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Este trabalho analisa a aplicação da Lei do Feminicídio em relação às mulheres transexuais. A pesquisa questiona se a lei pode ser aplicada a esses casos e se é eficaz socialmente. O objetivo é abordar a necessidade da igualdade das leis na sociedade, a jurisprudência existente na Lei do Feminicídio e tudo que o assunto aborda em conformidade com ADI 4.275. O texto apresenta dados sobre a violência contra as mulheres e a importância da Lei Maria da Penha. O trabalho é apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pelo curso de graduação em Direito das Faculdades Doctum de Caratinga - MG.
Tipologia: Teses (TCC)
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Não perca as partes importantes!
Bruna Cristina De Souza Gomes^2 Ivan Lopes Sales^3
O presente trabalho objetiva analisar as aplicações da lei do feminicídio, onde abordaremos as relações transexuais, questionando sobre a aplicação e validade da referida lei em relação a mulher transexual e a grande polêmica em entender se poderá ou não ser vítima do referido crime, devido a termos diversos doutrinadores divergentes quanto ao sujeito passivo ou doutrinações que abordam que mulheres transexuais figuram no polo passivo afirmando que não há possibilidade da mulher transexual figurar nesses casos. Porém, existem doutrinadores contemporâneos que buscam visar a dignidade da pessoa humana e aceitam que a pessoa se sente mulher, por isso a lei deverá ser aplicada nesses casos. Em suma a intenção é descobrir se cabe ou não a aplicação da lei no caso citado. O objetivo desta pesquisa é questionar a utilização da Lei do Feminicidio e sua eficácia social em razão das mulheres transexual, uma vez que tal lei não deixa claro se ela poderá ou não ser utilizada após a mudança de sexo. Será dividida em três tópicos onde abordaremos a necessidade da igualdade das leis na sociedade, a jurisprudência existente na lei 13.104/15 (Lei do Feminicidio) e tudo que o assunto aborda em conformidade com a ADI 4.275.
Palavras- chaves: Lei 13.104/2015. Transexual. Discriminação.
The present work aims to analyze the applications of the femicide law, where we will address transsexual relationships, questioning the application and validity of that law in relation to transsexual women and the great controversy in understanding whether or not they can be a victim of the referred crime, due to terms different indoctrinators divergent as to the passive subject or
(^1) Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pelocurso de graduação em Direito das Faculdades Doctum de Caratinga - MG. (^2) Graduando em Direito nas Faculdades Doctum de Caratinga – MG, email: aluna.bruna.souza@doctum.edu.br (^3) Professor no curso de Direito das Faculdades Doctum de Caratinga - MG
indoctrinations that address that transsexual women appear in the passive pole, stating that there is no possibility of transsexual women appearing in these cases. However, there are contemporary scholars who seek to aim at the dignity of the human person and accept that the person feels like a woman, so the law should be applied in these cases. In short, the intention is to find out whether or not the application of the law in the aforementioned case is applicable. The objective of this research is to question the use of the Feminicide Law and its social effectiveness for transsexual women, since such law does not make it clear whether or not it can be used after sex change. It will be divided into three topics where we will address the need for equality of laws in society, the existing jurisprudence in law 13.104/15 (Lei do Feminicide) and everything that the subject addresses in accordance with ADI 4.275.
Keywords : Law 13.104/2015. Transsexual. Discrimination.
Inicialmente a lei do Feminicidio foi criada para a coibição de crimes contra as mulheres, tornando se uma medida mais rígida contra a morte de mulheres em relações abusivas e trazendo uma punição mais severa para quem comete tal crime. Vale ressaltar que a Lei 13.104 tem como principal ato incluir o crime do feminicidio no rol de crimes hediondos, foi acrescentado o inciso VI e o §2°- A. No inciso VI dispõe que ocorrerá o feminicídio quando o homicídio é praticado contra a mulher, por razão do sexo feminino. Já no §2°-A, esclarece que o homicídio da mulher é considerado como razão da condição do sexo feminino, quando o crime envolver violência doméstica ou familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A pena desse crime é a reclusão de doze a trinta anos, e ocorrerá aumento de pena de 1/3 até metade, se o crime for praticado durante gestação ou três meses após o parto; contra mulher menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; e na presença de ascendente ou descendente da vítima. Ela veio para incluir o assassinato a mulher no âmbito familiar ou o menosprezo e simples fato de ser mulher como algo extremo e condenável de forma hedionda. Essa lei foi criada para modificar um comportamento social não aceitável e tornar tal ato extinto, aumentando as penas para tais condutas. Vale ressaltar que esse aumento nas penas por tal fato, não significa uma maior proteção para a mulher, nosso país ocupa um alto índice mundial neste fato e um trabalho de conscientização social é algo que poderia ser feito. Filho (2015) ressalta que a principal crítica que se faz a essa excêntrica novidade penal é sua total ineficácia. Trata-se do velho discurso de que é preciso tornar a lei mais severa para coibir a prática de determinado crime: Desta maneira fica claro que existem vários fatores que corroboram para a continuidade de fatos esdrúxulos como este e que se faz necessário um acompanhamento através de políticas públicas desde cedo. Partindo dessa ideia o presente trabalho faz uma análise no âmbito do princípio constitucional e penal buscando referendar a utilização da lei a favor dos transgêneros, onde se aborda o histórico da lei e seus conceitos, se
baseando principalmente na ADI 4.275 onde se trata do registro civil e a mudança de sexo, buscando a proteção de tal lei ou a severidade dela para os que cometem o crime.
2. Qual a intenção do legislador com a criação da lei do feminicidio.
O legislador tinha como ideia inicial coibir os atos de forma firme, onde a mulher seria protegida contra a violência do homem, violência essa data de muitos anos antes. Como podemos ver, segundo o que os últimos levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE nos mostra: “O índice de mortes por causas violentas entre os homens é dez vezes maior do que entre as mulheres. Os dados mais recentes da pesquisa mostram que, em 2007, a cada 100 mil habitantes do País, 25,4 eram vítimas de homicídio. Esse número é uma média entre o alto coeficiente masculino, que é de 47,7 homicídios para cada 100 mil habitantes, com o baixo índice feminino de apenas 3,9 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.” (ULTIMO segundo, 2010, texto digital).^4 Pelos levantamentos feitos, é possível concluir que os homens são assassinados por causas externas além de vários outros motivos. Já os homicídios femininos se dão em sua grande maioria, 60% a 70%, em decorrência do gênero (MENEGHEL; HIRAKATA, 2011).
Levantamentos feitos pelo instituto Sangari, pode comprovar o que já foi dito acima:
Os estudos existentes demonstram coincidentemente que a vitimização homicida no país é notada e fundamentalmente masculina. A feminina representa aproximadamente 8% do total de homicídios, mas com características bem diferenciadas da mortalidade masculina. Ainda assim, apesar desse baixo índice, no último ano, acima de 4,5 mil mulheres foram vítimas de homicídio. Nos 32 anos considerados neste estudo – de 1980 a 2011 – , morreram assassinadas 96.612 mulheres. Nos poucos anos deste século, morreram praticamente a metade desse total. [...] Em 2007, uma significativa queda é registrada: as taxas caem 7,6%. Em setembro de 2006, entra em vigor a Lei Maria da Penha, aumentando o rigor das punições da violência contra as mulheres no âmbito doméstico. Mas essa acentuada queda dura só um ano. A partir de
(^4) MENEGHEL, Stela N.; HIRAKATA, Vania N., Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n. 03, p.564-574, jun./jul. 2011.
sexualmente do que de sofrerem de câncer ou se envolverem em um acidente de trânsito.^6
Femicídio é a conclusão extrema de um continuum de terror contra as mulheres, o que inclui uma ampla variedade de abusos verbais e físicos, como estupro, tortura, escravidão sexual (particularmente pela prostituição), abuso sexual de crianças, incestuoso e extrafamiliar, agressões físicas e emocionais, assédio sexual (no telefone, nas ruas, no trabalho e na escola), mutilações genitais (clitoridectomias, excisões, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias (histerectomias gratuitas), heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (pela criminalização da contracepção e do aborto), psicocirurgias, privação de alimentação para as mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações no nome do embelezamento. Sempre que essas formas de terrorismo resultam em morte, eles se tornam femicídios (CAPUTI; RUSSELL, 1999, p. 15).
3. A necessidade social que culminou na criação da lei do feminicidio e a evolução social. O feminicidio já é uma prática social antiga, uma vez que fica bem claro o histórico do homem agressor em nosso país. Essa lei veio para penalizar de forma grave o homem que dentro de um relacionamento agride, bate e leva a situação ao extremo de matar sua companheira ou ex companheira. A definição do feminicidio é basicamente o homem matar sua companheira pelo simples fato dela ser mulher, com razões de ser mulher. Trata-se de um crime de ódio, onde o conceito surgiu na década de 70, com o fim de reconhecer a discrepância de tratamento entre o homem e a mulher. A investigação sobre o feminicídio partiu do reconhecimento de que no México, assim como no mundo em graus diversos, todas as mulheres vivemos formas de violência de gênero no curso das nossas vidas, e muitas mulheres vivemos, ademais, violência de classe, racista, religiosa, judicial, jurídica, política ou
(^6) GOMES, L.F. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei 13.104/2015. Disponível em < http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-asquestoes- controvertidas-da-lei-13104-2015> site jusbrasil – 2015. Acesso em 10/11/2015 - GRECO, Rogério. Disponível em http://www.impetus.com.br/artigo/866/feminicidio--- comentarios-sobre- a-lei-n-13104-de-9-de-marco-de-2015. Acesso em 08/11/
cultural. É evidente a simultaneidade e o cruzamento de diversas formas de violência ligadas a diversas formas de opressão social. [...] Consideramos que é neste marco que deve ser explicado o feminicídio (LAGARDE, 2004, p. 223). Essa forma de assassinato é algo que vem marcado por ocorrências anteriores, até chegar de fato na morte da parceira. È um processo continuo cujas raízes estão entranhadas em uma sociedade machista, que não aceita a evolução da mulher. Um terço dos homicídios de mulheres no mundo, são cometidos por companheiros, enquanto apenas 5% dos assassinatos de homens são cometidos pela sua companheira. Uma jovem de 22 anos foi assassinada com quatro tiros ao sair da delegacia da Polícia Civil após prestar queixa por estar sendo perseguida pelo ex namorado, na tarde desta quinta-feira, 14, em São Manuel, interior de São Paulo. Adrielli Eduarda Rodrigues da Cruz ainda foi socorrida e levada para um hospital, mas não resistiu. Minutos antes de receber os tiros, a jovem fotografou o ex em uma motocicleta e enviou a foto para a família, como prova da perseguição. O suspeito do crime, Cristiano Gomes, está foragido. (TOMAZELA,2019). Existe uma projeção da Organização Mundial de Saúde de que 70% de todas as mulheres no mundo sofreram ou irão sofrer alguma violência em suas vidas, no Brasil estimasse que um terço das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência. A cada 5 minutos, uma mulher é vítima de agressão, sendo que em 70% dos casos o agressor é namorado, marido ou ex-marido. (ROSARIO, 2015, texto digital). Vale ressaltar que esse é um crime de discriminação, por si só o fato de ser mulher e estar em um relacionamento abusivo já pode levar a culminação das vias de fato que são abordadas pela Lei Nº13.104 que diz: LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2º - A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar. 7
(^7) LEI 13.104/2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13104.htm. Acesso em 01/10/
Vale também observar que essa histórica luta contra a violência em desfavor da mulher é iniciada com a busca incessante de justiça pela Maria da Penha, uma mulher que foi agredida, colocado em uma cadeira de rodas, e que viu a justiça ser omissa por um longo período com seu ex marido. Sua busca por justiça ao longo de 19 anos e 6 meses trouxe uma nova ótica a legislação brasileira, ela foi brutalmente agredida por seu ex marido, primeiro com um tiro que há deixou paraplégica, depois ele tentou matar ela eletrocutada. O primeiro julgamento que seu ex marido teve foi no ano de 1991, onde este saiu em liberdade do fórum, mesmo tendo sido condenado há 15 anos de prisão, sua defesa conseguiu reverte e essa foi a sua primeira derrota judicial contra ele. O segundo julgamento se deu em 1996 onde a pena foi reduzida para 10 anos e alguns meses, com a alegação de irregularidades processuais, novamente ele saiu em liberdade e a sentença não foi cumprida. No ano de 1998 o caso em tela foi denunciado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Unidos, mesmo com os vários pactos assinados pelo Estado Brasileira, durante o processo este sempre foi omisso, não se pronunciando em nenhum momento. Até que chegamos no ano de 2001 onde o Estado Brasileira foi condenado por negligência, omissão e tolerância em relação a violência doméstica praticada contra a mulher. Este foi um momento ímpar, onde o país teve que se posicionar e criar meios efetivos para a proteção da mulher e impedir que crimes como esse continuassem a acontecer nos nosso meio social, foram recomendadas a criação de uma lei e que o processo judicial tivesse uma atenção maior e que fossem sanados qualquer motivo de atraso para o julgamento, que se explicasse o motivo das irregularidades penais e que fossem punidos os que tivessem que ser punidos. No Brasil a modalidade preocupante é o assassinato praticado por parceiro íntimo cometido dentro do espaço familiar e doméstico, acreditam-se que as mulheres que denunciam seus parceiros, correm mais risco de serem assassinadas, em números são cerca de 34,2% de agressões e 21,7% de ofensas sexuais ocorridas nesse ambiente, espantosamente o índice de
mulheres que se diz conhecer o agressor chega a 63, 3%. Ou seja, de 13 assassinatos de mulheres por dia, 7 aconteceram por pessoas que mantiveram e/ou manteve relação com o agressor (PRADO; SANEMATSU, 2017). Através destes fatos começamos a obter uma evolução social de combate aos crimes contra a mulher e mesmo que tenha sido apenas o início, mesmo sendo um início tímido e praticamente obrigado pela corte internacional, uma nova lei foi criada. Assim em 7 de Agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva Sancionou a lei 11.340, mais conhecida como lei Maria da Penha onde se diz que:
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo- lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A transexualidade não deve ser encarada pelo prisma dos olhos alheios, ela deve ser observada da forma que a pessoa se enxerga e com a aceitação jurídica da mudança de sexo, a sociedade tem por si um preconceito intrínseco e por vezes acaba não aceitando o direito sendo aplicado nestes casos. Hoje já e possível ver que até o judiciário aceita que casos com transgêneros pode e deve ser considerado feminicidio, inclusive a terceira turma do tribunal de justiça do distrito federal manteve por unanimidade uma decisão do juiz presidente do tribunal do júri de Taguatinga que admitiu denúncia do mistério público por tentativa de feminicidio. O primeiro registro de um transexual como vítima de Feminicídio: No âmbito do judiciário, a. Em outubro de 2016, o Ministério Publico (MP) de São Paulo denunciou pelo crime de Feminicídio o ex- companheiro de uma transexual morta a facadas por ele em fevereiro daquele ano. O crime aconteceu na Chácara Bandeirantes, Zona Sul da capital paulista. Ele mantinha uma relação havia 10 anos com a vítima quando o crime ocorreu. Segundo o MP, a denúncia reflete a interpretação da Lei Maria da Penha, que caracteriza como violência doméstica sofrida pela mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". Quando há alteração no registro civil de homem para mulher e quando há uma autodeterminação no campo psicológico, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídico, como uma mulher. Para a promotora Silvia Chakian, coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVID), do MP, houve um amadurecimento da Polícia Civil para reconhecer uma transexual como vítima de feminicídio. A promotora ainda comenta: "É positivo já receber o registro adequado desde o início, mostra um amadurecimento. Na época em que a lei foi publicada, havia uma resistência. Questionavam porque precisávamos de uma 'lei sexista', que dá uma valoração diferente para essas mortes" (ACAYABA; ARCOVERDE, 2019).^11
Em 29 de Janeiro de 2021 foi votado pela quinta turma do Superior Tribunal de Justiça um Habeas Corpus nesse caso, em votação unanime foi rejeitado e continua sendo reconhecida a tentativa de feminicidio em razão da transexual. No ano de 2018 quando o referido caso aconteceu uma das falas repetidas durante a agressão era para o transexual “virar homem”, fato este
(^11) ACAYABA, Cíntia; ARCOVERDE, Léo. Polícia de SP registra 1ª transexual como vítima de feminicídio; casos aumentam 54% no 1º quadrimestre. 2019. Disponível em:. Acesso em: 29/10/
que demonstra a motivação explicita na conduta dos agressores e que deixa claro que o motivo do ódio na agressão foi a sua mudança de sexo. Vale ressaltar que transgêneros são aqueles que não se reconhece com o gênero que nasceu, isso nada tem a ver com o psicológico e o sexo biológico podendo ser uma travesti, uma mulher transexual ou um homem transexual. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o transexualismo é reconhecido como uma patologia, podendo ser conceituado como a vontade de viver e ser aceito como membro do sexo oposto, acompanhado, geralmente, do desejo de fazer com que o corpo seja o mais próximo daquele que sonha, seja por cirurgia, seja por tratamento hormonal. Fixa-se, ainda, o prazo de dois anos de continuidade do desejo de mudança de sexo, e que não haja sintoma de qualquer outro transtorno mental. Isso quer dizer que a pessoa nasce com características físicas de um sexo, mas pensa e se comporta como uma pessoa do sexo oposto, não se confundido o transexualismo com a homossexualidade. A alma, a essência, é de um sexo, porém, o corpo físico indesejado é de outro sexo (LENZA, 2013). A transexualidade e a não identificação com sua identidade genética e anatomia do seu gênero, tendo reconhecimento psicológico com o gênero oposto, é basicamente uma desarmonia entre a identidade sexual física e seu psicológico, onde a pessoa não se reconhece. [...] não desconheço o sofrimento e a dura realidade dos pacientes portadores de transexualismo (patologia devidamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde), que se submetem a programas de transtorno de identidade de gênero em hospitais públicos, a entrevistas individuais e com familiares, a reuniões de grupo de acompanhamento por equipe multidisciplinar, nos termos da Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de realizar a cirurgia de transgenitalização, as pessoas que merecem todo o respeito por parte da sociedade brasileira e do Poder Judiciário (GRACIE, 2009, p. 8, apud LENZA, 2013, p. 955). Tendo em vista que existe uma luta diária entre o ser e o que não é, podendo assim, ter na cirurgia de mudança de sexo um acalento para adaptação do seu estado físico e mental.
“Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”^14
A cirurgia de transgenitalização, também conhecido como redesignação sexual, que ocorre com a neocolpovulvoplastia, que é a cirurgia de alteração da genitália masculina para feminina, poderá ser efetuado em hospitais públicos ou privado, independente da atividade de pesquisa. Já a neofaloplastia que é de maneira inversa, muda o aparelho feminino para o masculino, e só poderá ser realizada em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa. Em nenhuma dessas cirurgias, não precisa da autorização judicial. (FARIAS; ROSENVALD, 2011).
6. Mudança do Registro Civil Uma conquista muito importante para exemplificar a evolução social no caso em tese, foi a conquista da mudança no registro civil do nome e do sexo, vale ressaltar que o artigo 16 do Código Civil dispõe que:
“Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Apesar dessa conquista ainda exige algumas características especificas até chegar ao ponto de usufruir a nova conquista, tem que ser buscado por meio do poder judicial.
A lei 6.015/1973, em seu artigo 58, fala sobre o prenome, colocando como definitivo, e tão somente em casos de extrema excepcionalidade ocorreria tal mudança, podendo ser modificado por apelidos públicos e notórios.
Em 09 de maio de 2017, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que através da comprovação judicial de sua mudança de sexo o transexual poderá modificar o prenome que consta no seu registro civil e sua sexualidade e mesmo que de forma sigilosa a averbação do registro civil não
(^14) BRASIL. Artigo 13 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 Código Civil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10729912/artigo- 13 - da-lei-n- 10406 - de- 10 - de-janeiro-de- 2002 > Acesso em 10/10/ 2021
poderá abranger a denominação transexual, o sexo biológico e os motivos de modificação. Para Salomão (2018);
“A recusa da alteração de gênero de transexual com base na falta de realização de cirurgia de transgenitalização ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. (…) A compreensão de vida digna abrange, assim, o direito de serem identificados, civil e socialmente, de forma coerente com a realidade psicossocial vivenciada, a fim de ser combatida, concretamente, qualquer discriminação ou abuso violadores do exercício de sua personalidade”^15 Existiu uma nova alteração no ano de 2018 onde os trans não precisam da cirurgia para alteração do registro civil, através da ADI 4275 obtiveram esse direito, nessa ADI se diz que:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES. 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por auto identificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente. (STF - ADI: 4275 DF - DISTRITO FEDERAL 0005730-88.2009.1.00.0000, Relator: Min. MARCO (^15) STJ. Quarta turma decide se retificação de sexo em registro civil exige cirurgia. Portal STJ, 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-10-11_08- 27_Quarta-Turma-decide-se-retificacao-de-sexo-em-registro-civil-exige-cirurgia.aspx>. Acesso em: 28/
Sendo assim, temos duas correntes jurídicas para argumentar sobre o assunto, a primeira que diz que a mulher trans pode figurar como sujeito passivo no feminicidio, onde somente aqueles que tiverem seus nomes e sexo no registro original poderiam ser beneficiados pela lei, ao mesmo tempo que isso gera um distúrbio jurídico, sendo deixado ao legislador aplicar ou não em benefício do transexual. Logo, partindo dessa premissa não é possível esticar critérios que não seja o jurídico, devendo ser interpretada o mais restringido que puder, vê-se que ao proteger a dignidade do transexual possivelmente pode vir a afrontar outra dignidade (GURGEL, 2009)^17 Devemos observar que na doutrina atual os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana se encaixariam bem em tela, pois o transexual tem direito de ter um tratamento digno. Temos que observar que a própria justiça vem respeitando esse fator, deixando claro na ADI 4275 onde os Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski reconheceram o direito da mudança de nome no registro civil mesmo sem a operação. Existem também casos da aplicação da Lei Maria da Penha nos tribunais mineiros, deixando claro a inerência de direitos adquiridos, onde o transexual foi compreendido como mulher. Por isso fica evidente que na corrente moderna, aquele transexual que por algum motivo comprovar a sua opção abarca nos direitos proporcionados por tal lei e se torna objeto de tal, figurando como vítima do crime de feminicido, se assim ocorrer. O crime de feminicídio pode ser cometido por qualquer pessoa, seja homem ou mulher. No §7°, artigo 121 do Código Penal, também acrescentado pela Lei n°. 13.104/2015, dispõe sobre a pena do feminicídio que será aumentada de 1/ até a metade quando for praticado:
“§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
(^17) GURGEL Patrícia da Cunha. A mudança de nome e sexo do transexual e os seus reflexos na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), 2009, Disponível em < https://jus.com.br/artigos/12614/a-mudanca-de-nome-e-sexo-do-transexual-e-os-seus- reflexos-na-lei-de-registros-publicos-lei-no-6-015-73/1>. Acesso em 30/10/
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;” Nos incisos I e II do §7° do art. 121 do CP, para que o autor do feminicídio possa ter a sua pena aumentada, é necessário que ele tivesse conhecimento que a vítima estava gravida ou que havia realizado seu parto há 3 meses, ou que a vítima era menor de 14 anos ou maior de 60. (GRECO, 2017).^18
8. A aplicabilidade da lei para mulheres
O crime do feminicidio para acontecer tem como premissa que a condição seja sexo feminino e que a vítima seja mulher, dessa forma como podemos observar quem pode figurar como sujeito passivo no feminicidio. Prado (2017) menciona que o crime de feminicídio como sendo de motivo abominável, indigno e desprezível, que repugna ao mais elementar sentimento ético. O motivo torpe causa proeminente repulsa, sobretudo pela ausência de sensibilidade moral do executor. Com muita propriedade relata que a incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade. Na hipótese de relação homoafetiva entre mulheres, por sua vez, é absolutamente irrelevante quem exerça o papel feminino ou masculino no quotidiano de ambas, pois, em qualquer circunstância, ocorrendo um homicídio, nas condições definidas no texto legal, estará configurada a qualificadora do feminicídio. (CUNHA, 2017, P. 23) Para os doutrinadores mais conservadores, é definida como mulher a sua concepção genética ou cromossômica. Esse critério reconhece homem ou mulher pelo sexo morfológico, genético e endócrino. Para esses doutrinadores a cirurgia de redesignação sexual, a neocolpovulvoplastia modifica a estética, porém não altera a concepção genética, que mesmo alterando o órgão genital,
(^18) GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. Niterói, RJ: Impetus, 2017.