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Este artigo apresenta uma visão ampla sobre o significado bíblico da paz, com ênfase na tradição profética e na cultura de paz estabelecida na bem-aventurança de paz pelo mestre da galileia. O autor apresenta como alternativa para uma cultura de paz os pactos de vida e apoio mútuo que são tecidos nas periferias urbanas, com referências específicas à situação colombiana. Palavras-chave: bem-aventuranças, cultura de paz, shemá.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Resumo O artigo apresenta um olhar panorâmico sobre o sentido bíblico de paz na cultura judaico-cristã. Presta atenção especial à tradição profética da qual também bebe o Mestre da Galileia estabelecida na bem-aventurança de paz. Tendo em vista o caso colombiano, a autora apresenta como alternativa para uma cultura de paz os pactos de vida e de apoio mútuo que são tecidos a partir das periferias urbanas. Palavras-chave: Bem-aventuranças; Cultura de paz Shemá.
Abstract The article presents an overview of the biblical sense of peace in Judeo-Christian culture. Paying special attention to the prophetic tradition of which the teacher of Galilee, raised in the bliss of peace, also drinks. Taking into account the Colombian case, the author presents as an alternative to a culture of peace the pacts of life and the mutual support that is weaves from the urban peripheries. Keywords: Beatitudes; Culture of peace; Shema.
A paz é um anseio permanente ao longo de toda a história da humanidade. A paz, em todas as suas acepções e sentidos, repousa como desejo profundo no coração de mulheres e homens. Escrevo estas reflexões no meio de um mundo envolto em guerras e múltiplas violências, e num país que tem permanecido, igualmente, por anos e anos, absorvido num contexto de guerra, de todo tipo de conflitos, desigualdades e injustiças… num país em que as violências acampam livremente, sem que as violências contra as mulheres seja a menor entre as violências.
No século XXI, esse anseio de conviver em amor e paz é um bem escasso, e em algumas ocasiões aparece como um horizonte inalcançá- vel. Aponta para um sentido que se perde e arrediamente se esconde. Na Colômbia, a palavra paz vem sendo, de fato, raptada e traída até o limite, sendo pronunciada em vão muitas vezes. Estas reflexões apontam para uma ressignificação dessa realidade no paradigma bíblico cristão. Estas linhas querem assinalar o tipo de compromisso que estamos assumindo quando vamos às praças públicas pedir por PAZ agitando bandeiras brancas com essas três letras escritas. Os acordos se estabe- lecem, mas a paz tem que ser construída dia a dia, num compromisso pessoal e comunitário que nos leve adiante. A paz é muito mais que o término de um conflito ou outro. A paz não é uma conjuntura, é uma utopia, um local de chegada para onde devemos caminhar unidos. Nas últimas discussões em nosso país, o tema da paz ficou de- masiadamente circunscrito a uma conjuntura específica e ao mundo do campo, mas a cidade colombiana – de onde lhes escrevo – está igualmente cativa de uma dinâmica violenta e carente de propostas e culturas de paz. É necessário considerar essa globalidade:
De um lado, o esquecimento do urbano se produz sobre a redução do conflito violento ao conflito armado, tal como vem carregado de consequências. O foco centrado no ator armado, na sua palavra e suas estratégias, suprime outros cenári- os e outras violências (como a cidade e sua experiência) confinando ademais a sociedade ao papel de mero ator passivo à qual não lhe cabe responsabilidade alguma sobre o curso da violência (PEREA, 2016, p. 237).
Vamos olhar com atenção alguns aspectos da tradição bíblico-cristã para, a partir dali, desenhar um mapa, sinalizando por onde poderíamos nos mover durante essa construção.
No Antigo Oriente, a paz era um shemá amplo que apontava a to- talidade de uma vida, a realização de um destino de presença divina. Yhwh dá instruções a Moisés sobre a forma de abençoar o povo:
YHWH te abençoe e te guarde; ilumine YHWH seu rosto sobre ti e te seja propício. YHWH te mostre seu rosto e te conceda a paz (Nm 6,25-26).
A paz é algo que a divindade concede enquanto simultaneamente mostra seu rosto , o rosto da divindade. Isto é a maior bênção que uma
horizonte quanto para a profundidade. O povo vive no exílio e sonha com um regresso à sua terra para que se sinta compensado do despo- jo padecido. O mensageiro da divindade anuncia uma nova etapa da vida que é presidida pela paz. Mas o poema trança abertamente vários significados: Paz > Boa Notícia > Salvação > Reinado de Deus. O texto estabelece uma experiência da totalidade: para os israelitas, o reinado, tempo e ordenação de Deus eram marcados por justiça, bem-estar e felicidade máximos, aos quais um povo poderia aspirar/desejar. Tratava- -se de uma ordem nova, diferente, onde a alegria voltaria a instaurar-se nos corredores de Jerusalém. A situação que os expatriados vivem é dura, seu coração se obscu- rece e a desesperança habita neles. Por causa deles o poeta se esforça para que sua palavra esteja cheia de sentidos e seja projetada em várias direções, abarcando a vida individual e coletiva. Se nos detivermos no contexto imediato do anúncio, constataremos que Isaías dedica alguns parágrafos (51,17-20 / 52,3-6) para conscientizar seus ouvintes da dura situação com a qual o povo tem sofrido e padecido. Então, nesses padecimentos, ele enraíza a promessa de um tempo e uma paisagem distinta. Uma paisagem dominada pela paz de Yhwh , que é a felicidade, o júbilo e a plenitude. Antes que o mensageiro da boa notícia chegue, Jerusalém será convidada, no presente, a despertar, a vestir-se de gala e a vivenciar sua condição de cidade santa , pois a libertação que lhe chega não apenas constrói, mas também restaura. A paz que o mensa- geiro traz e anuncia resgata o presente, o passado e o futuro. A condição anunciada é convertida, com o passar dos séculos, em expectativa messiânica, que acompanhará e povoará os sonhos dos justos em Israel ao longo de vários séculos. É essa expectativa, precisamente, a que Jesus acolherá para, em vários sentidos, propor seu cumprimento.
Bem-aventurados os pacificadores Porque serão reconhecidos como filhos de Deus...
Em geral, há um consenso tradicional entre os biblistas e os discípulos e discípulas do mestre galileu, para considerar as bem- -aventuranças como uma mensagem fundamental e pedra angular de seu Evangelho. As bênçãos que Jesus anuncia são um gênero (o ma-
carismo) conhecido no mundo antigo tanto grego como hebreu: são reconhecidas ou anunciadas bênçãos ligadas ao bem-estar, à felicidade ou à prosperidade. Trata-se sempre de uma bênção da divindade. O que ocorre no caso do conhecido Sermão do Monte é que os valores que geram essa felicidade, bem-estar e bênção se deslocam, por isso falamos de uma autêntica contracultura. Também é reconhecida a solenidade do momento: o Mestre, diante do povo inteiro e rodeado de perto por seus seguidores e seguidoras mais estáveis, toma a palavra e manifesta sua proclamação, que é também uma chamada a outro modelo de vida:
A subida de Jesus ao monte (movimento de distanciamento) manifesta que a relação entre o gentio e Jesus não é recíproca e que o seguimento multitudinário não cria um vínculo permanente com ele. Ademais, a multidão, segundo se tem visto, representa, por seu lugar de procedência, o povo de Israel. O gesto de Jesus indica que, para ser um dos seus, não basta a pertença a Israel, nem tampouco a mera adesão a sua pessoa (CAMACHO, 1986, p. 36).
A maneira de criar esse vínculo com ele é assumindo sua contra- proposta, a que vai distinguir seus discípulos e discípulas. Ao longo de dois ou três capítulos do Evangelho de Mateus, o Mestre dá detalhes do que seria uma vida inspirada em seu pensamento e desloca os valores vigentes de sua realidade mais imediata. Nesse contexto é que o profeta de Nazaré pronuncia sua bem- -aventurança da paz, da qual a tradução mais correta em espanhol é: bem-aventurados os pacificadores (ou os que trabalham pela paz). Porque eles serão chamados filhos de Deus. Quero, em primeiro lugar, enfatizar que se trata de uma ação, um verbo, então, é uma práxis. Quando o verbo se adjetiva, seu sentido intensifica sua força. Não se trata dos pacíficos, mas sim dos pacificadores. Estamos falando de uma atividade de intervenção para alcançar a PAZ, e que, de certa forma, já vimos o que significa essa paz para o povo judeu. Vejamos novamente o que nos diz Camacho:
Portanto, não está designada uma qualidade da pessoa: seu caráter ou disposições pacíficas, mas sim uma atividade da mesma: sua ação pacificadora. Esta ação pressupõe, no sujeito que a realiza, seu caráter pacífico. Daí, o que se denota é a atividade em favor da paz. Mesmo que conotando as disposições pacíficas das que nascem desta dita atividade. Os sujeitos do macarismo são estabelecidos como indivíduos que trabalham para estabelecer a paz, isto é, por criar as condições necessárias para que exista paz entre os homens e em consequência para retirar os obstáculos que a impedem (CAMACHO, 1986, p. 148).
realidade, uma total revolução. Mudar o mundo significa fazer um mundo novo (LAMBERT, 1987, p. 1896).
Como vimos ao longo desta exposição, falar de paz em perspectiva evangélica nos dias de hoje não é nada menos que falar de uma conjun- tura precisa, de um enfrentamento de métodos ou caminhos distintos, é muito mais. Tem que ser muito mais. Se olharmos ao nosso redor na Colômbia, na América Latina e no mundo, descobriremos imensas realidades e atitudes não apenas danosas, mas que são, também, reais empecilhos para a paz. Nossa realidade atual é uma realidade desigual e injusta, tremendamente desonesta e corrupta, regida por valores de individualismo e egocentrismo que se ocupam unicamente com seu próprio bem-estar, mesmo que este passe pela negação do outro/outra. Isto não significa que não haja homens e mulheres “alternativos”, mas como conjunto estamos muito longe da paz messiânica. Escrevo no fim de 2016 e no meio de uma complexa conjuntura: na Colômbia os acordos com as FARC, que poriam um final relativo a quase sessenta anos de enfrentamentos armados, se encontram numa espécie de impasse. Nos Estados Unidos, um candidato que durante toda sua campanha se caracterizou por atitudes e ameaças violentas e armadas ganhou a presidência e não sabemos o que pode trazer sua atual aliança com a antiga União Soviética. No Oriente Médio, o Estado Islâmico pretende liquidar com todo aquele que não compartilha de seu fundamentalismo... No meio desse caos e num tempo que se define na Colômbia como o de certo post , torna-se imprescindível contribuir para a criação de valores, atitudes e sentimentos de PAZ, que é entendida num sentido muito amplo e aberto. Um termo como “cultura de paz”, utilizado por vários pacifistas, pode ajudar a compreender o que quero dizer com essa proposta. O termo cultura de paz começa a ser usado a partir de 1989, passando a ser adotado numa reunião sobre o tema, realizada pela UNESCO, na Costa do Marfim. A declaração final exorta à construção de uma cultura de paz, baseada nos valores universais de respeito à vida, liberdade, justiça, solidariedade, tolerância e igualdade entre homens e mulheres. A tarefa é construir os calços de uma nova civilização, e não po- demos deixar isso no campo do utópico, impensável, inalcançável. Ao contrário, é necessário dar passos até esse ponto. Um dos caminhos é
propiciar e conquistar o desarmamento cultural, termo cunhado por Raimon Panikkar, da seguinte forma:
Por desarmamento cultural entendo o abandono das trincheiras nos quais a cultura “moderna” de origem ocidental tem estado amparada, considerando valores adquiridos e não negociáveis, como o progresso, a tecnologia, a ciência, a democracia, o mercado econômico mundial, além das organizações estatais. Compreende-se então, que a expressão não está fora do lugar. O desarmamento torna uma pessoa vulnerável e deve ser realizado paulatinamente, mas é uma condição para poder estabelecer um diálogo na igualdade de condições com todas as culturas da terra (…) Por desarmamento cultural tento aludir a uma mudança radical do mito predominante da humanidade contemporânea, daquela parte da humanidade que mais vocifera, influente, rica e que rege os destinos da política (PANIKKAR, 1993, p. 61).
Certo é que temos que conquistar, em cada um de nossos países, uma ética da convivência, da acolhida, e da tolerância. Uma ética do amor e da não-violência. Só essa realidade pode aclimatar sociedades em paz, em meio a um mundo que se organiza totalmente contrário a essa bem-aventurança. Um imperativo é perguntarmos quais seriam esses mínimos quesitos éticos nos quais podemos nos movimentar:
Paz significa solidariedade, trabalhar juntos, conviver para concluir uma tarefa comum que torne possível a vida dos povos. Graças à paz se ampliam todas as potencialidades possíveis na vida humana. Parte da palavra hebraica Shalom , significa esta experiência (…) ausência de guerras, tranquilidade social do povo, harmonia de toda a realidade baseada nas relações do homem com Deus, com o povo e consigo mesmo. Esta harmonia depende do dom divino que é a paz e que se resume na estabilidade e desfrute da vida em saúde, em honra, em maturidade pessoal e familiar, em justiça e em bondade das relações sociais (MARTÍNEZ, 2002, p. 290).
Um dos caminhos que proponho, para nos aproximarmos passo a passo da renovação do tecido social nessa direção da paz, é o que poderíamos denominar de pacto, no sentido mais amplo. Pactos de convivência que nos levem a maneiras de ser e de estar em mundos diferentes. Pactos sociais que vão sendo ampliados de pequenos cír- culos até dinâmicas comunitárias cada vez mais amplas. Na tradição bíblica, encontramos algumas dinâmicas que podem nos apoiar nessas buscas. Proponho a releitura do livro de Rute, na perspectiva dos pac- tos de paz. Rute é uma mulher moabita, isto é, estrangeira em relação à Noemi, que é israelita; essas duas mulheres são sogra e nora, o que tradicionalmente não é o maior exemplo da colaboração e apreciação mútua. Superando essas barreiras, selam entre elas um pacto de fide -
ALEIXANDRE, D. Dichosos vosotros. Madrid: CCS, 2004.
BARCLAY, W. LAS BIENAVENTURANZAS. Comentario. Buenos Aires: La Au- rora, 1976.
CAMACHO, F. La proclama del Reino. Madrid: Cristiandad, 1986.
LAGARDE Y DE LOS RIOS, M. El feminismo en mi vida, Hitos, claves y topías. Cuadernos Inacabados. Madrid: Horas y HORAS, 2014.
LAMBERT, B. Las bienaventuranzas y la cultura hoy. Salamanca: Sígueme,
MARTÍNEZ, F. La paz actitudes y creencias. Murcia: Espigas, 2002.
PANIKKAR, R. Paz y desarme cultural. Bilbao: Sal Terrae, 1993.
PEREA, C. Vislumbrar la paz. Violencia, poder y tejido social en ciudades latinoamericanas. Bogotá: Edición de DEBATE y Universidad Nacional,
Traduzido por Lília Dias Marianno.