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Análise de Custos e Benefícios em Decisões Legislativas: Externalidades e Corrupção, Notas de estudo de Direito

Este documento discute o papel dos custos e benefícios privados e sociais na tomada de decisões, utilizando o exemplo da atividade criminosa e a corrupção. O texto analisa o modelo de eficiência de kaldor-hicks e sua importância na análise de políticas públicas e proposições legislativas. Além disso, o documento aborda a importância de considerar vieses cognitivos e a utilidade da análise de cenários para lidar com a incerteza.

O que você vai aprender

  • Como os agentes podem ignorar custos e benefícios sociais ao tomar decisões?
  • Como a corrupção afeta a análise de custos e benefícios de políticas públicas?
  • Qual é a importância de considerar vieses cognitivos na análise de custos e benefícios de políticas públicas?
  • Qual é a utilidade da análise de cenários na avaliação de políticas públicas?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pernambuco
Pernambuco 🇧🇷

4.2

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Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015
BENJAMIN MIRANDA TABAK
A Análise Econômica do Direito
Proposições legislativas e políticas públicas
Benjamin Miranda
Tabak é Benjamin
Miranda Tabak é
Consultor Legislativo
do Senado Federal
na área de Política
Econômica e Sistema
Financeiro e professor
da Universidade
Católica de Brasília.
Sumário
1. Introdução. 2. A Análise Econômica do Direito (AED). 3. A AED,
proposições legislativas e políticas públicas. 4. Análise de custo-benefício.
4.1. Valoração contingencial. 4.2. Modelos hedônicos de apreçamento. 4.3.
Taxas de desconto. 5. Análise Econômica do Direito Comportamental. 6.
Processo legislativo, medidas provisórias e AED. 6.1. Análise de alguns
aspectos da Medida Provisória (MPV) no 651/2014. 7. Considerações
finais.
1. Introdução
Este texto aborda uma área emergente do direito, conhecida como
Análise Econômica do Direito (AED) e discute seu impacto para a ava-
liação de proposições legislativas, políticas públicas e para o direito em
geral. AAED pressupõe a aplicação da teoria econômica para examinar
as leis, instituições legais e políticas públicas (GICO JUNIOR, 2010;
COOTER; ULEN, 2010; POSNER, 2007; SHAVELL, 2004).
A análise de proposições legislativas requer inicialmente a avaliação
da constitucionalidade, juridicidade, legalidade e boa técnica legislativa
(OLIVEIRA, 2014)1. Não obstante, do ponto de vista da AED, é preciso
ir além ao analisar proposições legislativas e políticas públicas.
A AED procura responder a algumas perguntas essenciais. Primei-
ramente, quais são os efeitos das regras jurídicas sobre as decisões dos
agentes? Segundo, esses efeitos são socialmente desejáveis? Ainda, uma
1 Veja ainda a Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a
elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.
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Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 321 BENJAMIN MIRANDA TABAK

A Análise Econômica do Direito

Proposições legislativas e políticas públicas

Benjamin Miranda Tabak é Benjamin Miranda Tabak é Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Política Econômica e Sistema Financeiro e professor da Universidade Católica de Brasília.

Sumário

  1. Introdução. 2. A Análise Econômica do Direito (AED). 3. A AED, proposições legislativas e políticas públicas. 4. Análise de custo-benefício. 4.1. Valoração contingencial. 4.2. Modelos hedônicos de apreçamento. 4.3. Taxas de desconto. 5. Análise Econômica do Direito Comportamental. 6. Processo legislativo, medidas provisórias e AED. 6.1. Análise de alguns aspectos da Medida Provisória (MPV) no^ 651/2014. 7. Considerações finais. 1. Introdução Este texto aborda uma área emergente do direito, conhecida como Análise Econômica do Direito (AED) e discute seu impacto para a ava- liação de proposições legislativas, políticas públicas e para o direito em geral. A AED pressupõe a aplicação da teoria econômica para examinar as leis, instituições legais e políticas públicas (GICO JUNIOR, 2010; COOTER; ULEN, 2010; POSNER, 2007; SHAVELL, 2004). A análise de proposições legislativas requer inicialmente a avaliação da constitucionalidade, juridicidade, legalidade e boa técnica legislativa (OLIVEIRA, 2014)^1. Não obstante, do ponto de vista da AED, é preciso ir além ao analisar proposições legislativas e políticas públicas. A AED procura responder a algumas perguntas essenciais. Primei- ramente, quais são os efeitos das regras jurídicas sobre as decisões dos agentes? Segundo, esses efeitos são socialmente desejáveis? Ainda, uma (^1) Veja ainda a Lei Complementar no (^) 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.

322 Revista de Informação Legislativa das questões centrais é como desenhar políticas, leis, instituições que gerem os incentivos “corretos” aos agentes econômicos.^2 Para responder a esses questionamentos, é possível utilizar ferramen- tas disponíveis na economia^3. Em particular, parte-se da premissa de que os agentes são racionais e olham para o futuro. Ao tomarem decisões, levam em consideração seus custos e benefícios privados. O objetivo dos agentes, então, é o de maximizar seus benefícios incorrendo no menor custo possível. Por exemplo, ao decidir quanto produzir, uma firma compara os benefícios e custos adicionais de produzir uma unidade a mais. Esses benefícios e custos adicionais são denominados benefícios e custos marginais. A “regra de ouro” é a de que os custos marginais devem se igualar aos benefícios marginais para que se encontre o ponto de equilíbrio. Isto ocorre porque, se o benefício marginal é maior que o custo marginal, então uma unidade produzida a mais gera mais benefício que custo. Nesse caso, a firma é induzida a aumentar sua produção. Por outro lado, se o custo marginal é maior que o benefício marginal, a firma reduzirá seu nível de produção e aumentará seu benefício líquido. Isso vale para consumidores, trabalhadores, empresas e agentes econômicos em geral (COOTER; ULEN, 2010)^4. Esse comportamento maximizador levanta uma série de questões no desenho de políticas públicas e normas legais em geral. Em particular, ao avaliar seus custos e benefícios privados, os agentes podem acabar por ignorar eventuais custos e benefícios sociais, gerando externalidades, que podem ser negativas para a sociedade^5. Ainda, os agentes podem não ser totalmente racionais e incorrer em vieses de julgamento, o que (^2) Um exemplo seria o desenho de uma lei que tem como objetivo reduzir determinado tipo de crime. Os reincidentes devem sofrer maior punição do que aqueles que cometem o crime pela primeira vez? Mungo (2014) analisa um modelo em que os potenciais criminosos comparam custos e benefícios da atividade criminosa ao decidir se infringem ou não a lei. Ele sugere que, se a sanção para aqueles que são reincidentes for suficientemente alta, então é possível reduzir a criminalidade. Nesse caso, a incidência de crimes se reduz pelo alto custo de ser considerado reincidente. Dessa forma, aumentar a punição para os reincidentes leva a um desincentivo a cometer crimes, o que pode levar a uma queda na criminalidade. (^3) A teoria econômica procura prever o comportamento dos agentes econômicos. A introdução de normas legais ou políticas públicas afeta os incentivos aos quais os agentes estão expostos, levando a alterações na tomada de decisão por parte dos agentes. Assim, usando-se a teoria econômica, é possível antever, em algum grau, o potencial efeito da introdução das referidas normas ou políticas. (^4) Os trabalhadores decidem quanto trabalhar escolhendo entre renda e lazer, consumi- dores maximizam sua satisfação (utilidade) escolhendo sua cesta de consumo, investidores maximizam seu retorno esperado escolhendo ativos financeiros. Desse modo, os agentes econômicos procuram maximizar uma função objetivo sujeita às restrições impostas pela economia. Se os agentes se comportam dessa forma, então é possível prever suas ações e suas reações a variações exógenas (choques) no sistema econômico. Assim, leis ou políticas públicas que afetam variáveis econômicas devem ter efeitos sobre as decisões dos agentes econômicos. (^5) Esta é uma falha de mercado importante e pode requerer a ação do Estado.

324 Revista de Informação Legislativa públicas. Os custos de transação podem ser vistos como custos em que os agentes incorrem para poder realizar trocas em uma economia. Existem vários tipos de custos de transação em uma economia. Os mais importantes são as assi- metrias informacionais, os custos de barganha, os custos legais e os custos de busca. A existência de custos de transação relevan- tes pode levar a economia a ficar aquém do seu potencial – revelando ineficiências importantes que, na ausência desses custos, poderiam ser eliminadas. Dessa forma, as proposições legislati- vas e as políticas públicas deveriam, sempre que possível, reduzir eventuais custos de transação. Um dos objetivos das proposições legislati- vas e das políticas públicas, portanto, é aumen- tar a eficiência da economia, levando a maior bem-estar. Definimos a seguir o que vem a ser eficiência na ótica da AED. O conceito de eficiência de Pareto é muito utilizado pelos economistas para denotar uma situação em que não é possível melhorar a si- tuação de um agente sem piorar a situação de, pelo menos, outro agente. Por exemplo, se for possível promover uma redistribuição da rique- za entre os agentes, de modo que alguns fiquem em situação melhor sem que haja piora na situa- ção dos outros agentes, temos uma melhoria de Pareto. Pode-se associar a eficiência de Pareto à unanimidade. Ao introduzir determinada polí- tica pública ou norma legal se todos os agentes que são afetados estão em situação melhor ou pelo menos igual, considera-se que essa intro- dução foi eficiente no sentido de Pareto. O problema dessa definição é que, em geral, a introdução de normas jurídicas leva a que existam potenciais ganhadores e perdedores. Nesse caso, um conceito mais geral de eficiência precisa ser utilizado. Um dos mais conhecidos é o de Eficiência de Kaldor-Hicks, que é definido como a confrontação dos benefícios e custos sociais de determinada norma. A introdução de uma norma jurídica gera benefícios para alguns agentes e custos para outros agentes. Caso o benefício total seja maior que o custo total da introdução de determinada norma, essa é eficiente no sentido de Kaldor-Hicks. Assim, a noção de eficiência está intima- mente relacionada à maximização de bem-estar da sociedade. Quando uma determinada pro- posição legislativa é eficiente, ela proporciona um aumento de bem-estar para a sociedade. Um exemplo de uma política pública que pode levar a um aumento de eficiência é a construção de uma usina hidrelétrica. Como ela proporciona mais energia para determinadas comunidades, e essa pode ser inclusive mais ba- rata, a construção da usina leva a determinado benefício social. Em geral, porém, construções dessa natureza implicam custos ambientais, em virtude do alagamento de determinadas áreas, deslocamentos de pessoas que vivem em regiões a serem alagadas e assim por diante. No caso do benefício ser maior do que os custos gerados, então a construção da usina é eficiente (Kaldor- -Hicks). Contudo, existe uma assimetria entre os agentes, pois os consumidores que receberão essa nova energia sairão ganhando, mas a popu- lação que foi deslocada pode perder. Se a situação é eficiente no sentido de Kaldor-Hicks, os benefícios sociais são maiores que os custos sociais. Assim, os ganhos dos consumidores são maiores que as perdas da população que vivia naquela localidade. Fica claro que é possível realizar uma transferência dos agentes que ganham com a medida para os agentes que perdem, de modo a atingir uma situação eficiente no sentido de Pareto^7. Assim, embora o conceito de eficiência de Kaldor-Hicks exija que a maioria se beneficie (^7) A eficiência de Pareto é mais restritiva. Exige-se, nesse caso, que nenhum agente piore de situação em virtude da introdução da norma legal.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 325 com determinada medida e que possa haver agentes que saiam perdendo, é sempre possível realizar uma redistribuição dos recursos de forma a tornar essa medida eficiente no sentido de Pareto.

3. A AED, proposições legislativas e políticas públicas Em geral, é possível utilizar a teoria econômica para analisar propo- sições legislativas e políticas públicas. Caso essas aumentem o bem-estar e promovam a eficiência, então deveriam ser adotadas pela sociedade. Ao analisar determinado projeto de lei, por exemplo, a questão, na ótica da AED, é se essa norma é mais eficiente do que a situação no status quo. Caso a norma seja eficiente, então ela deve ser introduzida, uma vez que é possível aumentar o bem-estar da sociedade. Suponha que o legislador tenha o diagnóstico de que a corrupção em determinados setores do governo se encontra em níveis elevados. Nesse caso, seria necessário aumentar o controle social sobre práticas de corrupção para coibi-las. O objetivo de uma proposição legislativa pode ser o de reduzir a corrupção, e um dos elementos essenciais para coibir essa prática seria o de aumentar a participação da sociedade por meio de denúncias. O diagnóstico inicial é que o número de denúncias é baixo e poderia ser incentivado. Bugarin e Vieira (2008) e Bugarin (2013) analisam esse caso usando AED^8. Suponha que uma pessoa precisa decidir se denuncia ou não um caso de corrupção de que teve conhecimento. A teoria econômica pre- diz que ela vai analisar os custos e benefícios de fazê-lo. O benefício de denunciar é da sociedade, pois essa ganha quando a corrupção diminui e os recursos públicos são alocados de forma eficiente. Assim, embora o benefício social possa ser grande, o benefício privado para essa pessoa tende a ser pequeno. O problema é que, ao denunciar, a pessoa incorre em custos priva- dos, que podem ser altos. Por exemplo, ela precisa reunir evidências de corrupção, muitas vezes tem de se expor, o que pode gerar represálias dos envolvidos direta e indiretamente. Caso os custos privados excedam os benefícios privados, o melhor a fazer para qualquer pessoa é esquecer o assunto e não fazer a denúncia. Contudo, a sociedade perde nesse caso, pois os custos sociais são elevados (^8) Bugarin (2013) foca no caso recente de proposição legislativa aprovada na Câmara Legislativa do DF em 2013, que premiava delatores de esquemas de corrupção com 10% do valor desviado. O então governador do DF vetou o projeto argumentando que a de- núncia de crimes de corrupção deveria partir da consciência cívica, e não da obtenção de vantagens financeiras pessoais.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 327 Y. (2006) discutem dois vieses cognitivos deno- minados de pessimismo e projeção. O viés do pessimismo evidencia que os agentes tendem a superestimar a violação das normas sociais pelas outras pessoas. O viés da projeção (co- nhecido como viés do falso consenso) se refere à tendência dos agentes a acreditar que as outras pessoas agem da mesma maneira que eles. Esses vieses sugerem que muitas denúncias podem ser vazias e não levar a nada. Na realidade, depende muito das pessoas que realizam as denúncias, de seus vieses e de como esses interagem entre si^12. Como, então, desenhar leis e mecanismos de incentivo que gerem “equilíbrios bons”^13? De acordo com a teoria do Ponto Focal da Conformidade Legal (Focal Point Theory of Legal Compliance), as leis podem ser usadas para coordenar expectativas em um equilíbrio benéfico para a sociedade (MCADAMS, 2000; MCADAMS; NADLER, 2005). A lei pode ser vista como uma ferramenta para facilitar a cooperação entre os indivíduos de uma sociedade. As sanções legais alteram a estrutura de incentivos de modo a que os agen- tes entrem em arranjos que sejam ótimos no sentido de Pareto. Outro efeito importante da lei é facilitar a coordenação. A lei, ao ser anun- (^12) Nesse caso, se a recompensa pela denúncia for su- ficientemente alta, é possível que o número de denúncias se eleve demasiadamente gerando custos elevados para os órgãos de controle. Em cada caso de denúncia, os órgãos de controle precisam abrir uma sindicância, avaliar se de fato a denúncia procede, calcular os valores envolvidos e assim por diante. Para levar adiante um processo, faz-se necessário avaliar os custos e benefícios envolvidos. Não apenas os diretos, mas também os indiretos – para a sociedade, o efeito de perceber que determinados desvios de conduta não são toleráveis pode ser extremamente benéfico. (^13) Embora a teoria econômica seja extremamente útil para pensar como os agentes levam custos e benefícios em consideração na tomada de decisão, existe uma série de parâmetros que precisam ser definidos – por exemplo, os valores das recompensas. São necessários experimentos (randomizados controlados) para calibrar esses parâmetros de forma a maximizar o bem-estar para a sociedade. Volta- remos a esse ponto mais adiante, quando os experimentos forem mais bem detalhados. ciada, se torna informação comum e alinha, em algum grau, o comportamento dos agentes com as expectativas do governo. Dessa forma, já começa a ocorrer alguma conformidade com a lei, independentemente da ameaça de san- ções que possam advir da nova lei. A lei tem o potencial de influenciar o comportamento dos agentes construindo um ponto focal. McAdams (2000) utiliza um experimento para evidenciar esse efeito. Em geral, para que se maximize o bem- -estar da sociedade, as proposições legislativas e as políticas públicas devem passar por uma análise de custo-benefício A seguir essa análise é apresentada.

4. Análise de custo-benefício O Decreto Federal nº 4.176, de 28 de março de 2002, “estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a redação, a alteração, a consoli- dação e o encaminhamento ao Presidente da República de projetos de atos normativos de competência dos órgãos do Poder Executivo Fe- deral, e dá outras providências” (BRASIL, 2012). Em seu anexo, o decreto apresenta questões que devem ser analisadas na elaboração de atos normativos no âmbito do Poder Executivo. O texto é claro em enfatizar a importância de se realizar uma análise de custo-benefício para se avaliar a pertinência dos projetos de atos normativos. Em particular, busca-se avaliar diferentes alternativas para que a de melhor custo-benefício seja efetivamente introduzida. A análise de custo-benefício pressupõe a confrontação de todos os custos e benefícios gerados pela introdução da norma legal. As- sume-se que os custos agregados gerados pela política pública ou norma legal sejam iguais a Ct, onde t representa o instante de tempo em que se incorre nesses custos. Da mesma forma, os benefícios gerados pela medida são dados por

328 Revista de Informação Legislativa Bt. Esses custos e benefícios ocorrem em instantes distintos do tempo e, para avaliar se os benefícios compensam os custos, calcula-se o valor presente dos benefícios líquidos descontados no tempo (VPBL): Sempre que o valor presente dos benefícios líquidos é positivo, a soma dos benefícios é maior que a soma dos custos, e a política pública gera valor para a sociedade. A variável “i” é a taxa de desconto intertempo- ral. Da mesma forma, esse raciocínio pode ser estendido a proposições legislativas. O critério do custo-benefício pode ser visto como uma análise de eficiência a la Kaldor-Hicks. Os benefícios e custos sociais correspondem à agregação dos benefícios e custos dos indivíduos que são afetados pela política. Em geral, a taxa de desconto dá uma ideia do grau de impaciência dos agentes em uma economia. Por exemplo, assume-se que existem duas gerações. Uma geração que vive em t=0, e a próxima geração que viverá em t=1. A política gera custos em t = 0 (agora) e benefícios apenas no futuro t=1 (próxima geração). O VPBL é dado por Fica claro, nesse exemplo, que a taxa de desconto exerce papel funda- mental no resultado. Pode-se pensar, de maneira simplificada, o caso de uma política cujo objetivo seja melhorar a qualidade do ar das cidades para a próxima geração e que implica criar uma série de restrições às empresas poluidoras neste momento, impondo custos para a geração presente. Considerando que o custo dessa política seja de R$1,00 e o benefício gerado para a próxima geração seja de R$1,10, o que vai determinar a viabilidade dessa política, do ponto de vista da análise de custo-benefício, é a taxa de desconto. Caso a taxa de desconto seja menor que 10% durante esse período, então o VPBL será positivo, e os benefícios compensam os custos. Se a taxa for maior que 10%, o VPBL será negativo. Ainda, a determinação dos benefícios futuros pode não ser tarefa trivial. Na realidade, pode-se ter uma distribuição de probabilidades associada a possíveis benefícios. Não obstante, é possível determinar nesse caso qual o valor esperado dos benefícios líquidos, usando, por

330 Revista de Informação Legislativa que, em geral, projetos de lei e políticas públicas geram efeitos redistributivos. Em geral, utiliza- -se a eficiência de Kaldor-Hicks para avaliar se a proposição traz mais benefícios que custos para a sociedade. No caso de uma proposição que é eficiente no sentido de Kaldor-Hicks, os benefícios são maiores que os custos para a sociedade. Assim, embora possa haver grupos que percam com a proposição, seria possível, em tese, compensar os perdedores de modo a que todos saiam ganhando (compensação hicksiana). Esse ra- ciocínio sugere que a proposição deveria ser implementada, mesmo que a compensação não seja de fato realizada. Na realidade, em muitas situações, é impraticável introduzir essa compensação. Esse problema nos remete ao argumento de Arrow (1963) de que qualquer função de esco- lha de bem-estar social baseada em preferências individuais deveria possuir a característica de ser independente de alternativas irrelevantes. Assim, se essa compensação hicksiana não será implementada com alta probabilidade, ela pode ser considerada uma alternativa irrelevante e não deveria ser levada em consideração. Como então introduzir questões distributi- vas em uma análise de custo-benefício? Brent (2009) responde a essa questão utilizando um sistema de ponderação. Por exemplo: supo- nha que existam duas populações que serão afetadas pela proposição. De um lado, temos pessoas mais carentes (P) e, de outro, pessoas mais abastadas (R). Assuma que a renda de cada um desses grupos seja dada por YP e YR, respectivamente. Temos que a renda total da economia será dada por W = YP + YR. Assim, mudanças na renda são denotadas por ∆W = ∆YP + ∆YR, onde ∆ denota variação. Podemos assumir que a proposição aumente a renda do grupo de pessoas carentes. Os benefícios B são dados por B = ∆YP. Ao mesmo tempo, a renda do grupo R cai em função da proposição. Nesse caso, os custos da proposição podem ser dados por C = ∆YR. A análise de custo-benefício simples utiliza o critério ∆W = B – C para decidir se a propo- sição traz benefícios líquidos para a sociedade. Na realidade, agora temos que ∆W = B – C = ∆YP – ∆YR. Podemos definir os pesos para cada grupo como sendo aP e aR, e a variação da renda seria dada por ∆W = aP B – aR C = aP ∆YP – aR ∆YR, onde os pesos aP e aR denotam a utilidade marginal social da renda para cada um dos grupos^15. Vale dizer aP > aR, pois o grupo P dá mais valor a ganhos incrementais de renda do que o grupo R (hipótese de utilidade marginal social da renda decrescente). Nesse caso, a análise de custo-benefício tem dois objetivos primordiais: 1) alcançar a efici- ência analisando todos os custos e benefícios, e

  1. maior igualdade – que seria alcançada dando pesos diferentes aos grupos que são afetados pelas medidas. Esse tipo de análise pode ajudar a justificar proposições que transfiram renda de um grupo mais abastado para outro mais carente. No The Green Book (2011) do Reino Unido, temos uma primeira aplicação desse tipo de análise de custo-benefício. Ele propõe que se use como peso a razão entre a renda das famílias e a renda mediana. Assim, famílias com renda mais baixa teriam ponderação maior, enquanto famí- lias mais abastadas teriam ponderação menor. Brent (2009) analisa essa metodologia de ponderação e argumenta que as ponderações podem se alterar ao longo do tempo, à medida que a distribuição de renda se altera. Assim, (^15) A utilidade marginal da renda corresponde ao acréscimo de utilidade para cada unidade a mais de renda.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 331 é importante não apenas determinar a renda relativa em determinado instante do tempo para construir as ponderações, mas também avaliar como essas podem se alterar dinamicamente no tempo. Exemplos concretos do uso da análise de custo-benefício são: 1) área da saúde (ZWEIFEL; TELSER, 2009); 2) tratamento de abuso de uso de entorpecentes (CARTWRIGHT, 2009); 3) avaliação de transportes (NASH; LAIRD, 2009); 4) projetos ambientais (BRENT; THEMELI, 2009); 5) regulação financeira (HONOHAN, 2009); 6) mercado de tra- balho (CAMPOLIETI; GUNDERSON, 2009); 7) políticas educacionais (JIMENEZ; PATRINOS, 2009). Um aspecto relevante da análise de custo-benefício é que podem existir outros objetivos para as proposições ou políticas públicas, além da busca da eficiência e equidade. Nesse sentido, a análise de custo-benefício é um elemento importante, mas não necessariamente deve ser visto como ex- clusivo. O princípio-chave é o de que todos os custos e benefícios devem ser levados em conta. Se não for possível quantificá-los, deve-se ao menos explicitá-los e descrevê-los tão bem quanto possível. Assim, as decisões a serem tomadas pelos formuladores de políticas serão mais bem informadas. 4.1. Valoração Contingencial A análise de custo-benefício recebe uma série de críticas de acadê- micos e formuladores de políticas. Frank (2001) discute essas críticas e rebate uma a uma, evidenciando que é uma metodologia que ajuda o processo de tomada de decisão de forma consistente. Uma das maiores dificuldades é construir medidas dos benefícios e custos de uma política pública ou proposição legislativa^16. Uma metodologia bastante utilizada para calcular os benefícios é conhecida como valoração contingencial. Este método emprega surveys para medir a disposição para pagar ou receber^17. A valoração contingencial é bastante utilizada para valorar benefícios e custos ao se introduzirem políticas públicas ou normas legais que en- volvem bens que não possuem valor de mercado. Por exemplo, é possível estimar o valor que a sociedade atribui à conservação ou construção de parques, estradas, infraestrutura de saneamento, hospitais, entre outros (ALVAREZ-FARIZO; HANLEY, 2006; CAMERON; CARSON, 1990; DIAMOND; HAUSMAN, 1994; MITCHELL; CARSON, 1989). (^16) Veja ainda Sen (2001), Adler e Posner (2001) e Sunstein (2001) para uma discussão dos limites e aplicações da análise de custo-benefício. (^17) Faria et al. (2007) discutem aplicações do método de valoração contingencial e como aprimorá-lo usando surveys que incluem duas etapas. Usando técnicas de simulação de Monte Carlo, os autores mostram que é possível obter resultados mais eficientes.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 333 futuro. A taxa de desconto da sociedade, então, é a taxa segundo a qual a sociedade compara o presente com o futuro. Taxas de desconto altas implicam que a sociedade dá mais valor ao presente em detrimento do futuro. A taxa de desconto utilizada no processo de decisão na análise de custo e benefício de políticas públicas deve refletir o custo de oportunidade da sociedade. Ela reflete o grau de impaciência da sociedade. Caso as taxas de desconto sejam elevadas (alto grau de impaci- ência), então políticas que geram benefícios no curto prazo são preferidas a projetos de mais longo prazo. O The Green Book (2011) discute como construir as taxas de desconto a serem utiliza- das na avaliação de custo-benefício de políticas públicas. Em particular, recomenda que, no caso de propostas que tenham impactos de longo prazo, sejam utilizadas taxas de desconto decli- nantes no tempo, em virtude da incerteza sobre o futuro (WEITZMAN, 2001; GOLLIER, 2002). A pesquisa moderna em economia compor- tamental busca avaliar essas taxas de desconto por meio de experimentos econômicos. Em geral, os resultados sugerem que os agentes econômicos têm taxas de desconto que são conhecidas como “hiperbólicas”^20. Essas taxas são mais altas que as taxas de desconto que seria possível inferir de agentes puramente racionais e denotam um alto grau de impaciência. Nesse caso, o futuro tem peso pequeno comparado ao presente. Essas taxas são utilizadas para explicar, por exemplo, por que as taxas de criminalidade podem ser mais altas do que o sugerido pela teoria econômica (GAROUPA, 2009)^21. (^20) Veja Harris e Laibson (2001), Laibson (1997), Read (2001), Azfar (1999) e Frederick, Loewenstein e O’Donoghue (2002) para uma discussão das taxas de des- conto hiperbólicas. (^21) A teoria econômica do crime sugere que os crimi- nosos levam em consideração custos e benefícios para As considerações expostas até o momento sugerem que é importante levar em conside- ração eventuais vieses cognitivos ao se efetuar uma análise dos potenciais custos e benefícios de normas legais e políticas públicas. Assim, uma introdução à Análise do Direito Econô- mico Comportamental e seus desdobramentos é fundamental.

5. Análise Econômica do Direito Comportamental A Análise Econômica do Direito (AED) parte da premissa de que os agentes econômicos se comportam de forma racional, maximizando seus benefícios líquidos e utilizando toda infor- mação disponível em seu processo de tomada de decisão. Não obstante, uma série de vieses cognitivos tem sido apontada pela economia comportamental (TVERSKY; KAHNEMAN, 1981; KAHNEMAN; TVERSKY, 1979, 1984)^22. Thaler (1996) argumenta que o comporta- mento dos agentes está limitado por 1) força de vontade limitada – as pessoas têm dificuldade em levar adiante seus planos ou projetos; 2) in- teresse próprio limitado – os agentes se desviam escolherem seus níveis ótimos de criminalidade. Nesse caso, ponderam os benefícios imediatos obtidos com a atividade criminal com os possíveis custos futuros. Caso esses agentes tenham taxas de desconto hiperbólicas, então o futuro tem peso pequeno em suas decisões, e a taxa de criminalidade acaba sendo maior do que aquela que seria observada em uma economia em que os agentes agissem de forma racional. A conclusão é que, se a sociedade demora a punir os crimes, então os níveis de criminalidade deveriam aumentar, pois os agentes tendem a minimizar os efeitos da punição e se preocupam apenas com os benefícios. Veja Becker (1968), para uma discussão inicial sobre economia da criminalidade, e Cooter (1984), que mostra a relação entre sanções e preços, e em que casos usar um ou o outro. Ainda, Dusek (2014) mostra, usando evidências empíricas, que, ao acelerar os processos judiciais, foi possível reduzir a criminalidade na República Checa. (^22) A teoria comportamental e os vieses cognitivos têm sido introduzidos na discussão de políticas públicas como um aspecto fundamental a ser levado em consideração (BARR; MULLAINATHAN; SHAFIR, 2013; JOLLS, 2013; THALER; SUNSTEIN; BALZ, 2013).

334 Revista de Informação Legislativa do comportamento maximizador focado em si mesmos; e 3) racionalidade limitada – as pessoas cometem erros de julgamento e tomam decisões que contrastam com a teoria econômica (teoria da utilidade esperada). Jolls (2013) demonstra como os agentes se desviam da racionalidade da teoria econômica devido a esses vieses e limitações. Um exemplo importante é o da geração de poupança para aposentadoria. Em geral, os agentes poupam menos do que o seu plano de aposentadoria preferido. Nesse caso, embora os agentes tenham interesse em se aposentar com recursos suficientes para garantir uma aposentadoria mais tranquila, a força de vontade limitada leva a maiores gastos durante a fase produtiva da vida, e a poupança formada é insuficiente. Esses vieses cognitivos levam a decisões que são consideradas inefi- cientes. Alguns exemplos desses vieses são: 1) influências sociais – quando uma pessoa “A” argumenta em favor de uma política, gera uma externa- lidade informacional; caso exista pouca informação sobre os efeitos da política, então outro agente “B” pode aderir à opinião inicial de “A”, o que gera um efeito em cascata: um grande grupo de pessoas acaba por aderir à opinião inicial e forma-se um consenso de que a política é boa, quando pode não ser; 2) viés da disponibilidade – as pessoas tendem a acreditar que um evento de que se recordam facilmente é mais provável

  • do que realmente é – de ocorrer; 3) avaliar apenas custos ou benefícios; caso os trade-offs implícitos em políticas públicas não sejam percebidos, por exemplo, os agentes podem avaliar apenas os riscos de determinada política, e não os benefícios. Em todos os casos, os vieses cognitivos le- vam a tomada de decisão aquém do ótimo e a uma economia ineficiente (JOLLS; SUNSTEIN; THALER, 1998). Sunstein (2001) argumenta que a análise de custo-benefício tem como pressupostos centrais a economia comportamental e a psicologia cognitiva. Um dos pontos centrais consiste em que, muitas vezes, ao defender determinada política, por exemplo, o foco recai apenas sobre um ou poucos benefícios e abstrai-se dos custos. Nesse caso, os vieses comportamentais acabam por gerar uma visão parcial do problema, e políticas públicas equivocadas poderiam ser implementadas. A análise de custo-benefício exige que todos os custos e benefícios sejam colocados na tela, ou seja, fiquem acessíveis para análise. Esses cus- tos e benefícios poderiam passar despercebidos à atenção. Nesse caso, ao avaliar o problema de forma mais geral, seria possível transpor obstáculos previsíveis e estabelecer prioridades de forma mais clara. Na realidade, mesmo que não seja possível, a priori, definir os valores exatos dos custos e benefícios, ao se procurar elencar todos os elemen- tos que são importantes na tomada de decisão, já se torna mais eficaz o processo de tomada de decisão. Nesse caso, utiliza-se um maior conjunto

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  1. atribua a cada unidade uma política de intervenção utilizando um método de randomização robusto;
  2. introduza as políticas de intervenção a cada unidade;
  3. mensure os resultados e determine o impacto das políticas de intervenção;
  4. adapte sua política de intervenção aos achados do experimento;
  5. volte ao passo um para melhorar continuamente o entendimento do que realmente funciona. Assim, a metodologia dos ERC funciona com três fases fundamentais:
  1. teste – fase na qual as políticas são implementadas de forma rando- mizada; 2) aprendizado – fase em que se avaliam os resultados obtidos e se aprende o que funciona e o que não funciona; e 3) adaptação – fase em que se adapta a política para procurar aquela que apresenta melhores resultados^25. Essa metodologia pode ser extremamente útil para pensar as pro- posições legislativas e políticas públicas de modo geral. Por meio dela, é possível testar se essas devem funcionar, e aprender quais poderiam ser mais eficazes. No caso do combate à corrupção, discutido na seção 3, por exemplo, é possível utilizar essa metodologia para aprender quais normas ou políticas poderiam ser mais eficazes. Como o valor do incentivo pode gerar consequências indesejáveis, é preciso calibrar esse valor, o que poderia ser conseguido por meio dos ERC^26. Em um mundo de recursos escassos, a preocupação com maximizar a relação custo-benefício é um objetivo que deve ser buscado. Portanto, um maior debate dos potenciais custos e benefícios de políticas que são avaliadas por meio de experimentos controlados implica maior qualidade na formulação de normas legais e políticas públicas, propiciando maior bem-estar para a população. 6. Processo legislativo, medidas provisórias e AED No âmbito do processo legislativo, devem-se discutir as proposições legislativas e as políticas públicas de modo a levar em consideração todos os potenciais benefícios e custos gerados por elas. Esse é um processo que exige certo tempo de maturação e não pode ser realizado às pressas. O Poder Legislativo tem como função fundamental discutir alterações e inovações no ordenamento jurídico, bem como formular políticas pú- (^25) Veja também Brooks et al (2008) e BJORNSTAD; AXFORD, 2014. (^26) Valores considerados muito altos ou excessivos podem levar a um excesso de de- núncias, o que inviabilizaria projetos desse tipo. Por outro lado, valores muito baixos não surtiriam o efeito desejado. Assim, a questão de quais valores seriam “razoáveis” para gerar os incentivos corretos é empírica.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 337 blicas. Além disso, a fiscalização e a avaliação das políticas executadas também podem ser vistas como atribuições de relevância. Avaliar o Poder Legislativo pelo número de matérias votadas é ex- tremamente simplista. A produção legislativa deve ser avaliada não pela quantidade de matérias votadas, mas sim pela qualidade das discussões e pela eficácia e efetividade dessas inovações em aumentar o bem-estar da sociedade. Dito de outra forma, busca-se a eficiência – produzir mais com menor custo –, mas com qualidade. E a qualidade depende de maior debate e análise dos distintos pontos de vista. Em particular, procura-se uma legislação e políticas públicas que propiciem maior eficiência (a la Kaldor-Hicks). Em alguns casos, quando existe urgência e a matéria é relevante, pode-se usar de ritos acelerados como é o caso das Medidas Provisórias. A Constituição Federal permite o uso das Medidas Provisórias em seu art. 62: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê- -las de imediato ao Congresso Nacional.” (grifo nosso) Para evitar o uso excessivo desse instrumento, a Carta Magna elenca uma série de restrições à elaboração de Medidas Provisórias. Ainda, o trâmite dessas Medidas é acelerado como podemos observar na Carta Magna: “........................................................................................................................... § 6o^ Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subse- quentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7o^ Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. ...........................................................................................................................” A utilização excessiva de Medidas Provisórias empobrece o debate legislativo. Ainda, em virtude do trâmite acelerado, essas medidas de- veriam vir com uma análise de custo-benefício detalhada para que seja possível não apenas debater as matérias com maior qualidade (maior nível de informação), mas também avaliar ex-post a eficácia delas. Por exemplo, o uso de ERC poderia justificar porque determinadas escolhas foram realizadas.

Ano 52 Número 205 jan./mar. 2015 339 caros em virtude dos altos spreads bancários praticados no Brasil^28. Assim, eles reduzem o custo médio de capital das empresas, possibilitando que desenvolvam atividades em diversos setores da economia. A dependência de recursos do BNDES e os altos custos de financia- mento bancário levam a uma situação ineficiente, que poderia ser evitada se o mercado de capitais fosse mais desenvolvido e as empresas tivessem mais opções de captação. Um aprofundamento do desenvolvimento do mercado de capitais poderia levar a economia a uma situação mais efi- ciente e a um círculo virtuoso de crescimento. A MPV no^ 651/2014 apresenta, em um de seus artigos, uma alteração que busca incentivar a captação de recursos por empresas de pequeno e médio porte (PME): “Art. 16. Fica isento de imposto sobre a renda o ganho de capital auferido por pessoa física, até 31 de dezembro de 2023, na alienação, realizada no mercado à vista de bolsas de valores, de ações que tenham sido emitidas por companhias que, cumulativamente: I – tenham as suas ações admitidas à negociação em segmento especial, instituído por bolsa de valores, que assegure, através de vínculo contratual entre a bolsa e o emissor, práticas diferenciadas de governança corpo- rativa, contemplando, no mínimo, a obrigatoriedade de cumprimento das seguintes regras: a) realização de oferta pública de aquisição de ações – OPA, a valor econômico estabelecido em laudo de avaliação, em caso de saída da companhia do segmento especial; b) resolução de conflitos societários por meio de arbitragem; c) realização de oferta pública de aquisição para todas as ações em caso de alienação do controle da companhia, pelo mesmo valor e nas mesmas condições ofertadas ao acionista controlador (tag along); e d) previsão expressa no estatuto social da companhia de que seu capital social seja dividido exclusivamente em ações ordinárias; II – tenham valor de mercado inferior a R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais): a) na data da oferta pública inicial de ações da companhia, para as com- panhias de capital fechado na data de publicação desta Medida Provisória; b) na data de publicação desta Medida Provisória, para as ações das companhias que já tenham efetuado oferta pública inicial de ações na data de publicação desta Medida Provisória; ou c) na data da oferta pública de ações subsequente, para as companhias já enquadradas nos casos a que se referem as alíneas “a” e “b”; (^28) O Relatório de Economia Bancária e Crédito de 2012, do Banco Central, apresenta a decomposição do spread bancário e sua evolução.

340 Revista de Informação Legislativa III – tenham receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), apurada em balanço consolidado, no exercício social imediatamente anterior ao da: a) data da oferta pública inicial de ações da companhia, para as compa- nhias de capital fechado na data de publicação desta Medida Provisória; b) data de publicação desta Medida Provisória, para as ações das com- panhias que já tenham efetuado oferta pública inicial de ações na data de publicação desta Medida Provisória; ou c) data da oferta pública de ações subsequente, para as companhias já enquadradas nos casos a que se referem as alíneas “a” e “b”; e IV – verifique-se distribuição primária correspondente a, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) do volume total de ações de emissão pela companhia: a) na oferta pública inicial de ações de emissão da companhia, para as companhias de capital fechado a partir da data de publicação desta Medida Provisória; b) na oferta pública inicial de ações de emissão da companhia, para as companhias de capital aberto na data de publicação desta Medida Provisória; e c) caso exista, na oferta pública de ações subsequente, realizada a partir da data de publicação desta Medida Provisória” (BRASIL, 2014). Uma análise de custo-benefício dessa medida deve procurar avaliar se com ela o objetivo será alcançado e quais são seus custos e benefícios potenciais para todos os envolvidos. Na exposição de motivos da MPV no^ 651/2014, lemos que o objetivo da medida é “incentivar a capitalização dessas empresas, produzindo efeitos positivos sobre a atividade econômica e o nível de emprego”. Esse artigo da MPV propõe, então, “alterações em dispositivos da legislação tributária de forma a isentar de imposto sobre a renda o ganho de capital na alienação de ações emitidas dentro do programa de incen- tivo à captação de recursos por essas empresas, inclusive em fundos de investimentos constituídos com essas ações” (BRASIL, 2014). A exposição de motivos apresenta alguns dos benefícios potenciais que podem advir da medida: i. cria condições mais atrativas para aquisição de ações de PME pelos investidores; ii. viabiliza a captação de recursos em bolsa de valores e consequen- temente novos investimentos de PME; iii. amplia a base de investidores; iv. proporciona forte estímulo à capitalização daquelas companhias, produzindo efeitos positivos sobre a atividade econômica, o nível de emprego e a arrecadação de outros tributos;