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Este documento aborda a história psicológica da palavra 'não' e sua importância na comunicação e desenvolvimento psicológico. Através de vários exemplos, é demonstrado como a falta de assertividade ao dizer 'não' pode causar problemas em diferentes contextos, como em relações pais-filhos, amizades, relacionamentos amorosos e no trabalho. Além disso, é discutido o papel da linguagem e da fala no desenvolvimento humano e na construção da personalidade.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Não perca as partes importantes!
INTRODUÇÃO
A palavra Não é a primeira a ser usada com sentido pela criança. Depois das articulações Mam , Pá , Ão-Ão, e de mais alguns sons que nos fascinam, por volta dos 18 meses chega o Não. Mas, repetimos, é já usada com sentido. Mas o que é isso de umas palavras terem sentido e outras não? No último domingo, eu e mais alguns elementos da minha família passámos momentos muito agradáveis no parque Marechal Carmona em Cascais, com as minhas sobrinhas, gémeas, de 15 meses. Numa das muitas brincadeiras, elas lá davam os seus passinhos seguindo pombos e chamando-os de ão-ão , a designação que também usam para os cães. Nada de estra- nho para quem já acompanhou o crescimento de crianças pequenas. Uma mesma articulação serve para vários obje- tos ou seres, o que apenas significa que não têm ainda um entendimento preciso sobre aquela palavra. Aquele som articulado, ão-ão , substitui a ação de apontar com os dedos e as mãos, com que antes sinalizavam para as outras pessoas o que estava nas suas cabecinhas, mas é ainda muito vago. Não tem um sentido exato.
amigos, no namoro e no casamento, e sem esquecer o tra- balho, a arte de dizer não é um bem necessário para qualquer humano. Nos consultórios de psicologia os profissionais percebe- ram a importância de um trabalho de aprendizagem do Não na vida de muitos dos seus clientes. Por isso, nas últi- mas décadas desenvolveram-se diferentes técnicas que ajudam a dominar essa importante mas difícil arte. A minha intenção ao escrever este livro é oferecer-lhe a possibilidade de, começando hoje mesmo, desenvolver esta arte e, dizendo Não sem levantar problemas, conse- guir que os outros percebam, e respeitem, as suas opiniões e as suas escolhas para a sua vida, e desse modo desfrute de um dia a dia bem mais agradável. Começo por lhe apresentar a história psicológica do Não. A seguir apresento vários contextos de relações nas quais o Não é absolutamente fundamental – como na relação de pais para filhos, entre amigos, no namoro e no casamento, na relação de filhos para pais e até quando vai às compras. Este é um livro para ler e pensar. Em cada parágrafo tente recordar-se de uma história da sua vida. O livro não foi escrito para lhe entregar uma lista de conselhos. Como sabe, nunca os seguimos… A estrutura do livro foi pen- sada antes para ajudar o leitor a refletir e a restruturar-se. Por outras palavras, para o ajudar a tornar-se um mestre na arte de dizer não. E para que perceba até que ponto a questão do Não é fun- damental, vou contar-lhe aqui algumas histórias ocorridas
A ARTE DE DIZER NÃO
com clientes meus. Leia-as com atenção e veja se reconhe- ce nelas alguma coisa de si.
A Maria, de 33 anos, tinha uma grande dificuldade em dizer não, facto que lhe tem criado grandes problemas e sofrimento ao longo da vida_._ “Prefiro prejudicar-me do que ter de lidar com isso”, confessa-me. “O pior é que mui- tas pessoas já perceberam essa dificuldade e acabam por abusar de mim. Eu sei que tenho de aprender a dizer não. Eu sei a importância que isso pode vir a ter na minha vida.” Logo quando começou o trabalho de desenvolvimento pessoal, a Maria percebeu a importância de dizer não. O problema era controlar a ansiedade que a bloqueava no momento de o dizer. O treino de análise mais rápida das situações e contextos, associado a um treino em verbalizar em momentos de elevado stresse, permitiu à Maria uma vida social absolutamente diferente a par de um aumento muito significativo da sua autoestima.
Uma fisioterapeuta de 28 anos ficava horas à espera de uma colega porque se achava na obrigação de lhe dar boleia após o trabalho. Chegava a faltar a compromissos pessoais para cumprir o ritual. Na sua vida amorosa, pre- feria ceder a dizer não sempre que achava que o namora- do iria ficar chateado. O mesmo acontecia nas relações de
A ARTE DE DIZER NÃO
tado positivo… E as dele também eram positivas. Carla sabia que o marido mantinha esta relação extraconjugal há anos, mas sempre que ele queria fazer sexo com ela, ela aceitava e nunca se protegeu na relação sexual. Confron- tada com esse facto na consulta disse apenas: “É que de cada vez que ele se chegava a mim eu pensava que era porque me tinha voltado a amar… Então eu não podia dizer-lhe que não, porque se casámos é para toda a vida, tenho de aguentar.”
Carlos, consultor numa multinacional, casado, numa viagem de negócios à Tailândia e após ter consumido bastante álcool, revelou aos colegas que alimentava fan- tasias sexuais com prostitutas. Os colegas, sem que ele se apercebesse, juntaram-se e pagaram entre todos os serviços de uma profissional que já se encontrava semi- nua no seu quarto quando ele chegou para descansar. Confrontado com a situação pensou que não queria e achou que os colegas se tinham precipitado. Mas cedeu. “Se lhe dissesse que não, os meus colegas iriam saber… talvez surgissem rumores de me ter negado a fazer sexo com uma mulher.”
Rogério, empregado bancário, tem 25 anos. Queixa-se de dificuldades financeiras e de como gasta o pouco que ganha em bares com amigos. “É que se eu não bebo chamam-me
INTRODUÇÃO
maricas e eu não gosto. Eles oferecem-me bebidas e eu não consigo dizer que não… E depois tenho de retribuir e fico sem dinheiro.”
Num anúncio na Internet oferecia-se a pintura de unhas. Tratava-se de um centro de formação e quem quisesse usu- fruir desse serviço grátis estaria a ajudar as formandas nas suas horas de formação prática. Apenas se informava que o trabalho das alunas poderia durar de três a oito horas e que as cores usadas seriam as indicadas no curso. No dia marcado uma cliente, mal se sentou na cadeira e vendo o frasco verde-florescente que a formadora deu à aluna, ficou assustada e disse para a aluna: “Não me vai pôr isso nas minhas unhas, pois não?” Ao que a aluna respondeu: “A senhora foi avisada e aceitou. Eu apenas sigo as ordens da minha formadora. Se quiser, vá falar com ela.” A senhora explicou então à formadora que não podia ir para o tra- balho com as unhas daquela cor e quando foi avisada das condições não imaginou aquilo, tendo imaginado cores diferentes, mas não tão estranhas. A formadora foi cate- górica. Disse-lhe que ela tinha aceitado as condições e que deveria voltar para o seu lugar para a aplicação do verniz, o que a senhora cumpriu e passou toda a aplicação das unhas de gel, em cor verde-florescente, a chorar.
A HISTÓRIA PSICOLÓGICA
DO NÃO
A ARTE DE DIZER NÃO
dade em dizer ao companheiro ou à companheira que não lhe apetece fazer sexo naquele dia; o pai ou a mãe incapa- zes de dizer não a um filho pré-adolescente que insiste em dormir com um deles, separando assim os pais à noite para que um durma com ele; o pai ou a mãe que permite que o filho esteja horas a jogar videojogos porque “se eu lhe disser alguma coisa ele fica muito revoltado”; a falta de energia para dizer Não ao consumo de drogas por parte de um filho que, adolescente ou já adulto, ainda vive em casa dos pais; o casal que não consegue dizer aos pais dele ou dela que estão cansados dos almoços em família todos os fins de semana e continuam todas as semanas a sentir a mesma irritação; o aluno que está sistematicamente a emprestar os apontamentos aos colegas, sem ser capaz de lhes dizer Não ; os filhos que não dizem que Não a pais demasiado intrusivos que procuram saber a todo o custo sobre a vida dos filhos mesmo que estes já sejam comple- tamente autónomos, casados e estejam a viver nas suas próprias casas; o trabalhador que não diz Não ao patrão quando este o manda fazer tarefas que nada têm a ver com o seu contrato; etc., etc., etc. O que observo é que um elemento absolutamente fun- damental na comunicação (e portanto na relação entre as pessoas) – a palavra NÃO – está demasiado ausente na lin- guagem. E devido a essa falta, muita gente sofre e é infeliz. Na psicologia, ou pelo menos na perspetiva em que a trabalho, entende-se que a atividade da mente é mediada pela linguagem. Quer dizer, a origem da atividade cons-
ciente e a sua manutenção com padrões de boa adaptação e equilíbrio acontece através da linguagem, numa partilha mútua e comprometida com outros seres humanos. Através da fala, podemos comunicar de uma forma mais eficiente. Partilhamos ideias, o que permite que conheçamos o pensamento do outro, mas também que esse pensamen- to, atitudes e opiniões possam ser discutidos e eventual- mente gerar novos consensos.
A pergunta parece não precisar de resposta, mas não é assim tão simples como isso. E olharmos para a resposta é certamente um modo útil de começarmos este livro, pois acredito que vai alertar o leitor para algumas verda- des nas quais talvez nunca tenha pensado. Falar é muito mais do que dizer coisas. Ao falar, os huma- nos trocam e partilham ideias. Mas também se afirmam perante os outros, expressam a sua personalidade, e podem mesmo alterar os comportamentos de terceiros com quem se cruzam e relacionam. E porque ao falar também refletem, e desta forma conhecem-se a si mesmos, podem equacio- nar e até mesmo reformular a maneira como querem agir. Naturalmente, através desse processo, conhecem o mundo de uma forma muito mais esclarecida. Portanto, comu- nicam e pensam, e inventam um outro mundo onde pode-
contingente de um outro humano. Podemos dizer que esta relação está na origem da mente, e portanto do pro- cesso que transforma cada humano em pessoa. Para mui- tos, eu incluído, é mesmo a origem da Pessoa humana. Da mesma forma que o genoma humano é a nossa ori- gem como humanos – membros de uma espécie a que os cientistas chamaram Homo sapiens –, a fala é a nossa ori- gem como pessoas, uma vez que é por ela que se constrói a nossa personalidade, que nos conhecemos, e que come- çamos a agir como seres únicos, diferentes de todos os outros. Com uma personalidade própria. A construção da personalidade pela fala é possível graças a duas das suas características. A fala medeia a relação entre humanos – o sistema pragmático – e reformula o processo de pensamento – o sistema semântico. Tentando ser um pouco mais específico, não em exagero, mas apenas o necessário para que possa acompanhar o que lhe tento agora explicar, podemos olhar para a fala como estando organizada em vários níveis ou sistemas:
> pragmático, que organiza a relação entre as pessoas; > fonológico, sons com significado dentro das palavras; > (^) morfológico, a forma como as palavras se modificam para originar diferentes significados; > (^) sintático, a organização das palavras na frase; > (^) semântico, com acesso ao pensamento.
A ARTE DE DIZER NÃO
Todos estes níveis se originam e desenvolvem na relação entre seres humanos. O pragmático é uma evolução dos esquemas naturais, biológicos, de comunicação entre huma- nos. O semântico forma um reflexo do mundo, e será a base da personalidade da pessoa. Os três centrais – fonológico, morfológico e sintático – são sistemas específicos da linguagem. Formam-se para servir os outros dois. O modo de os servirem consiste numa reformulação, desde uma forma primitiva e natural, de comunicação e de pensamento, para níveis mais elevados a que chamamos cognitivos ou mentais. Só com este pequeno texto acredito que já lhe consegui transmitir que a linguagem tem um papel fundamental na vida de todos nós e dá um contributo único para o nosso bem-estar psicológico. De entre todas as palavras que um humano pode usar, a palavra Não tem um papel único na comunicação. Se está a ler este livro, certamente já passou bastante tempo desde a sua infância. Idealmente o Não já entrou na sua vida e já é capaz de o usar sempre que necessário. Ou talvez ainda não. O desenvolvimento psicológico nem sempre se relaciona com a idade no cartão de cidadão, e muitos processos psico- lógicos, típicos da infância, acompanham as nossas vidas na adolescência, na idade de jovens adultos e até mesmo na adultez tardia. Ou seja, o desenvolvimento psicológico não acontece apenas porque o tempo passa. É preciso que determinados processos de interação aconteçam de deter-