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A Cidade como um Jogo de Cartas, Notas de estudo de Urbanismo

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Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 18/09/2013

b.ttania
b.ttania 🇧🇷

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Baixe A Cidade como um Jogo de Cartas e outras Notas de estudo em PDF para Urbanismo, somente na Docsity!

a, A cidade como um jogo de cartas Carlos Nelson F. dos Santos NIRUS GMFER MEDUEDO VK( Por ger SG eis EV AN O po cao EN Re a Projeto Editores Associados Ltda. São Paulo Universidade Federal Fluminense Editora Universitária - Niterói Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (L Niterói, 1985). É Co-edição Heitor Vice-Reitor Diretora Comissão Editorial Supervisão Editorial Editor Execução Editorial Editor Executivo Editora Universitária - EDUFF Projeto Editores Associados Ltda Universidade Federal Fluminense Hildiberto Ramos Cavalcantti de Albuquerque Junior Aloísio Carlos Tortelly Costa | Editora Universitária - EDUFF Ceres Marques de Moraes “ Estela dos Santos Isa Costa Maria Antonia dos Santos Botelho Maria Aparecida T. de O. Venturini Vicente Custódio Moreira de Souza Isabel Cristina Eiras de Oliveira Projeto Editores Associados Ltda. Vicente Wissenbach PW Gráficos e Editores Associados Ltda. Eugenio Alex Wissenbach (c) Copyright Carlos Nelson Ferreira dos Santos É proibida a reprodução, por qualquer meio, total ou parcial desta obra sem a devida autorização das editoras. projeto Fotocomposição Fotolito Impressão acabamento EDUFF - Editora Universitária Rua Miguel de Frias, 9 Icaraí - Niterói - Rio de Janeiro CEP 24220 - Tel, 717-8080 - R. 200 Projeto Editores Associados Ltda. Av, Dr. Arnaldo, 1947 São Paulo - São Paulo CEP 01255 - Tel. 864-7477 PW Argefoto e Linoart Bandeirante S/A Gráfica e Editores São Paulo, outubro de 1988 Capa “Linhas Coloridas”, Milton Machado 1984 - pastel e recortes sobre papel, 70 x 100 cm. - Coleção Sr. Gérard Loeb, São Paulo. - da série “3 Desarranjos": linhas que só formam desenho coerente quando ocorrem desarranjos. - da exposição “Somas e Desarranjos”, Galeria Saramenha, Rio, 1985. - foto de Pedro Oswaldo Cruz. Sumário 11 15 21 31 39 49 57 65 1 73 77 87 91 Um jogo de cartas Comos e porquês introdutórios O espaço e os jogos (do Poder) As cidades como foram sendo em todo mundo As cidades como puderam ser no Brasil A cidade como um jogo Informações sobre o território Uma estrutura para as cidades Sobre lotes e quarteirões O lote O quarteirão Sobre ruas As ruas 105 115 127 131 135 137 157 165 167 183 187 189 O princípio da grelha A grelha Perímetro urbano Formas de ocupação especial Sobre infra-estrutura e equipamentos urbanos Serviços urbanos Equipamentos urbanos Urbanismo como lei Anteprojeto de lei de urbanismo e edificação O problema fundiário Concluindo Bibliografia 12 ! | nem mai 8 du Glatve - RNA ANNA AUTO NM COLS Quid ed om Lou ; Emnnmi mdoute Dei Umiow De to fommi-gy veuf ow um “uidltamd + AJUDA GUL au, de interpretação comum. Como todo bom simbolismo, construído coletivamente, e como toda norma abrangente e duradoura, situado fora deste mundo, obedecendo a disposições eternas. Um jogo de conivências, compensadoras ou, pelo menos, consoladoras do non-sense das perdas e ganhos do dia-a-dia e restauradoras da unidade. Dubugras (1983), sem citar fontes, diz que o Tarot é divulgado pela Europa no século XIV. As cartas perambulam por várias partes e vão se modificando. l Na versão primitiva havia 78, das quais 22 especiais, chamadas arcanos. Cada arcano era único e fazia parte de uma sequência representativa das ordenações externas da sociedade e internas do homem (suas virtudes, paixões e impulsos). No Ocidente, seja por força de perseguições religiosas, seja por descontextualização cultural, abandonam-se as figuras mágicas. Restam apenas os naipes que, antes, desempenhavam papel secundário, pois não se referiam a acontecimentos e só forneciam informações complementares às interpretações. O baralho vira, então, um passatempo que já não tem nada de sagrado. É reduzido a 52 cartas, agrupadas em conjuntos de quatro naipes, onde os números se sucedem em ordem crescente de um a dez. São complementados pelas imagens de valete, dama e rei, que, através de outra linguagem, também expressam ordenamento. Mantém-se de pé, no entanto, o princípio especular. A sociedade européia, ao jogar baralho, está “se jogando” ou “brincando” de repetir seu próprio desempenho. As cartas representam as diversas formas de oposição ou conjugação. Cada naipe é uma classe: copas, o clero; espadas, a nobreza; ouros, a burguesia; e paus, os camponeses. É fácil deduzir que, até que a burguesia pudesse se impor e fazer sua revolução, o naipe superior era espadas. O predomínio de ouros é recente. A troca de precedências dá um suporte óbvio ao argumento. Verdade naturalmente a comprovar, pois, para o autêntico espírito científico que deveria comandar todas as ações universitárias, certezas, por definição, só podem ser transitórias. Em 1982, a União criou seis novos Municipios no Território Federal de Roraima. Antes só existiam dois. Abre-se assim a possibilidade de desenvolvimento de meia dúzia de centros urbanos na mais longínqua fronteira de expansão do país. Recoloca-se o tema das cidades-novas, “novidade-velha” no cenário da moderna urbanização brasileira. Várias questões são pertinentes: mais uma vez vai se começar do zero, fingindo que não existe toda uma experiência acumulada? O que tem de ser revisto? As “cidades do futuro” devem ignorar as práticas correntes e as lógicas de uso do espaço consagradas historicamente? Vale a pena “correr o risco”, propor um desenho conformador, quando prestigiados modelos de abordagem urbana estão privilegiando os enfoques da economia política, fora dos quais tudo não passaria de epifenômenos desprezíveis?2 Modelos e tipologias físicas podem escapar às seduções do autoritarismo e conformar linguagens libertadoras? Como fazer para que se tornem instrumentos de uso e domínio amplo? E possivel, em lugar das habituais utopias onde uma perfeição congelada e neutra & perseguida através de um único e definitivo esforço, construir uma cidade no presente e com várias possibilidades de declinação em outros tempos? Aqui é apresentada uma tentativa de resolver tais questões, através de um roteiro básico, ao mesmo tempo conceitual e pragmático, cujo objetivo é orientar os planos específicos para cada uma das novas cidades em Roraima. O roteiro é também uma exposição de princípios. Está comprometido com a intenção de envolver a prática do urbanismo, a edificação da cidade e dos seus espaços habitáveis, com a construção, em outro nível, da identidade dos seus moradores. Uma das maiores invenções dos pioneiros gregos foi a articulação entre cidade, assembléia e esperança de liberdade. Política é, sem dúvida, a mais promissora filha de polis. Nas cidades e através das oportunidades de conscientização que passam a oferecer, reside a esperança desta inédita realização histórica: a existência de um cidadão brasileiro pleno, seguro quanto aos seus direitos e generoso quanto aos deveres em relação à sociedade da qual faz parte. Estamos vivendo um momento em que se discute muito sobre democracia. Todos tentam abrir as próprias áreas de domínio, transformá-las a partir de práticas democráticas. O problema da democracia, no fundo, é o dilema quanto à repartição de poder. 16 Nesse particular, os arquitetos costumam se fazer de vítimas, trata-se de profissão pouco valorizada, sem chances de levar à realidade suas teorias transformadoras do mundo. No século XX, no entanto, os arquitetos brasileiros, a partir de um punhado de idealizações pouco consistentes, fizeram uma grande conquista. Conforme será visto em um dos capítulos que se seguem, introduziram determinados parâmetros orientadores da forma das cidades que se impuseram como absolutos. A sociedade inteira passou a entender e, pior, a viver espaços urbanos através de tais fôrmas. Na verdade, a proeza não foi das mais democráticas. Resultou de articulações bastante explícitas com as mais altas expressões do poder político e econômico. Como compensação, sobrou um grande discurso sobre vocações sociais da profissão que, na maioria dos casos, não passa de retórica emascaradora da culpa ou da impotência. Mas, afinal, nas condições atuais, é ou não é possível propor um espaço urbano mais democrático? Nunca é muito fácil eritender a confusão brasileira, ainda mais quando se está mergulhado por inteiro dentro dela. E preciso ir por partes, começando pela tríplice determinação dos 70%. Desde o censo de 1980 já se sabe que o Brasil se tornou em definitivo um país urbano. Mais de dois terços dos nossos compatriotas vivem em cidades. Desses 70% outros 70% se espremem em não mais do que cinquenta supercidades, aglomerados ou grandes centros. Para completar, 70% da população urbanizada é muito pobre; a renda das famílias oscila entre um e quatro salários mínimos. O quadro se formou pouco a pouco até atingir a chocante conformação atual. Foram necessários quase cem anos para que as pinceladas cobrissem toda a superfície da tela. Pouca gente pára e pensa no enorme dispêndio de energia social necessário para fazer a maioria da população realizar tamanho salto histórico. No que foi preciso fazer para sair da vida rural, sem perspectivas, e entrar em cidades onde se tentava viver segundo os moldes da mais moderna cultura capitalista. Deixados à revelia, os pobres se viram mesmo muito ocupados com os problemas prementes que diziam respeito à sua sobrevivência e, por extensão, ao processo de urbanização. Tiveram de enfrentar como puderam a necessidade de inventar empregos, lugares de moradia, transporte, saneamento, opções de lazer. Não se saíram tão mal: mantiveram vivas áreas centrais, desprezadas por ocupantes anteriores; construíram, de qualquer maneira, favelas em sítios impossíveis e proibidos, iorarr: para periferias e para cidades-novas & frentes pioneiras. Agora, porém, já vieram quase todos. Se antes havia fantasias quanto ao nirvana urbano e ao encontro com o progresso, a dureza da vida já cuidou de dissipá-las. A cidade não oferece saídas escapistas; só resta enfrentá-la, pois não há mais outro lugar para ir. Nem tudo é negativo, porém. Os crescentes movimentos de moradores que surgem por todas as partes. com os pobres reivindicando seu quinhão de direitos à urbanização, estão carregados de esperança. E possivel que as energias, antes gastas em projetos imediatos e, obrigatoriamente, individualistas, comecem a se canalizar em demandas por um meio urbano que só pode melhorar através de ações coletivas, de interesse geral. Estão a a-prender a cidade e suas regras. Tentam se apropriar dos lugares, tornando-os apropriados a seus fins, fazendo-os próprios. Eis o repto para arquitetos e urbanistas. Para nós, servir à sociedade é atender às necessidades desses ensaios, ajudar a firmar tais tentativas. Isso com a condição de não perdermos nossas caracteristicas. Temos um método próprio de ação que, ao fim e ao cabo, consiste na passagem, por aproximações sucessivas, das hipóteses à realidade. Segundo os mais rigorosos critérios da teoria do conhecimento, aí está um método cientifico (Bourdieu e Passeron, 1973). Andamos com muito medo de usá-lo nos últimos vinte anos, escaldados com o abuso de projetos oniscientes e arrogantes. O erro, porém, não está em materializar o desejo de intervir no espaço através de estudos preliminares que viram anteprojetos e projetos, se corrigindo sucessivamente. Não é pela renúncia à responsabilidade de dar formas aos lugares, caindo nas neutralidades cômodas dos diagnósticos e dos planejamentos que só cuidam de generalidades, que iremos encontrar saídas. O que está faltando é a ida-e-vinda dos fundamentos conceituais, que gerem críticas alimentadoras de conceitos revisados, habilitadores, por sua vez, de novas práticas. Os arquitetos têm a vantagem de possuir uma linguagem própria, adequada à sua matéria-prima de trabalho, carregada de conotações metafóricas. Nosso desenho, sendo um pro-jectus, é algo que se lança antes, um tiro arriscado a partir das informações do que se sabe existente é do que se intui poder existir. O “chute” original, ousado e criativo, nos garante para além das razões práticas restritas, estas outras, também indispensáveis à vida e à dignidade humanas, tão bem sintetizadas pelo termo poética. E certo que nossos “projéteis” jamais atingirão os alvos em cheio. Não importa, o iundamentaí é que permitam reavaliações continuas teitas por nós e pelos outros, até que se chegue a um consenso sobre o que é mesmo o alvo e sobre a direção em que se pode supor que esteja. É mais do que oportuno, portanto, retomar e rever linguagens. O que vamos dizer a essa enorme massa de recém-urbanizados que se vê frente à chance histórica de reconhecer as cidades e seus lugares dentro dela? De que maneira vamos transmitir o quê? Eles já não sabem melhor do que ninguém transformar na vida possível os infernos e os purgatórios que têm de entrentar no cotidiano? Se a questão fosse só de experiência não haveria nenhum sentido para nossas proposições. Qualquer morador de cidade é um conhecedor profundo do que pode e não pode fazer Quando se trata então de classes e de grupos sociais estranhos à vivência normal do arquiteto, nossa ignorância e desvantagem ficam patentes. Não compartilhamos mais de rituais comuns, O que nos permite vê-los como “outros” absolutos e, por consequência, distorcidos.” A experiência pessoal, porém, é limitada. Ainda mais quando sujeita a contingências que não deixam tempo para a reflexão. Conosco é o oposto, Na sociedade do saber profissional estanque e compartiméntado, temos o “lazer, suficiente para sermos especialistas em espaço. E nosso dever pensar nisso com prioridade, prever problemas hipotéticos, resolvê-los na imaginação, representar o mundo para além de sua conformação imediata. Praticamos ou podemos praticar inferências e ilações, com a preciosa ajuda de nossos desenhos e de nosso método (dialético...) de projetar. Em resumo: recorremos a e sabemos (ou deveríamos saber...) lidar com a sapiência. De novo, é adequado lembrar que a ciência só existe a partir da interação experimentar x saber. Trata-se, portanto, de encontrar os meios para fazer com que conhecimento popular e erudito se encontrem e dialoguem. No caso das cidades de Roraima vale a pena tentar. São centros que estão começando e que já possuem núcleos de habitantes instalados. Muitos dos moradores não trarão a memória de uma vida urbana prévia. Outros estarão desejosos de superá-la O didatismo de que se reveste a proposta só será eficaz se funcionar nos dois sentidos. Políticos, moradores, empresários e eventuais técnicos que venham a viver e exercer atividades nesses lugares terão de refletir sobre as sugestões que lhes estão sendo feitas e, se possível, incorporá-las ao seu cotidiano. A medida, porém, que executem a cidade, estarão fornecendo material para checar as idéias básicas e talvez reformulá-las. 1 O espaço e os jogos (do Poder) Trecho da entrevista feita pelo antropólogo Paul Rabinow com o filósofo Michel Foucault: “P.R. - Você entende que algum projeto arquitetônico em particular - seja no passado, seja no presente - possa ser visto como força de liberação ou resistência? M.F. - Eu não acho que é possível afirmar que uma coisa pertence à ordem de liberação e outra à ordem de opressão. (...) Por outro lado, não acho que haja alguma coisa que seja funcionalmente por sua natureza intrínseca ou própria - absolutamente liberalizante. Liberdade é uma prática. Portanto, poderá sempre existir um determinado número de projetos cujos objetivos sejam a modificação de certa restrição, seu relaxamento ou mesmo sua eliminação, mas nenhum desses projetos pode, simplesmente por sua natureza própria, assegurar que as pessoas terão a liberdade automaticamente, Isso não será estabelecido pelo projeto em si mesmo. A liberdade do homem jamais é assegurada pelas instituições é leis que são feitas para garanti-la. Isso explica por que todas essas leis e instituições são permeáveis a uma transformação. Não porque são ambíguas, mas simplesmente porque a liberdade precisa ser praticada.” (Revista Skyline, março, 1982) 21 Jeremy Bentham não era arquiteto. Ele se definia a si mesmo como um filósofo voltado para o atendimento das necessidades do mundo. Cuidava de estabelecer princípios morais para produção, privilegiando ordens favoráveis ao novo status quo (Polanyi, 1980). Esse inventor inglês cria, em 1787, o modelo de um edifício-sintese, protótipo de todas as propostas da arquitetura e urbanismo que, ao longo dos séculos XIX e XX, consubstanciarão a modernidade (Bentham, 1977). O edifício de Bentham se chama Panóptico ou Torre Panóptica. Como o nome revela, trata-se de um lugar que permite tudo ver. O autor o define como um edifício-máquina, que produz disciplina (Bentham, 1977). Para Foucault (1977 a: cap.3), essa construção não é a essência do poder e não pode ser tomada como tal: é apenas seu diagrama, reproduzido através de uma forma ideal. O Panóptico é uma torre circular oca, com um pátio central, rodeado por pequenas celas. Todas estão voltadas para O centro do círculo e daí podem ser vistas. Ainda que façam parte do mesmo conjunto, não se comunicam entre si, separadas por paredes estanques. Na parte que dá para o exterior, cada cela apresenta uma vasta janela, permitindo entrar luz abundante. O lado oposto é gradeado, deixando quem está dentro continuamente visível para quem se situe no meio, Dentro da torre há outra torre, localizada no eixo da composição cilíndrica. Nesse recinto menor ficam os vigilantes, observando através de seteiras. O esquema é tal que nunca os confinados sabem se estão sendo vistos ou não. Resultado: na incerteza, se vigiam a si mesmos. À idéia diabólica não pára aí. A transparência geral serve para revelar também a eficiência dos guardas. Qualquer estranho que entre no Panóptico saberá de imediato se está tudo como deve e poderá avaliar, no mesmo instante, se os responsáveis cumprem bem suas funções. Disso resulta que qualquer um, mesmo não sendo especialista, pode estar lá no meio. O mecanismo funciona até quando não haja ninguém (Foucault, 1977 a: cap.3 e 1977 b:23 e 24). Bentham propunha sua torre como ideal para prisões. Admite, porém, que funcionaria da mesma forma para escolas, hospícios, ambientes de trabalho. Permite-se até a gracinha de sugerir que seria ideal para haréns (Wright e Rabinow, 1982:3). O estudo dos programas oficiais ao longo do século XIX demonstra o alcance do modelo. Quartéis, hospitais, centros de educação e reabilitação, construções religiosas, até jardins zoológicos irão se inspirar no Panóptico. Instados pelos interesses dos detentores do poder, os arquitetos acabarão por 23 desenhar fábricas panópticas, bem de acordo com as idéias de Taylor, adepto da vigilância continua como garantia de produtividade. Também irão projetar e realizar soluções habitacionais para operários - falanstérios e familistérios -, onde todos devem ver o que fazem todos como recurso de re-socialização didática. Finalmente, a idéia se estende ao conjunto do espaço urbano no final do século XX, quando surgem as cidades contidas do culturalismo, ou os esquemas m “árvores” transparentes do racionalismo (Choay, 1965, e Alexander, 1979). A ilusão de que é possivel construir a máquina disciplinadora, pesadelo que fascina os governos de tendências totalitárias, encontra sua reversão no sonho da descoberta da máquina libertária sem limites. Mais uma vez adverte Foucault (1982:8): “a garantia é a liberdade”. A arquitetura pode talvez ajudar a resolver problemas sociais, mas só sob a condição de que as intenções libertadoras do arquiteto coincidam com a prática (e o desejo...) real das pessoas em exercitar sua liberdade. A separação entre o exercício das relações sociais, a liberdade individual e o contexto espacial que pode suportá-las é um artifício arbitrário. Nenhum desses elementos é perceptível sem referência aos outros dois. A construção da máquina da liberdade é o motor que impulsiona a busca de utopia. Mas quando se faz a tentativa Et Ee a ER PAM É va rr BODADAR HE AARRARRAAR CESTO E E au - nr nonA ip. =. =| r ca extrema de materializar o melhor lugar/nenhum lugar” (eu/topos, ut/topos), o resultado é frustrante. Congela-se apenas um conceito peculiar de ordem e de felicidade que, por definição, terá de corresponder às aspirações e identificações do poder eventualmente hegemônico. E claro que a liberdade tem relações com o espaço, mas, antes de tudo, seu exercício exige convergência de intenções e não apenas boas intenções. Foucault (1982:9) considera o familistério de Guise como uma proposta ambígua; poderia produzir uma grande liberação entre pessoas, possibilitando-lhes uma nova moral, ou poderia ser usado para impor formas de disciplina e pressão quase insuportáveis sobre um grupo de indivíduos. Se o espaço é indispensável ao exercício do mando, é bom lembrar que é também suporte necessário e suficiente para que surjam disputas pelo poder. Não existe atividade humana, histórica ou mítica, que dispense refe referência a um lugar real ou imaginário que lhe sirva de cenário. Nas cidades, o tempo vira uma espécie de espaço, mas cada espaço fala de muitos tempos para leitores distintos. O acionamento das claves de leitura pode fazer das eventuais “desordens”, instrumentos de anti-hegemonia, questionadores da ordem estabelecida. Há poderes discursivos que desafiam e desequilibram o discurso do poder oficial urbano (Lefort, 1978, e Santos, 1983).