturais distintos, uma das tarefas da psicolo- gia transcultural, possibilita testar pressupostos uni- versais acerca do comportamento humano e das re- lações sociais, ressaltando, assim, o papel de culturas específicas nesses processos, resultando em dados valiosos para os estudos sobre desenvolvimento hu- mano (Trommsdorff, 2002). Mas, não se pode deixar de considerar, dentro do ambiente, os aspectos subjetivos que, sem serem necessariamente tangíveis, têm a capacidade de mu- dar as trajetórias do desenvolvimento do indivíduo e do ambiente, ao longo do tempo. Alguns exemplos destes aspectos subjetivos são o código de comuni- cação que o indivíduo estabelece para entrar em con- tato com o seu meio, os símbolos que medeiam o seu comportamento e as regras implícitas e explicitas que organizam as interações entre as pessoas. Estes ele- mentos subjetivos do ambiente são basicamente estí- mulos sociais que, ao entrarem em contato com o indivíduo, dão forma à bagagem psicológica. Como é que os elementos da cultura se inte- gram de forma a influenciar diretamente o desenvol- vimento humano, particularmente nas primeiras fa- ses do curso de vida? Acerca da organização cultural do desenvolvimento, Super e Harkness (1999) pro- põem o conceito de ‘nicho do desenvolvimento’, com- posto por: (a) contexto físico-social da vida diária da criança, entendido como os objetos e pessoas que cir- cundam a criança, e que representam riscos e apoios para o seu crescimento, e os tipos de interações que eventualmente ocorrem entre eles; (b) costumes re- gulados culturalmente sobre o cuidado e educação da criança, incluindo as práticas cotidianas, úteis e significativas, que são aplicadas inconscientemente e que parecem ser óbvias e naturais; e (c) a psicologia
A Ciência do Desenvolvimento Humano
dos cuidadores, que reflete o sistema de crenças cul- turalmente organizado acerca do comportamento e desenvolvimento da criança (‘etnoteorias parentais’). Todos esses componentes do nicho de desenvolvi- mento merecem atenção dos pesquisadores da área de desenvolvimento humano, embora, o primeiro de- les seja de particular importância, uma vez que o con- texto físico e social delimita as oportunidades de de- senvolvimento da pessoa. Não basta estudar os ‘nichos de desenvolvi- mento’; é preciso, também, testar as teorias de de- senvolvimento em ambientes culturais distintos para evitar vieses provenientes da produção de conheci- mento limitada a populações de países ocidentais in- dustrializados. Tais vieses eurocêntricos e etnocên- tricos, característicos das teorias contemporâneas, contradizem os princípios sistêmicos do desenvolvi- mento humano (Dasen & Mishra, 2000; van de Vijver & Leung, 2000).
Considerações Finais
Neste artigo, argumenta-se que o desenvolvi- mento precisa ser estudado considerando desde as unidades biológicas até as estruturas sociais, tendo como interface os padrões comportamentais. Isto requer a adoção de um conceito de desenvolvimento que reflita os avanços ocorridos nas últimas décadas, em diferentes disciplinas dedicadas ao estudo desta variável, como também a adoção de modelos sistêmicos. Segundo Lawrence e Dodds (1997), o desenvolvimento deve ser visto como “uma estrutura sistêmica de relações bidirecionais entre níveis verti- cais e horizontais, ocorrendo em um tempo social e pessoal, sendo as mudanças probabilísticas e mani- festadas em padrões de coações coordenadas por meio de níveis do funcionamento humano” (p. 293). Portanto, é necessário desenvolver planejamentos de pesquisa que sejam consistentes com a noção de de- senvolvimento constituído por mudanças que ocor- rem em função do tempo e das características do contexto, com as interações entre sistemas internos e externos ao indivíduo, provocando o surgimento de novos padrões de funcionamento. Para estudar o desenvolvimento de forma in- tegrada, é necessário reconhecer que sua complexi- dade implica o envolvimento de diferentes disciplinas
científicas, dentre as quais a biologia, a psicologia, a fisiologia, a neuropsicologia, a sociologia e a antropo- logia. No entanto, a comunicação multi e interdis- ciplinar precisa ser cuidadosa. Lawrence e Dodds (1997) explicam, por exemplo, que a simples transpo- sição de conceitos de uma disciplina para outra não é adequada, pois o uso de conceitos equivalentes entre disciplinas deve ser antecedido de uma análise cuida- dosa do termo, para cada uma delas, e pela verifica- ção do suficiente paralelismo desses conceitos entre as diferentes áreas. Nesse sentido, acredita-se que os princípios e os conceitos básicos sobre os proces- sos de desenvolvimento propostos pela ciência do desenvolvimento humano facilitam a comunicação entre as disciplinas, provendo uma linguagem comum para a discussão dos dados empíricos. A ciência do desenvolvimento tem o desafio de entender como os sistemas múltiplos influenciam o desenvolvimento individual, isto é, como os proces- sos culturais e os eventos genéticos e fisiológicos se integram ao longo do curso de vida, promovendo o funcionamento saudável e adaptativo da pessoa (Magnusson & Cairns, 1996). Portanto, os estudos em desenvolvimento precisam analisar a integração ontogenética considerando o contexto e o tempo. As mudanças temporais são utilizadas para esclarecer os mecanismos do desenvolvimento e demonstram sua operação em instâncias concretas de adaptação. Por exemplo, vínculos mediadores entre a ontogenia e os estudos temporais podem ser vistos em análises detalhadas dos processos de transmissão e de mu- danças entre gerações (The Carolina Consortium on Human Development, 1996). Embora os conceitos e pressupostos da ciên- cia do desenvolvimento humano tenham sido siste- matizados na última década do século XX, a sua con- tribuição tem sido notória, particularmente no que tange às integrações conceituais e à proposição de estraté- gias metodológicas e analíticas para abordar os fenô- menos do desenvolvimento humano (Dessen, no pre- lo). Tais avanços precisam, agora, ser compartilha- dos entre os pesquisadores de desenvolvimento, vi- sando à implementação de projetos de pesquisa que tragam contribuições relevantes para a compreensão dos processos de desenvolvimento humano neste sé- culo que se inicia.
Maria Auxiliadora Dessen
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Super, C.M. & Harkness, S. (1999). The environment as culture in developmental research. Em S.L. Friedman & T.D. Wachs (Orgs.), Measuring environment across the life span: Emerging methods and concepts (pp. 279-323). Washing- ton, DC: American Psychological Association
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Maria Auxiliadora Dessen
van de Vijver, F. & Leung, K. (2000). Methodological issues in psychological research on culture. Journal of Cross-Cultural Psychology, 31, 33-51.
Apoio CNPq - primeira autora, apoio Univer- sidade de Sonora, México, segunda autora.