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Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Não perca as partes importantes!
João Ubaldo Ribeiro
Escrito no feminino, o que o autor justifica com a curiosa história de ter recebido um pacote com a transcrição datilografada de várias fitas, gravadas por uma misteriosa mulher, A Casa dos Budas Ditosos é a narração, na primeira pessoa, de uma libertina que narra a história da sua vida inteiramente dedicada ao sexo, ditando-a para um gravador. Ao longo do romance, a narradora pratica todas as modalidades de sexo, sem manifestar o menor arrependimento, experimentando alegremente incesto, sexo com menores, em grupo, troca de casais, homossexualidade e até sexo informático. Considerado pela revista Veja como ostensivamente pornográfico, A Casa dos Budas Ditosos é uma narrativa pouco comum, às vezes chocante, às vezes irônica e sempre provocadora, envolvendo um dos pecados mais indomáveis e capitais: a luxúria.
João Ubaldo Ribeiro nascido em 1941 na Ilha de Itaparica, é um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos. Licenciado em Direito, fez o mestrado em Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, e exerceu a profissão de jornalista. Viveu dois anos em Lisboa, regressando à sua ilha natal em 1983, onde reside. é presentemente membro da Academia Brasileira de Letras. De entre as suas obras destacamos: A Semana da Pátria, Sargento Gertúlio, Vencecavalo e o Outro Povo, Vila Real, O Sorriso do Lagarto, Viva o Povo Brasileiro (Prêmio Jabuti e Prêmio Golfinho de Ouro em 1985) e O Feitiço da Ilha do Pavão, estes últimos publicados nesta mesma coleção, aos quais brevemente se virá acrescentar outra obra do Autor: Livro de Histórias.
Para as mulheres
Tudo no mundo é secreto
No final do ano passado, depois que alguns jornais noticiaram que a editora responsável por esta publicação me havia encomendado um texto sobre o pecado da luxúria, os originais deste livro e o recorte da nota de um dos jornais em questão foram entregues por um desconhecido ao porteiro do edifício onde trabalho, acompanhados de um bilhete assinado pelas iniciais CLB. Informava que se trata de um relato verídico, no qual apenas a maior parte dos nomes das pessoas citadas foi mudada, e que sua autora é uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro. Autorizava que os publicasse como obra minha, embora preferisse que eu lhes revelasse a verdadeira origem. "Nãopor vaidade", escreveu ela, "pois até as iniciais abaixo podem ser falsas. Mas porque é irresistível deixar as pessoas sem saber no que acreditar". Assim foi feito, e com justa razão, como o leitor haverá de constatar, após o exame deste depoimento espantoso. Embora não tenha tido dificuldades extremas para a edição do texto, é meu dever prazeroso agradecer a Andréia Drummond pela paciência e afinco na decifração de muitas emendas manuscritas, a Maria de Lourdes Protásio Benjamin pela mesma razão e a Geraldo Carneiro, por sua valiosa ajuda no esclarecimento de algumas passagens, em que a revisão dos originais parece não ter atentado a problemas certamente ocorridos na transposição das fitas gravadas para o papel. Essa ajuda também foi fundamental para a divisão do texto em seções e parágrafos, bem como para a inserção de raros trechos em discurso direto e diversos acertos de pontuação, com o que creio que somente facilitamos a leitura, sem alterar o sentido de forma significativa. Mantivemos também inúmeros "erro de português", com o fito de preservar, tanto quanto possível, a oralidade dos originais.
Pela transcrição
João Ubaldo Ribeiro
Rio de Janeiro, maio de 1998.
─ Essa noite eu tive um sonho. Grande bobagem, nada disso. Não era assim que eu queria começar, não é assim. Essa noite eu tive um
de não dizer o que me vem à cabeça e olhe que nunca fui muito de agir assim, mas o pequeno grau em que fui já é demais para mim. Ainda me restam alguns penduricalhos desse legado imbecilóide, de que tenho de me livrar antes de morrer. A doença, esta doença que vai me matar, também contribui para meu atual estado de espírito. Não sei quem foi que disse que a perspectiva de ser enforcado amanhã de manhã opera maravilhas para a concentração. Excelente constatação. Nada de pessoal com ninguém, não falo para ofender ninguém em particular, é como se fosse uma atitude filosófica genérica. Meu avô materno era aristocrata, elegantíssimo, falava francês e alemão fluentemente, esteve várias vezes na Europa, era cultíssimo, mas, depois que passou de uma certa idade, peidava em público. Assisti a ele peidar na frente do interventor, na época do Estado Novo. O interventor tinha ido almoçar com ele e, depois do almoço, ficaram conversando na sala de estar, com meu avô volta e meia levantando os quartos e soltando vento aos trovões. Quando minha avó reclamava, ele dizia que o que está preso quer ser solto e todo mundo peidava, inclusive o interventor, então não era ele que, àquela altura da vida, ia arrolhar um peido. Quem quisesse que arrolhasse, mas ele não. ─ Mas, sim, mas então eu estava dizendo que os católicos são politeístas, botaram os santos no lugar dos deuses especializados. Os gregos e os romanos tinham um deus menor para cada coisa, regras atrasadas, artistas falidos, transações impossíveis, dívidas falimentares, casamentos, músicos, bêbedos, agricultores, criadores de cabra, tudo, tudo, tudo. Os católicos substituíram os deuses pelos santos. Os músicos? Santa Cecília. Os ruins da vista? Santa Luzia. As solteironas? Santo Antônio. E por aí vai, como você sabe. Até lugares. São José de Não Sei Onde? Diana de Éfeso, a mesmíssima coisa. Os deuses não foram derrotados ou eliminados, continuam imortais com sempre foram e somente mudaram de nome, se adaptaram às mudanças. Eu pronuncio verdadeiras conferências sobre isso, sou a rainha da conferência, às vezes devo ficar chatíssima. Mas pode permanecer tranqüilo, que eu não vou fazer conferência para você, afinal você está sendo pago, temos que trabalhar vamos trabalhar. Somente uma última referenciazinha a São Gonçalo, porque agora já comecei e sou compulsiva; comecei tem que acabar. São Gonçalo não existe. Ou melhor, existe mas nunca existiu. Para a Igreja, não há nenhum São Gonçalo, nunca houve. Mas se declarou, na minha opinião por falta de Príapo, uma grande lacuna, que clamava por ser preenchida. Não existe São Gonçalo, mas já vi procissão dele com padre e tudo, e as mulheres cantando obscenidades baixinho, é um santo deflorador e consolador para as solitárias. No arraial junto à fazenda da ilha, segundo até meu avô contava, havia uma imagem de São Gonçalo com um falo de madeira descomunal, maior que o próprio corpo dele. O corpo era de barro, mas o falo era de madeira de
lei e fixado pela base num eixo, de maneira que, quando se puxava uma cordinha por trás, ele subia e ficava ali em riste. Eu nunca vi, mas as negras velhas da fazenda garantiam que antigamente, todo ano, faziam uma procissão com essa imagem de São Gonçalo e as mulheres disputavam quem ia repintar o falo, era sucesso garantido no mundo das artes, para não falar que a felizarda ficaria muito bem assistida nos seguintes 364 dias. Claro! É simples, é porque eu queria botar um título, mas é claro! Eu sou como dizem que Buñuel era: meu método de exposição é a digressão. Eu sei que estou muito longe de estar senil. Evidente que eu delirei um pouco, mas eu sempre delirei, e São Gonçalo me fascina, eu tinha razão em lembrar o sonho. Claro, é por causa do título. Tire isso da gravação. Aliás, não, depois você tira tudo da gravação, a gravação inicial só começa quando eu disser. Não tire nada agora. Deixa que eu tiro, quando você passar tudo para o papel. É melhor, vamos deixar fluir, depois eu faço a triagem, boto ordem etc. Calma, calma. Não sei nem por que este... Como é o nome disto, disto que nós estamos produzindo? Vamos dizer, um depoimento socio-histórico- lítero-pornô, ha-ha. Ou sociohistoricoliteropornô, tudo grudado, deve ficar lindo em alemão. Sim, não. Sim, não sei nem por que este depoimento tem que ter título, mas por que não? Esses dois Budas... Depois eu falo sobre esses dois Budas, agora não é o caso. Me lembre, é uma história muito interessante. Mas no momento eles me interessam por causa do título. Eu acho bonitinho, com um som meio aliterante ─ a ca-sa-dos-Budas-ditosos ─, acho simpático. Este depoimento hereby se chama "A casa dos Budas ditosos". É bom, até porque não quer dizer nada, como todo bom título de qualidade literária. O sujeito vai ler e pergunta por que esses Budas, é capaz das explicações mais desvairadas. Quanta gente vai ler este depoimento, como será que ele vai ficar, será que alguém vai ler? Vai, sim, armei um esquema mais sofisticado do que os dos filmes de espionagem. Você faz parte, mas não vou lhe contar como, não tem importância. Você transcreve as fitas aqui, deixa as fitas aqui, tudo o que vai restar é a sua palavra. Que pode vir a ser útil, nunca se sabe. Conte a história, minta bastante se quiser, diga que é tudo verdade, e é mesmo. No começo, achei que ia escrever só para mim e deixar para algum morador de Fulânia, Sicrânia ou Beltrânia, com grande escândalo e engasgos pudicos, tentar explicar tudo de acordo com seus padrões empedrados ─ ô espécie esculhambada que nós somos, que tempo nós perdemos, quando há tanta coisa a descobrir! Fulânia, Beltrânia e Sicrânia eram os países fundados por uma grande amiga minha, Norma Lúcia ─ depois vou falar mais nela, é imprescindível ─, todos habitados por velhacos como o velho Pedrão, professor de Direito Romano, depois eu falo nele, que moravam em outros países, moravam em outros mundos. Fulânia, Beltrânia e Sicrânia, bons
não, muito pernóstico, qualquer semelhança não é coincidência, nenhuma semelhança é coincidência. Nomes trocados para proteger culpados. Quem puser a carapuça pode ter certeza de que está bem posta. Não, não, estou achando isto um pouco metido a engraçado. Vou reditar tudo, quero um prefácio decente. Vamos anotar uns tópicos, depois eu desenvolvo. Um, tópico um. Ser mulher, ser coroa? Não. Não, não, não! Depois eu arremato este prefácio, ou não faço prefácio. Meu avô ─ o outro avô, o alemão, um prussiano insuportável, nazista de nascença como todo alemão, embora tenha morrido se proclamando antinazista, como também todo alemão ─ dizia que tudo o que precisava de prefácio, inclusive emprego e mulher, nesta ordem de precedência, não valia nada. Principalmente mulher, acho eu, porque a livro ele não dava muita importância, a não ser para esculhambar e querer queimar todos. Ele só não gostava de Hitler porque Hitler era bávaro e malnascido, não por causa do nazismo. Dava churrascos, ficava bêbedo e queimava livros Comprava muito, para depois queimá-lo nos braseiros do churrasco, um livro de Eduardo Prado, muito famoso na época. E fazia discursos, afirmando que os brasileiros eram estúpidos, os únicos inteligentes eram os antropófagos, não sei bem o que ele queria dizer com isso. Minha mãe contava que Eduardo Prado era lindíssimo, de cabelos revoltos e farfalhantes, ao vento do viaduto do Chá. Uma senhora o viu uma vez, contava minha mãe, não se conteve e exclamou: "Mas que homem bonito!". E ele respondeu: "É do ar do prado, minha senhora." Ha-ha. Meu pai tinha um terror patológico de ser corno, e minha mãe sabia disso e então, muito sacanamente, genialmente sacanamente, minha mãe era uma enciclopédia do sacanismo, fazia ares sutilmente ambíguos e então falava em Eduardo Prado, falava em Douglas Fairbanks, Rodolfo Valentino, Ramón Navarro, imitava Mae West, recitava Byron e Castro Alves com caras e vozes de orgasmo, chamava Castro Alves de Cecéu como se houvesse ido para a cama com ele no dia anterior, era um martírio a que o velho tinha de se submeter calado, por uma questão de coerência entre o que professava e o que realmente sentia, ele era muito liberal de boca, coitado de meu velho, morreu moço, mais moço do que eu hoje, 66 anos. Pronto, não faço prefácio. Depois eu vejo, decisions, decisions. De qualquer maneira, fica aí o registro. Depoimento oral, tatatá, tatatá, já falei isso, porque é mais fácil dizer palavrão do que escrever palavrão, há exigência de passaporte para as palavras passarem do falado ao escrito, algumas não conseguem nunca, a humanidade é muito estranha. Que mais? Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queriam mudar history
para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. Não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, questão de língua, exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental. Bem, ambições inúteis, vamos ao trabalho. Que mais? Nada, estou em grande dúvida quanto a este prefácio. Rever necessidade de prefácio. Odeio dizer isto, mas a verdade é que estou um pouco nervosa. Minha família sempre desprezou qualquer forma frescura, fui criada assim. Minha família não vale nada, mas é ótima, principalmente os mais antigos. Temos ancestrais fantásticos. Tudo bandido, e eles se escondem por trás daquelas baixelas e daqueles pratos de antes da Primeira Guerra e daquelas maneiras de lordes das índias Ocidentais. Meu avô era, como eu já disse, era prussiano, prussiano de Brandemburgo, abominava todo mundo, com exceção de Frederico II. A idéia dele de um grande programa na Europa era passar quatro dias em Potsdam, babando dentro da Orangerie e sonhando em empalar poloneses. Grande família. A mulher dele era católica da Vestfália, só tomava banho sábado e nunca ria, a não ser gargalhadas histéricas que duravam horas, geralmente aos domingos, depois da missa e antes dos repolhos hediondos. Tremenda família. Só conheço meus bisas pelos retratos ovais, espalhados por aí. Os dos museuzinhos, não levo em conta, só lembro que meu bisa João me assombrava com uns olhos horripilantemente biliosos, num retrato cercado de louros, na sala grande da casa da fazenda de Lençóis. João teve imensos escravos, e um antigo jornalista baiano, desses que a gente finge que lembra e é nome de rua em Brotas, publicou seis números da destemida gazeta independente e republicana "14 de agosto", esse jornalista, como é mesmo o nome dele, escreveu ─ hoje ninguém acredita, a humanidade é burríssima mesmo ─ que meu bisa tinha descoberto a cura da gagueira. O canalha falsificou documentos e a própria alma ─ você acredita que o pulha era mulato? pardo, como se dizia mais nessa época ─ e inventou uma porção de coisas sobre não sei quantos escravos, pelo menos duas dúzias, em cujas bocas meu bisa mandou enfiar ovos quentes, ele adorava enfiar um ovo quente na boca de
acho que é meio inevitável na minha geração, não sei. Então, na falta de melhor observação, eu tenho certeza de que me encaixo nessa situação de fixada na fase oral, passei anos sem entender nada, e essa noção quebra meu galho. Porque sempre achei gostoso ingerir, a não ser por via venosa, e venho continuando vida afora, apesar de hoje em dia estar um pouco blasée. Então eu ficava cheirando aqueles livros e tendo arrepios. Ainda cheiro, mas só livros velhos e, como disse, estou um pouco blasée. Deve ser coisa da idade, certamente é a idade, embora, é claro, eu não me considere velha. Mas já vivi quase sete décadas, alguma coisa sucede nesse tempo. Confusão, estou fabricando uma tremenda mixórdia. Será que estou fazendo psicanálise? Pavor, ouvido de aluguel, pavor. Bem, de certa forma, você e esse gravador são ouvidos de aluguel. Sei lá. É, deve ser coisa da idade, eu abomino a expressão "terceira idade", hipocrisia de americano, entre as muitas que já importamos, americano é o rei do eufemismo hipócrita. Não suporto velho, velho mesmo, metido a alegre, velhice é uma desgraça, não traz nada que preste. Cortar isso tudo acima, eu mesma acho que não entendi nada do que acabei de falar. A gente fica a mesma e não fica a mesma. Ih, chega, preciso botar alguma ordem nisto e até os delírios precisam ser pelo menos um pouco organizados sob algum critério, é preciso dar método à loucura, mais ou menos como Polônio falou da piração de Hamlet. Thy son is mad, but there is method in his madness, não foi isso que ele disse, mais ou menos? Eu gosto de Shakespeare, leio desde menina, mesmo no tempo em que não compreendia patavina. Aliás, será que compreendo hoje? Ninguém compreende nada, seja da vida, seja de Shakespeare, que morreu mais de dez anos mais moço do que eu, sem saber que era Shakespeare, Voltaire desancou Shakespeare, todo mundo desancou Shakespeare, a vida... Ih, chega! A vinda dele, o nosso encontro, isso era o que eu ia contar, para finalmente começar o depoimento. Sem frescura, basta de frescura. A vinda dele eu posso dizer sem nenhum constrangimento, foi meio violenta, ou bastante violenta, se você quiser. Ele brincava comigo e meu irmão Otávio, a gente gostava dele, minha avó de vez em quando deixava que ele almoçasse com a gente, mas ele era somente um dos negrinhos da fazenda, naquele bando de escravos que meu avô tinha. Não eram escravos oficialmente, mas de fato eram escravos, e a maior parte vivia satisfeita, fazendo filhos e enrolando meu avô. Figura interessante, meu avô peidão, pena que eu não tenha tido a oportunidade, física e psicológica, de conviver mais com ele, não havia como, embora ele gostasse de mim e eu dele. Acho que ele sabia que era enrolado o tempo todo. Acho que não, ele sabia, mas claro que não ligava, ele era uma postura pragmático-egocêntrica ambulante, não pode mais existir gente como ele, naturalmente.
Aí eu, sem quê nem para quê, muito de repente, cheguei para esse negrinho, no pátio da quebra de coco de dendê, e disse: "Hoje de tarde esteja na casa-grande velha, na hora em que minha avó estiver dormindo. Sozinho e não diga a ninguém." Ele estranhou e disse que não podia porque ia ter de catar ouricuri com a mãe e ficou revirando os olhos para cima e levantando os pés como se marchando sem sair do lugar e esfregando as orelhas com uma careta, como se quisesse removê-las da cabeça. "Mentira", disse eu, "mentira sua, hoje é domingo. Você vai, ou eu conto a meu avô que você tomou ousadia comigo e ele manda lhe capar, como mandou capar finado Roque, seu tio, você sabe que meu avô mandou capar ele, porque ele se ousou com uma rapariga dele." E ainda dei um tapa forte, estalado mesmo, na cara dele. Ele estremeceu e, se preto pode ficar lívido, ficou lívido. Aliás, preto fica lívido, engraçado, você nota os lábios pálidos. Mas não disse nada, e eu ainda fiz menção de dar outro tapa e só não dei porque não tinha planejado nada daquilo e estava meio sem entender a situação e também me deu uma espécie de gana de continuar batendo e ao mesmo tempo uma sensação desagradável, como se tivesse medo de alguma coisa, não sei bem descrever esse momento. Em todo caso, depois de marchar parado e esfregar as orelhas novamente, ele respondeu que ia, e eu senti uma cócega funda me subindo das coxas para a barriga. Senti muitas outras vezes essa cócega, até hoje sinto, mas nunca como nesse dia. Quando ele chegou, parou bem embaixo da arcada do salão, com aquele calção de saco de aniagem sem nada por baixo, vi logo que era uma ereção impetuosa, uma força irresistível forçando o pano quase no meio da coxa esquerda, e ele cruzou as mãos por cima, numa posição que agora eu talvez possa considerar engraçada, mas na hora não me pareceu. Senti a cócega na barriga outra vez, mas ao mesmo tempo não gostei. Não sei direito por que não gostei, mas na hora achei que foi porque fiquei pensando em como era que aquele negrinho, aquele projeto de negrão, aliás, sabia que tinha sido chamado para sacanagem. E se eu quisesse somente pegar passarinhos, mostrar a ele os livros e lhe ensinar algumas letras do alfabeto? Só me lembro disso, embora tenha certeza de que muito mais se passou atropeladamente por minha cabeça, e meu fôlego ficou acelerado. Então veio o estupro, um inegável estupro. Domingo, e o nome dele era Domingos. Rodei os olhos por aquelas paredes, apareceu na minha cabeça padre Vitorino na aula de catecismo, dizendo que domingo queria dizer o dia do Senhor, dominus vobiscum et cum spiritum tuum introibo ad altare Dei ite missa est, aqueles latins do outro mundo e pareceu que um redemoinho me pegou, meus olhos só viam em frente, meus ouvidos zumbiam, e eu falei, levantando a saia e baixando a calçola:
que nasci sabendo, de certa forma. De certa forma não, eu nasci sabendo. Só pode ser, não me pergunte como. Eu nasci sabendo. Arrepios. Depois disso, praticamente nunca mais nos falamos, você acredita? Nunca mais nos falamos, mas continuamos a fazer as mesmas coisas e outras durante essas férias todas, uma relação meio animalesca, que aproveitava as oportunidades, sem que fosse necessário dizer nada. Era bom, era um dos muitos padrões que terminei aprendendo e que tem seu lugar, tem muito seu lugar, estou com preguiça de explicar por que e, além disso, quem tem sensibilidade aberta e aguçada nesse terreno sabe o que eu quero dizer, e explicar a quem não tem adianta pouco ou quase nada. Só fazíamos isso, e depois ele ia embora e, se acontecia passarmos um pelo outro em lugares em que havia gente, era como se não nos víssemos. Não nos falamos mais e, quando eu voltei, anos e anos depois e, quando eu voltava eventualmente depois de bastante adulta, nós saíamos para pescar na canoa dele e trepávamos nus no meio do mar. Isso só terminou mesmo depois que eu entrei em outra órbita e nunca mais apareci. Sempre partíamos para nos agarrar automaticamente, quase todas as vezes em que ficávamos sozinhos, a não ser nas raras ocasiões em que eu não estava a fim, e ele, por alguma via telepática, sacava. Além disso, a iniciativa era sempre minha, ele ficava esperando. Ainda nesse tempo de semi-adolescente e adolescente, eu ia com minha avó ao Outeirão e era a mesma coisa, aperfeiçoada a cada encontro. Ele se viciou em me chupar e eu em chupar ele e me dava muito prazer nós dois atrás das portas, fazendo as coisas de maneira insubstituivelmente perigosa. Com o tempo, ainda nessas férias em que começamos, ele passou a botar nas minhas coxas, e a gente aprendeu a sincronizar o gozo, e eu fazia questão de que ele recuasse um pouco os quadris para gozar nas minhas coxas. Fiquei uma especialista nessa prática, até hoje acho que é muito bom em certas circunstâncias que não sei enumerar, mas sinto quando elas se apresentam. O homem não pode gozar fora, não pode cometer o pecado de Onan, que, como você sabe, não foi se masturbar, mas ejacular no chão, em vez de emprenhar devidamente sua cunhada viúva, se não me engano era a cunhada viúva, ou uma outra parenta em situação semelhante. Está no Velho Testamento, onde, aliás, como eu já disse, estão muitas outras coisas habitualmente denunciadas como reprováveis, que os padres e pastores fingem que não vêem. Os padres, em suas bíblias, disfarçam as referências de Salomão com notas de pé de página, distorções de sentido e trocas de palavras. É possível que eu tenha alguma fixação mórbida nisso, agora talvez esteja notando indícios; curioso, nunca tinha me dado conta. O fato é que amantes, concubinas e por aí vai são bastante encontradiças no Velho Testamento, todo mundo sabe disso e continua com as
pregações santimoniais a que até hoje não me acostumei. É capaz dessa história de onanismo querendo dizer masturbação haver sido inventada por eles, para não terem que admitir as relações hoje espúrias, que a tradição relatada mostra. Uma vez li um conto de Isaac Bashevis Singer em que ele se referia ao pecado de Onan de maneira correta e afirmava que, quando o homem ejacula no chão, um diabinho é gerado. Pode ser, pode ser, o fato é que não está certo. Na hora de gozar, tem que recuar os quadris e não privar a moça dessa irrigação tão rica em significados e símbolos, tão misteriosa, afinal. Aconselhei várias outras meninas sobre isso e sempre disse a elas: o homem que não goza nelas não merece confiança. Ou então é um inepto, que precisa ser treinado. Eu nunca deixei de gostar, sempre adorei, até porque é geralmente em pé, ligeiro e escondido, é muito bom, por trás ou pela frente, evoca bons tempos, é meio peralta e muitas outras coisas, dependendo de cada uma e do momento. Enfim, é uma opção entre muitas, que não deve ser desprezada. Era o que se fazia no meu tempo, chega a ser difícil reconstituir como era complicado no meu tempo. Alguém devia fazer a sociologia disso. Eu sou do tempo do automóvel, da garçonnière e da demi- vierge, ninguém hoje sabe mais o que é isso, e eu tenho até uma certa saudade, acho motel sem graça, sem nenhum condimento, mesmo os metidos a criar ambientes românticos ou eróticos. Nesse ponto, sou obrigada a reconhecer meu reacionarismo, embora não radical, é claro. E a hipocrisia da época era mais agressiva, dava muito gosto a quem desafiava seus mandamentos, acabava resultando num grande prazer, a transgressão era mais satisfatória, melhor para o ego. Vários namorados meus, inclusive meus dois noivos, eu já mulher completa desde priscas eras, achavam que eu era virgem eras, achavam que eu era virgem e diziam abertamente que não tinham preconceito, mas só casariam com virgens. No segundo noivado, que chegou perto do casamento e graças a Deus só chegou perto, com aquela bicha enrustida e meio impotente, eu já estava até pronta, veja que coisa ridícula, outrageous but true, já estava pronta para fazer uma recuperação de minha condição virginal, restaurar o hímen. Muita gente restaurou, sei de vários casos. Fico pasma quando penso nisso, mas é verdade, eu já tinha o nome de dois médicos aqui no Rio, já tinha planejado tudo. O passado me condena, me dá vergonha quando falo nisso. Mas era o tempo, tem que se dar um desconto, de longe as coisas parecem fáceis; na verdade, eram uma barra. Intervalo. Vamos tomar mais um uísque? Eu não devia beber, mas às favas com isso, vou morrer de qualquer jeito. Intervalo para uisquinho, se não for por nada, pelo menos porque in vino veritas. Mas, enfim, de modo geral era um barato brincar com a hipocrisia e driblá-la criativamente. Essa amiga de quem eu já falei, Norma Lúcia, que nunca mais vi porque casou com um milionário sul-
Norma Lúcia era uma gênia. Ela e eu subíamos juntas a rua Chile, com semblantes de moças mais ou menos recatadas e absolutamente família, olhando as vitrines e tendo altos papos de sacanagem. Altos papos mesmo, porque eu sempre tive minhas tinturas, e ela era meio intelectual, escrevia em suplementos literários e se esfregava com pintores por causa de quadros, chegou até a conseguir que um namorado comesse um pintor veado em troca de quadros, ela era danada. Esse negócio de primeira vez mesmo, ela batizou em latim. Principium primae não sei o quê, qualquer coisa assim, somente para poder encetar papos de sacanagem com Almeida Júnior, um professor de filosofia da faculdade, e tirar uns sarros com ele, sarros pesados, mas só sarros, porque ele tinha medo de meter nela, havia muito homem assim, pelo menos na Bahia. Aquela rua Chile de antigamente, aqueles homens nas portas das lojas, todos de branco e apalpando ou pinicando os bagos, alguns passando a mão para cima e para baixo, acho que era um tipo de moda, não sei por que faziam isso, sempre me pareceram um bando de hipopótamos no cio. A gente, as hipopótamas, sou obrigada a reconhecer, a gente rebolava bastante quando passava por eles, e Norma Lúcia gostava de ouvir piadas grossas, como "eu lhe dou um banho-de-gato, putinha", ou então "bonito cu" e outras que tais, parece que ela atraía isso, algum deles dizia esse tipo de coisa a ela toda vez que ela passava, ela fingindo que não ouvia, mas adorando. Eu digo que tenho saudade e não deixa de ser verdade, mas é como se eu pudesse separar as coisas boas das ruins, impossível. Era um tempo difícil mesmo, tínhamos que ser artistas em diversos campos. Um dia apareceram umas mulheres de calça comprida ─ isso eu já com uns trinta anos ou mais! ─ nessa dita rua Chile, e houve um tumulto, da mesma forma que tiveram de chamar a polícia para tirar da praia umas francesas que foram tomar banho de mar de maiô de duas peças. Já havia uma multidão de homens na balaustrada, e por pouco as francesas não foram passadas pelo fio da espada ali mesmo. Como eu já disse, barra pesada, pesada mesmo. É, saudade é besteira, há sempre muita idealização nisso. Eu na realidade não tenho saudade de nada, a não ser do auge da juventude madura, mas eu queria ser jovem trazendo na cabeça tudo o que aprendi até hoje, aí não podia, eu ia ser ditadora do mundo. Está certo, duas plásticas na cara e uma nos peitos, mas e as pernas, onde eu não fiz nada, só uma massagem ou outra? Iguais às da Marlene Dietrich, parece até que ela era minha prima pelo lado alemão da família, e eu partilho com ela a bênção de ficar com estas pernas até morrer, até porque minha morte... Não, mais tarde eu falo nisso, não quero baixar o astral lembrando que minha morte vem aí a qualquer hora, esta doença... É isso mesmo, quem sabe eu não estou me habituando à idéia? Mais tarde eu falo nisso, falo nisso abertamente, quanto mais aqui. Mais tarde. Pois é, hoje eu sou uma
das melhores de quase setenta no Brasil, uma das melhores do mundo, eu sei o que estou dizendo. Imagine como eu era entre os trinta e os quarenta e poucos, na minha opinião a melhor idade para qualquer mulher, com a exceção da que se casa para engordar, realçar a celulite, usar meias contra varizes, assistir a novelas, entrar em concursos de televisão, limpar o catarro dos filhos e o próprio e encher o saco do adúltero de meia tigela que a sustenta. Eu era ótima, mas ótima mesmo, não dessas ótimas de segundo time esforçado que você vê por aí, mas ótima mesmo, Afrodite, Helena de Tróia, Frinéia! Não dou ousadia a contemporâneas, talvez Ava Gardner. Um pouco de Ava Gardner e Sophia Loren no apogeu. E me sinto um pouco desperdiçada, embora infinitamente menos do que a maioria avassaladora. Quero e não quero voltar àquele tempo. Ambivalências, sempre fui muito ambivalente. Não pareço, mas sou, é uma condição bastante interna, mas sou; ninguém diz, mas sou. Por exemplo, além de ter saudades do tempo das coxas... Ainda vou contar algumas aventuras do tempo das coxas, tenho material para duas guerra-e-pazes. Passagens espetaculares, uma vez com padre Misael em pleno colégio de freiras, outra vez com meu noivo Maurício na porta do apartamento onde estavam dando uma festa, e eu gozando como vinte ambulâncias desgovernadas, outra vez com meu tio Afonso no banheiro e minha tia Regina, mulher dele, querendo entrar, ah, e essas são somente algumas, são assim as que me vêm à cabeça, de momento. Eram tempos ótimos, em vários sentidos, mas nihil est ab omni parte beatum, acertei essa, outra que Norma Lúcia me ensinou, mas dessa vez não tinha relação com comer nenhum professor casado, de óculos sem aro e cara de santarrão devotado ao partidão, como Almeidinha. Foi só para sacanear o velho Pedrão, depois que ele não agüentou mais ela cruzando e descruzando as pernas e mostrando até as amídalas nas aulas de Direito Romano e aí, um belo dia, ele não se conteve mais e acabou cantando ela, uma cantada deplorável, em que ele tentou usar a linguagem e as referências que estavam em moda entre os mais jovens e se saiu grotescamente. Foi nesse dia que ela falou isso em latim como resposta, é uma citação de alguém. E disse mais que ele podia continuar olhando as pernas dela, ela tinha até prazer em exibi-las, e ele era merecedor, até pela sua sensibilidade e estatura intelectual. Mas dar, jamais de la vie, incogitável, ele não percebia? Além do mais, disse ela, eu sou virgem, o senhor pelo visto anda acreditando nas histórias que ouve desses oligofrênicos por aí, que não têm o que fazer e não passam de um bando de donzelões frustrados, eu sou uma moça de princípios. Norma Lúcia era diabólica, me contou que o velho quase morre não sei quantas vezes, e um dia se exibiu para ela na sala dele, até em surpreendente boa forma para a idade. Ela então ─ Norma Lúcia, grande Norma Lúcia, isso é de deixar o universo
por dia. E, de fato, é triste, acho que como ele próprio ainda disse, viver numa sociedade em que a honra feminina é portada entre as pernas, que coisa mais besta, meu Deus do céu. Mas, não é, não é? às vezes me dá vontade de fazer um comício. Quantas vidas se perderam, quantos destinos se estragaram, quantas tragédias não houve, quantos conventos não foram abarrotados desumanamente, por causa da honra de tantas e tantas infelizes? Sim, creio que a grande maioria preservava o hímen com os americanos, mas, de resto, fazia-se tudo. E a gente quase sempre inha que ensinar muito a eles, embora com bastante jeito, para não espantar. Nunca encontrei um ─ nem eu, nem Norma Lúcia, nem nenhuma das outras meninas que faziam intercâmbio de experiências comigo ─ que não tivesse um mundo para aprender. Eles eram uns bestalhões, os americanos, mas tinham grande serventia, porque o homem baiano metia a mão por baixo de sua blusa e, no dia seguinte, todo mundo sabia, até em Feira de Santana. Isso num tempo em que não se usava telefone como hoje e, por exemplo, uma ligação aqui para o Rio costumava levar o dia todo para se completar. Quando se completava. No final, a gente tinha que falar aos berros, entre todo tipo de chiadeira, zumbidos e apitos, uma cacofonia infernal. Acho que não há um só baiano dessa geração, e das duas ou três posteriores também, ou mais, que nunca tenha chegado a um amigo, ou à turma do bairro ou do colégio, para dizer "não digam a ninguém, mas eu peguei nos peitos de Guiomar por dentro". Peguei nos peitos por dentro, frase mágica, muitas moças mais frágeis quase foram destruídas por essa frase e os "também quero, senão vou espalhar" que se seguiam. É inacreditável, mas havia sujeitos que chegavam para as meninas e diziam isto, e algumas cediam, é inacreditável. Em suma, os americanos eram uns merdas simpáticos, só eram bonitinhos, mas não sabiam trepar, e a maioria, quando queria dizer um palavrão, dizia God e Jesus, imagine um povo que achava palavrão dizer Deus e Jesus, tudo ligado ao puritanismo deles, usar Seu santo nome em vão, essas coisas. Tanto assim que muitos empregavam eufemismos, como Geez, Golly gee e outras besteiras do mesmo jaez, imagine novamente um povo que precisava de eufemismos para exclamar o nome de Deus ou de Jesus. Eles trepavam e diziam oh God, oh God, só me lembra um português, Nuno, um português lindo que foi meu caso uns tempos, José Nuno, lindo. Aliás, fode-se muito bem em Portugal, ao contrário do que eu suponho ser a opinião generalizada. Mas eu quase nunca gozava com o Zé Nuno, porque, no momento culminante, ele urrava "não t.acanhes, não t.acanhes!", e meu ponto G acionava o disjuntor no ato, eu entrava em crises de riso e depois roçava na bunda dele, ele adorava, embora fosse machíssimo como todo português, inclusive os veados ─ paneleiros, para ficar com a usança portuguesa e emprestar
alguma cor local à narrativa ─, os paneleiros que se juntam nos arredores do Campo Pequeno, onde se fazem ash curridash d.toirosh em L.shboa e vão trabalhar como forcados, que são uma espécie de veados parrudos que vão enfrentar os touros no peito. Em fila, trenzinho, um encostando a bunda no de trás, naturalmente. E depois vão às tascas, aos copos e à veadagem, são veados machíssimos. Vi muitas belas bundas em Portugal, que lá não são chamadas de bundas, mas de cu mesmo, que lá nem é palavrão, veja como são as coisas, grande país subestimado. Bundas de homens e mulheres. Toda mulher portuguesa dá a bunda, ou pelo menos dava, para manter a santa virgindade vaginal, como aqui. Hoje, com a entrada na Comunidade Européia e outras mudanças ─- eles hoje detestam o Brasil, sabia? português de-tes-ta o Brasil, com a exceção do Mário Soares, do Saramago, do José Carlos Vasconcelos e dois ou três outros gatos pingados, desprezam mesmo, é uma pena ─, não sei mais como estão as coisas. Provavelmente nunca mais será ouvida a pergunta imortal que um amigo meu escutou, depois de enfrentar galhardamente a primeira com uma portuguesa belíssima, ele que antes estava até com medo de broxar. Ele me contou que, satisfeito e aliviadíssimo, estava fumando o tradicional cigarrinho post coitum, quando ela olhou para ele e falou: "E ao cu, não me vais?". Fantástico, disse ele; emocionante. E fui-lhe ao cu, disse ele, que maravilha. Imagine aqui no Brasil, uma mulher fazer uma pergunta dessas, não faz. Eu morei no bairro de Alvalade, dava para ir andando ao Campo Pequeno, cansei de ir às corridas somente para ver as bundas apertadinhas dos forcados. Sou contra essa teoria segundo a qual os brasileiros tem belas bundas e alimentam uma fixação patológica por bundas somente por causa dos africanos. Isto é preconceito, as belas bundas da nossa gente vêm tanto da áfrica quanto de Portugal, tanto assim que eu não tenho sangue africano nenhum, pelo menos que eu saiba, e sempre portei uma bunda acima de qualquer crítica, até hoje não envergonho. Duvido que, se eu disser a algum homem que me coma “e ao cu, não me vais?", ele não vá imediatamente. Claro que nunca fiz essa pergunta aos americanos, até porque em inglês não tem graça, e eles eram realmente uns bestalhões, a gente tinha que usar mil recursos para eles irem acertando aos poucos. Mas não tinham só essa vantagem de que falei de não poderem, mesmo que quisessem, sair pela rua Chile, espalhando aos quatro ventos suas proezas conosco. Eram proezas nossas, pensando bem. Mas era bom, no final das contas. A gente tinha de ensinar tudo, porque eles não sabiam nem beijar direito, achavam chupão com língua uma coisa praticada exclusivamente em bordéis franceses ─ até hoje chamam isso de French kiss, se bem me lembro ─ e mais uma porção de coisas infantis. As baianas de minha geração devem ser responsáveis pela formação de centenas e centenas de americanos, fomos uma força