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A Bioecologia do Desenvolvimento Humano e suas Interfaces ..., Manuais, Projetos, Pesquisas de Desenvolvimento Humano

Urie Bronfenbrenner, no prefácio de seu livro “A Ecologia do. Desenvolvimento Humano: Experimentos Naturais e Planejados”. (1979/1996), afirma que aprendeu ...

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

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A Bioecologia do Desenvolvimento Humano
e suas Interfaces com Educação Ambiental
Maria Angela Mattar Yunes
Maria Cristina Juliano
Resumo: O presente artigo visa a introduzir conceitos fundamentais da
abordagem Bioecológica de desenvolvimento humano nas proposições de
Urie Bronfenbrenner. O referido autor dedicou sua vida acadêmica e
profissional à construção de um modelo teórico que, através da associação
de definições, conceitos, hipóteses e proposições simples e complexas,
possibilitam o diálogo entre pesquisadores de diferentes áreas de
conhecimento. Neste ensaio, foram destacados alguns pontos de
convergência entre pensadores contemporâneos da Educação Ambiental e
a ótica bioecológica do desenvolvimento humano. As possibilidades de
interlocução remetem: ao pensamento sistêmico; ao foco nas interações
de organismos-ambientes; à busca de compreensão sobre a cooperação
entre indivíduos, grupos e comunidades e à construção de soluções para
uma sociedade ecologicamente equlibrada.
Palavras-chave: Desenvolvimento humano; educação ambiental;
bioecologia do desenvolvimento humano.
The Bioecology of Human Development and their interfaces with
Environmental Education
Abstract: The present article aims to introduce fundamental concepts of
the Bioecology of human development in the propositions of Urie
Bronfenbrenner. This author has dedicated his academic and professional
life to build a theoretical model that through the association of
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A Bioecologia do Desenvolvimento Humano

e suas Interfaces com Educação Ambiental

Maria Angela Mattar Yunes Maria Cristina Juliano

Resumo: O presente artigo visa a introduzir conceitos fundamentais da abordagem Bioecológica de desenvolvimento humano nas proposições de Urie Bronfenbrenner. O referido autor dedicou sua vida acadêmica e profissional à construção de um modelo teórico que, através da associação de definições, conceitos, hipóteses e proposições simples e complexas, possibilitam o diálogo entre pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento. Neste ensaio, foram destacados alguns pontos de convergência entre pensadores contemporâneos da Educação Ambiental e a ótica bioecológica do desenvolvimento humano. As possibilidades de interlocução remetem: ao pensamento sistêmico; ao foco nas interações de organismos-ambientes; à busca de compreensão sobre a cooperação entre indivíduos, grupos e comunidades e à construção de soluções para uma sociedade ecologicamente equlibrada. Palavras-chave: Desenvolvimento humano; educação ambiental; bioecologia do desenvolvimento humano.

The Bioecology of Human Development and their interfaces with Environmental Education

Abstract: The present article aims to introduce fundamental concepts of the Bioecology of human development in the propositions of Urie Bronfenbrenner. This author has dedicated his academic and professional life to build a theoretical model that through the association of

Cadernos de Educação | FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [37]: 347 - 379, setembro/dezembro 2010

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definitions, concepts, hypothesis and propositions either simple and complexes that provide the dialog among researchers of different areas of knowledge. This essay focused in some points of convergence between contemporary thinkers of Environmental Education and the ecological view of human development. The possibilities of interlocution are: the systemic approach; the focus in the interactions between organisms and environments; the search of understanding individual, group and community cooperation and the construction of solutions for an ecologically balanced society. Keywords: Human development: environmental education; bioecology of human development.

Este estudo tem por objetivos apresentar as definições, hipóteses e proposições teóricas que permeiam a abordagem bioecológica de desenvolvimento humano na ótica de Urie Bronfenbrenner (1974, 1979, 1986, 1999, 2001, 2004) e estabelecer o diálogo conceitual desta abordagem com alguns pensadores da Educação Ambiental. Para melhor compreender Bronfenbrenner, suas ideias, suas habilidades para traduzir abstrações teóricas em formas de intervenções, intenções de pesquisa em políticas sociais e sua capacidade para criar domínios de diálogos entre várias áreas de conhecimento científico, far-se-á, inicialmente, uma breve retrospectiva de sua vida. A seguir, serão explanados, numa sequência histórica, os conceitos fundamentais da ecologia do desenvolvimento humano, os níveis em que estão estruturados os ambientes, a maneira como estes são percebidos pelas pessoas e as influências desta dinâmica no desenvolvimento humano. A bioecologia do desenvolvimento humano é apresentada a partir das reflexões sobre a importância das características das pessoas e os mecanismos dos processos proximais primários como motores do desenvolvimento psicológico. Por fim, são apresentadas as possibilidades de interlocução das ideias apresentadas e as conceitualizações trabalhadas por pensadores contemporâneos da

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Este foi o mundo da minha infância. Meu pai me levava em inúmeras caminhadas, de seu laboratório às enfermarias, oficinas e fazenda – onde ele preferia ver e conversar com os seus pacientes - e ainda mais frequentemente além da cerca de arame, através dos bosques e colinas que começavam na porta da nossa casa. Onde quer que estivéssemos, ele alertaria meus olhos pouco observadores para o funcionamento da natureza, apontando a interdependência funcional entre os organismos vivos e seu ambiente (BRONFENBRENNER, 1996, p. VII).

Bronfenbrenner (1979/1996) percebia a angústia de seu pai quando, por exemplo, eram encaminhadas para instituição, crianças “perfeitamente normais”. Depois de algumas semanas, entre oitenta pacientes, num chalé com supervisão de duas enfermeiras, estas crianças deixavam de apresentar condições de obter bons escores nos testes de inteligência, administrados obrigatoriamente no processo de liberação dos internos. Nestas situações, as crianças anteriormente “normais” eram classificadas como “mentalmente deficientes”, o que em alguns casos podia significar que permaneceriam na instituição pelo resto de suas vidas (BRONFENBRENNER, 1979/1996).

Havia ainda uma saída para essas crianças, mas a oportunidade só surgiria quando elas fossem muito mais velhas. Um dos lugares para os quais as pacientes adultas seriam designadas para trabalhar eram as casas da equipe de profissionais, onde elas ajudariam nos trabalhos domésticos. Dessa maneira, Hilda, Anna e outras depois delas se tornaram de fato membros de nossa família e figuras significativas na minha educação (BRONFENBRENNER ,1979/ 1996, p.VIII).

Outro fato significativo na vida do jovem Urie foi a convivência com as crianças de diferentes grupos étnico-sociais que

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frequentavam a mesma escola, o que conferiu ao seu ambiente escolar um aspecto multicultural. Em 1938, ele graduou-se duplamente pela Universidade de Cornell em Psicologia e Música. Durante seus anos como acadêmico em Cornell, Bronfenbrenner teve a oportunidade de conhecer Kurt Lewin que na época, estava escrevendo a sua Teoria de Campo. Lewin foi convidado a lecionar em Cornell por Frank Freeman, que era tutor acadêmico de Bronfenbrenner. Ambos tiveram papéis de influência na sua formação científica. Em 1940, com seus interesses voltados para a Psicologia do Desenvolvimento, Bronfenbrenner recebeu o grau de Mestre pela Universidade de Harvard e, em 1942, o grau de Doutor (PhD) pela Universidade de Michigan.

Devido às limitações financeiras, a vida profissional de Bronfenbrenner começou cedo. Logo após ter concluído o curso de Psicologia, começou a trabalhar como assistente na Clínica Psico- Educacional da Universidade de Harvard enquanto concluía seu Mestrado. Durante o doutorado, trabalhou como psicólogo da Escola-Laboratório da Universidade de Michigan e, durante esse período ainda, ministrou cursos de verão na Universidade de Cornell, lecionando as disciplinas de Medidas Psicológicas e Estatística. Aproximadamente um ano após a conclusão de seu doutorado, Bronfenbrenner foi recrutado para servir ao Exército e atuar em funções totalmente diferentes de sua formação e qualificação. Reclamando junto aos seus superiores por funções mais condizentes com sua experiência, foi transferido para o serviço secreto, no qual trabalhou com alguns dos psicólogos mais famosos da época, como Kurt Lewin, Harry Murray, Ted Newcomb, Edward Tolman e David Levy. Com o final da guerra, regressou à vida acadêmica e, em 1946, foi contratado como professor assistente de Psicologia na Universidade de Michigan, onde, além de suas funções de docência, pôde dedicar-se à pesquisa. Em 1948, Bronfenbrenner passou a ser professor pela Universidade de Cornell, onde era conhecido por trabalhar “com seu senso de realidade, de justiça e

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possibilitar a encontrar dois elementos essenciais para os esforços científicos: vitalidade e validade (BRONFENBRENNER, 1974, p. 1).

O próprio desenvolvimento deste grande ecologista humano, os caminhos que ele escolheu e a construção de sua Bioecologia do Desenvolvimento Humano denotam influências facilmente visíveis tanto do trabalho de seu pai, que o ensinou a observar a natureza e a interdependência dos fenômenos, como de sua mãe, apreciadora do mundo artístico. É notável, também, o impacto dos macro e microeventos históricos que marcaram sua trajetória de vida, tais quais a Revolução Russa, a imigração de sua família para a América, a sua vida naquela escola e a convivência com pessoas de vários países e religiões (como ele denominou, multicultural). Certamente, suas experiências relacionais e diádicas com os internos, com os trabalhadores da instituição de Letchwortch e dos outros contextos, o contato com vários pesquisadores da Psicologia de sua geração e das seguintes, a vivência em diferentes universidades, todos estes sistemas inter-relacionados resultaram na grandeza e na magnitude de seu olhar complexo e sistêmico para o desenvolvimento humano, cujos pressupostos conceituais discutir-se-ão a seguir. Na sequência, apresentaremos as conexões com os princípios da Educação Ambiental na proposta de alguns autores.

Introdução aos Conceitos da Ecologia do Desenvolvimento Humano

A ecologia do desenvolvimento humano é um dos paradigmas que se constituiu como influência ou “quarta-força” na Psicologia do final dos anos setenta (GARBARINO & ABRAMOWITZ, 1992, p. 13). Portugal (1992), da Universidade de Aveiro, é uma das estudiosas do seu pensamento, e assim traduz as palavras do autor ao definir a ecologia do desenvolvimento humano:

...implica o estudo científico da interação mútua e progressiva entre por um lado um indivíduo ativo, em

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constante crescimento, e, por outro lado as proprie- dades sempre em transformação dos meios imediatos em que o indivíduo vive, sendo esse processo influenciado pelas relações entre os contextos mais imediatos e os contextos mais vastos em que aqueles se integram” (PORTUGAL, 1992, p. 37).

A interação da pessoa com o ambiente é caracterizada pela reciprocidade. A pessoa em desenvolvimento molda-se, muda e recria o meio no qual se encontra. O ambiente também exerce influência no desenvolvimento da pessoa, sendo este um processo de mútua interação (Bronfenbrenner, 1979/1996). Urie Bronfenbrenner concebe o ambiente ecológico como uma série de estruturas encaixadas, em que cada peça contém ou está contida noutra. Algumas metáforas têm sido usadas para ilustrar a organização sistêmica dos ambientes de influência ou contextos de desenvolvimento. Bronfenbrenner, originalmente, usa a imagem das bonecas-russas para representar as principais estruturas. Nas discussões sobre a abordagem, são trazidos exemplos do cotidiano para representar os contextos, como as camadas da cebola ou caixas grandes de presentes que contêm outras caixas menores usadas para “enganar” o presenteado. Tais representações têm como objetivo explicar os níveis estruturais do mapa ecológico, que são: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. Bronfenbrenner nunca publicou um desenho, uma figura ou um diagrama que ilustrasse estes sistemas. Entretanto, muitos seguidores de suas ideias vêm apresentando suas diferentes visões gráficas do ecossistema humano, como se pode constatar nas Figuras 1 e 2 (ANEXO 2 e ANEXO 3).

Deve-se ressaltar que, algumas vezes, estas figuras mais confundem do que ajudam na compreensão do modelo, pois trazem uma ideia de que os ambientes estão numa distância maior ou menor da pessoa, ou que são mais ou menos relevantes na vida do indivíduo. Isso está longe de aproximar-se da verdadeira acepção

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colaboradores (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998), recebendo a denominação de processo proximal primário.

A existência de uma relação bidirecional entre duas pessoas estabelece condições mínimas para a ocorrência de uma díade. Em ecologia humana, a díade é considerada uma unidade básica de análise. Bronfenbrenner (1996) considera-a como a estrutura interpessoal mais simples e, consequentemente, como o contexto mais imediato do desenvolvimento humano. Uma relação pode configurar-se quando uma pessoa presta atenção ao comportamento de outra pessoa (díade observacional), ou participa com ela em alguma atividade (díade de atividade conjunta). Segundo Bronfenbrenner (1979/1996), “uma díade de atividade conjunta apresenta condições especialmente favoráveis não apenas para a aprendizagem no transcurso de uma atividade comum, mas também para aumentar a motivação na busca e aperfeiçoamento da atividade quando os participantes não mais estão juntos” (p. 56).

Uma das mais expressivas contribuições da abordagem ecológica refere-se às propriedades atribuídas ao potencial de desenvolvimento da díade de atividade conjunta. Segundo Bronfenbrenner (1979/1996), três características são essenciais: reciprocidade, equilíbrio de poder e relação afetiva. Essas características não são exclusivas e podem estar presentes em vários tipos de díades. A questão da reciprocidade está relacionada à maneira como os participantes interagem entre si, como um influencia o desenvolvimento do outro, pois, quando um membro de uma díade sofre um processo de desenvolvimento, o outro também o sofrerá. Numa relação diádica, um membro pode ser mais influente que o outro, embora a ideia de reciprocidade sugira igualdade de poder. O ideal é que essa maior influência seja alternada entre os participantes da díade, havendo, então, um equilíbrio de poder. Bronfenbrenner (1979/1996) enfatiza:

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No caso de uma criança pequena, a participação em uma interação diádica oferece a oportunidade para aprender a conceitualizar e a lidar com relações de poder diferenciais. Essa aprendizagem contribui simultaneamente para o desenvolvimento cognitivo e social, uma vez que as relações de poder caracterizam os fenômenos físicos e sociais encontrados pela pessoa em crescimento em uma variedade de ambientes ecológicos durante toda a sua vida. O equilíbrio de poder é significativo ainda num outro aspecto, mais dinâmico, pois há evidências sugerindo que a situação ótima para aprendizagem e o desenvolvimento é aquela em que o equilíbrio do poder gradualmente se altera em favor da pessoa em desenvolvimento, em outras palavras, quando esta última recebe uma crescente oportunidade de exercer controle sobre a situação. (BRONFENBRENNER, 1979/1996, p. 47)

Na medida em que ocorrem interações diádicas, desenvolvem- se sentimentos diferenciados e duráveis entre seus membros. Para que os processos de desenvolvimento ocorram em favor do indivíduo, as relações afetivas devem ser positivas e genuínas. O antagonismo mútuo, os sentimentos de raiva, rejeição e outras emoções percebidas como negativas poderão vir a ser prejudiciais e comprometer os processos de ensino-aprendizagem. Além disso, as relações afetivas evoluem para um tipo de relação denominada díade primária, que é o tipo mais duradouro de interação. As díades primárias existem para os participantes mesmo que eles não estejam fisicamente juntos.

As díades observacionais, de atividade conjunta e primárias não são mutuamente exclusivas e podem ocorrer simultaneamente em uma mesma atividade molar. A capacidade de uma díade servir como um contexto efetivo para o desenvolvimento humano vai depender fortemente da presença de uma terceira participação. Se

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como dos outros em relação a esta pessoa (BRONFENBRENNER, 1979/1996). Segundo Portugal, “o conceito de papel integra assim, elementos como atividades e relações em nível das expectativas sociais. Dado que estas expectativas se definem em nível da cultura ou subcultura, o papel funciona como um elemento do microssistema que tem as suas raízes em nível de macrossistema ” (PORTUGAL, 1992, p. 80). Bronfenbrenner considera que os papéis são elementos críticos do microssistema, pois estimulam e influenciam o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Considera, ainda, que o crescimento psicológico da criança seja promovido através das relações interpessoais, da interação com pessoas que desempenham vários papéis ao mesmo tempo. Estas interações e os novos papéis desenvolvem atividades cada vez mais complexas e com reflexos importantes nos processos de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas.

O mesossistema

O segundo nível estrutural apresentado por Bronfenbrenner é o mesossistema. Este sistema tem a ver com as inter-relações entre os contextos em que o indivíduo participa ativamente, tais como a inter-relação da família com a escola e a Igreja. Para a análise das forças existentes no mesossistema, utilizam-se os mesmos conceitos-chave apresentados na análise do microssistema, ou seja, as atividades molares, as estruturas interpessoais e os papéis. As forças do mesossistema são originadas nas inter-relações de dois ou mais ambientes em que a pessoa em desenvolvimento participa ativamente. Bronfenbrenner (1979/1996) propõe quatro tipos de inter-relações: participação multiambiental, laços indiretos, comunicação interambiental e conhecimento interambiental. É importante salientar que uma análise mesossistêmica pode detectar tanto conexões como desconexões entre dois microssistemas de desenvolvimento (COSTA, 2005).

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Para que exista mesossistema, é necessário que haja, pelo menos, uma interconexão de dois microssistemas. Isso é possível quando a pessoa em desenvolvimento faz parte ativamente de dois ambientes diferentes, o que vem a caracterizar, então, uma participação multiambiental. Bronfenbrenner (1979/1996) enfatiza que “uma vez que tal participação necessariamente ocorre em sequências, a participação multiambiental pode também ser definida como de uma rede social direta ou de primeira ordem entre os ambientes dos quais a pessoa em desenvolvimento participa” (p. 161). A rede social de primeira ordem é o próprio mesossistema.

Sempre que uma pessoa envolve-se num determinado ambiente pela primeira vez, ocorre uma transição ecológica , que acontece também sempre que a sua posição se altera em virtude de uma modificação no contexto ou nos papéis e atividades desenvolvidas. Para Bronfenbrenner (1979/1996), as transições ecológicas são elementos-base no processo de desenvolvimento, pois, ao mesmo tempo, são consequências e instigadores de aprendizagens. De acordo com Garbarino e Abramowitz (1992), quanto mais experiências de transições ecológicas a criança tiver, mais rico será o seu mesossistema. Na atual linguagem conceitual da abordagem seria pertinente falar sobre riqueza de processos proximais primários como possibilitadores de desenvolvimento.

Outros conceitos trazidos por Bronfenbrenner (1979/1996) referem-se aos elos de vinculação entre os microssistemas. Por exemplo, um mesmo indivíduo envolvido em mais de um ambiente do mesossistema da pessoa em desenvolvimento, juntamente com ela, é caracterizado por laço primário. Outros indivíduos que também participam desses mesmos sistemas sem serem os sujeitos principais da atividade molar são considerados laços secundários. Quando um indivíduo não participa diretamente em nenhum dos ambientes que caracterizam uma participação multiambiental, mas tem influência sobre as pessoas naqueles ambientes em que ela não participa diretamente, representa um tipo de laço indireto e é

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conjuntas e relações primárias estabelecidas com indivíduos maduros e experientes.

O potencial de promoção de desenvolvimento de um contexto num mesossistema é também função do número de ligações de segurança ou de apoio existentes entre um e outro contextos, sobretudo se estas ligações se estabelecem com indivíduos com quem já foram desenvolvidas díades primárias.

O exossistema

O terceiro contexto apresentado por Bronfenbrenner denomina-se exossistema e diz respeito a um ou mais ambientes que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um participante ativo. No exossistema, ocorrem eventos que afetam, ou por eles são afetados, os fatos que acontecem no ambiente que contém a pessoa em desenvolvimento, como, por exemplo, o local de trabalho dos pais ou a sala de aula de um irmão mais velho. Esses efeitos, geralmente, seguem uma seqüência causal que primeiramente conecta os efeitos externos dos ambientes aos processos microssistêmicos da pessoa em desenvolvimento. É importante citar ainda que as mesmas propriedades que definem um mesossistema protetor ao desenvolvimento humano – formas de ligação, comunicação e disponibilidade de conhecimento -, são condições ótimas para os exossistemas. Neste sentido, devemos remarcar a importância dos seguintes aspectos: a) a comunicação bidirecional em contraposição à unidirecional; b) a existência de informações precisas e fidedignas; c) o sentimento de objetivos comuns de dois ou mais sistemas envolvidos; d) a confiança mútua; e e) o equilíbrio de poder. São elementos que favorecem o desenvolvimento de todos os participantes.

O trabalho cooperativo entre o meso e o exossistemas aparece, portanto, como potencializador do desenvolvimento psicológico. Um exemplo de pesquisa realizada nesta dimensão foi feita por Juliano (2005), que investigou a influência da ecologia dos

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ambientes de atendimento no desenvolvimento de crianças e adolescentes abrigados, e como a atuação em rede das instituições ligadas ao abrigamento funcionaria para caracterizar-se como proteção para estes. Seus resultados evidenciaram que, nos meso e exossistemas, as dificuldades de interação das instituições expressaram-se pela inexistência de um “fluxo” no sistema de abrigamento, pela dificuldade de comunicação interinstitucional, pelo número reduzido e pouca qualificação dos trabalhadores somados à ausência de política municipal.

O macrossistema

O quarto nível estrutural é o macrossistema, que “se refere à consistência observada dentro de uma dada cultura ou subcultura na forma e conteúdo de seus micro-, meso- e exossistemas constituintes assim como a qualquer sistema de crença ou ideologia subjacente a estas consistências” (BRONFENBRENNER, 1979/1996, p. 197). Segundo Portugal (1992), o macrossistema difere do exossistema pelo fato de não se referir a contextos específicos, mas a protótipos gerais que existem nas diferentes culturas e afetam ou determinam o complexo de estruturas e atividades ocorrentes nos níveis mais concretos. Têm a ver com valores, crenças, maneiras de ser ou fazer, hábitos, estilos e formas de viver características de determinadas sociedades ou culturas, veiculados ao nível dos subsistemas. Trata-se do status quo , mas não apenas isso, afirma Bronfenbrenner (1996). O macrossistema pode ainda ser definido tanto como o esquema, organização ou mapa real e ideal dos ambientes ecológicos ou “mundo” das pessoas-em- desenvolvimento.

Bronfenbrenner (1979/1996) critica os experimentos clássicos que tratam das questões macrossistêmicas apontando as diferenças de comportamentos entre classes sociais ou étnicas, sem contribuírem com análises e informações sobre a estrutura e substância dos meio ambientes nos quais ocorrem os

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teoria ecológica quanto ao excesso de ênfase nos contextos de desenvolvimento em detrimento das pessoas em desenvolvimento. O Paradigma Bioecológico já havia sido proposto em 1995 (BRONFENBRENNER, 1995) pelo modelo PPCT (PESSOA- PROCESSO-CONTEXTO-TEMPO). A partir destas reflexões, os autores propõem o modelo bioecológico, no qual, entre outras considerações teóricas, reconfiguram as propriedades da pessoa e os processos de desenvolvimento. Como apontado no modelo ecológico, o desenvolvimento é um processo que se dá na interação da pessoa com o ambiente em que ela vive, bem como pelas relações entre os contextos mais amplos. O modelo bioecológico apresenta a proposta de estudar com mais detalhes as características biopsicológicas da pessoa em desenvolvimento concebidas em constante movimento processual. Portanto, o uso do termo desenvolvimento é revisto e complementado: "desenvolvimento refere-se à estabilidade e mudança nas características biopsicológicas dos seres humanos durante o ciclo de suas vidas e através das gerações" (p. 995). Para esclarecer os construtos abordados, ainda em 1998, Urie Bronfenbrenner e Pámela Morris lançam um construto-chave denominado processo proximal (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998). Os processos proximais são definidos como motores do desenvolvimento e se caracterizam por alguns aspectos apontados por Bronfenbrenner em 1999. Tais aspectos foram claramente transcritos por Narvaz e Koller (2004) e se constituem no que segue: para que o desenvolvimento ocorra, é necessário que a pessoa esteja inserida em uma atividade; a dita interação nesta atividade deve acontecer efetiva, regular e reciprocamente, através de períodos prolongados de tempo; a atividade deve ainda ser progressivamente mais complexa; e os objetos e símbolos presentes no ambiente imediato devem estimular a atenção, a exploração, a manipulação e a imaginação da pessoa em desenvolvimento. Deve-se acrescentar que esses processos proximais podem promover competências ou disfunções a depender das formas de interações que ocorrem nas atividades

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entre pessoas & outras pessoas, pessoas & objetos ou símbolos que fazem parte dos espaços desenvolvimentais. Portanto, é necessário compreender não apenas as complexidades das interações diádicas

  • triádicas e intrafamiliares, mas também das interações com outras pessoas em seus diferentes aspectos concretos e simbólicos que representam a rede de apoio social.

No que tange às características bioecológicas das pessoas, segundo Bronfenbrenner & Morris (1998), o desenvolvimento humano é moldado por três tipos de elementos: disposições (movimentam e sustentam os processos proximais); recursos (habilidades, experiências, conhecimentos requeridos para o funcionamento efetivo dos processos proximais nos diferentes estágios de desenvolvimento) e demanda (convidam ou desencorajam reações do ambiente social, que favorecem ou não a operação dos processos proximais). Copetti e Krebs (2004) detalham as disposições como propensões geradoras ou disruptivas de desenvolvimento. As disruptivas seriam caracterizadas pela impulsividade, dificuldades em adiar gratificações e controlar emoções, entre outros atributos que impossibilitam a manutenção de atividades que exigem complexidade e mutualidade interativa. Por outro lado, as geradoras são marcadas pela curiosidade, pelas possibilidades de adiar satisfação e manter firmeza para alcançar objetivos. “Essas disposições tomam formas dinâmicas de orientações denominadas de responsividade seletiva, propensão organizacional e sistema diretivo de crenças” (COPETTI & KREBS, 2004, p. 74). Recursos são descritos em duas condições: ativos (destrezas, experiências pessoais com resultados de construção de conhecimentos como determinantes nos processos proximais primários) e passivos (dificuldades físicas, limitações geneticamente determinadas, doenças crônicas, etc.). Demandas são qualidades das pessoas que podem despertar no “outro” sentimentos diversos, de bem-estar e afeto genuíno, ou, ao contrário, expressões afetivas de rejeição e mal-estar presencial.