Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Interpretação da Escaravelha Vermelha de Hawthorne: Consenso Ideológico Americano, Notas de estudo de Cultura

Uma leitura da novela 'a escaravelha vermelha' de nathaniel hawthorne, acompanhada pelas análises dos artigos 'como os puritanos ganharam a revolução americana' e 'os ritos de consentimento: rétorica, ritual e a ideologia do consenso americano', de sacvan bercovitch. A leitura propõe que a escaravelha vermelha é uma jornada pela espaço físico e ideológico norte-americano, onde a personagem hester assume sua individualidade e deseja se distanciar da américa puritana, mas sua rebelião é diluída em um espírito comunitário e ideológico. O documento discute como a ideologia puritana influenciou as gerações seguintes e a forma de vida norte-americana.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Cunha10
Cunha10 🇧🇷

4.5

(324)

225 documentos

1 / 14

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
84
Babilónia N.º 12
pp. 84 - 97
entre a cidade e a fLoresta:
dissidência e anuência em tHe scarLet Letter
JoAnA limA
universidAde lusóFonA do Porto
Este artigo propõe uma leitura do romance The Scarlet Letter, de Nathaniel Hawthorne, enquanto
viagem pelo espaço físico e ideológico norte-americano, através de uma análise dos diferentes
momentos do percurso da letra A bordada por Hester Prynne. Movendo-se entre a cidade e a flo-
resta, a personagem assume a sua individualidade e o desejo de afastamento da América puritana,
mas, simultaneamente, ao longo da narrativa, percebe-se que a sua rebeldia é diluída num espírito
comunitário e ideológico e que a letra A acaba por assumir aquele que provavelmente será o seu
maior significado – a América. Esta leitura será feita juntamente com a análise dos artigos: “How
the Puritans won the American Revolution” e “The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideol-
ogy of American Consensus”, de Sacvan Bercovitch.
Palavras-chave: The Scarlet Letter, Dissidência e Anuência.
This article proposes a reading of the novel The Scarlet Letter, by Nathaniel Hawthorne, as a jour-
ney within the North-American physical and ideological space, by analyzing the different moments
of the path of the letter A embroidered by Hester Prynne. Moving between the city and the forest,
the character assumes her individuality and desire to be distant from the Puritan America, but, si-
multaneously, throughout the narrative, it is clear that her rebellion is diluted into a communitarian
and ideological spirit and that the letter A finally acquires that which is probably its most important
meaning – America. This reading will be accompanied by the analyses of the articles “How the Pu-
ritans won the American Revolution” and “The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideology
of American Consensus”, by Sacvan Bercovitch.
Keywords: The Scarlet Letter, Dissent, and Assent.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Interpretação da Escaravelha Vermelha de Hawthorne: Consenso Ideológico Americano e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity!

Babilónia N.º 12 pp. 84 - 97

entre a cidade e a fLoresta :

dissidência e anuência em tHe scarLet Letter

JoAnA limA

universidAde lusóFonA do Porto Este artigo propõe uma leitura do romance The Scarlet Letter , de Nathaniel Hawthorne, enquanto viagem pelo espaço físico e ideológico norte-americano, através de uma análise dos diferentes momentos do percurso da letra A bordada por Hester Prynne. Movendo-se entre a cidade e a flo- resta, a personagem assume a sua individualidade e o desejo de afastamento da América puritana, mas, simultaneamente, ao longo da narrativa, percebe-se que a sua rebeldia é diluída num espírito comunitário e ideológico e que a letra A acaba por assumir aquele que provavelmente será o seu maior significado – a América. Esta leitura será feita juntamente com a análise dos artigos: “How the Puritans won the American Revolution” e “The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideol- ogy of American Consensus”, de Sacvan Bercovitch. Palavras-chave : The Scarlet Letter , Dissidência e Anuência. This article proposes a reading of the novel The Scarlet Letter , by Nathaniel Hawthorne, as a jour- ney within the North-American physical and ideological space, by analyzing the different moments of the path of the letter A embroidered by Hester Prynne. Moving between the city and the forest, the character assumes her individuality and desire to be distant from the Puritan America, but, si- multaneously, throughout the narrative, it is clear that her rebellion is diluted into a communitarian and ideological spirit and that the letter A finally acquires that which is probably its most important meaning – America. This reading will be accompanied by the analyses of the articles “How the Pu- ritans won the American Revolution” and “The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideology of American Consensus”, by Sacvan Bercovitch. Keywords : The Scarlet Letter , Dissent, and Assent.

Sendo certo que o estabelecimento dos primeiros colonos na América pressupõe uma viagem física de um velho continente para um novo território a explorar e desenvolver, representa igualmente, e talvez acima de tudo, o cumprimento de uma profecia: a chegada à terra prometida, passível de se tornar o espaço de concretização de uma Utopia.^1 Neste sentido, torna-se compreensível que a América se tenha assumido, desde logo, enquanto terra de realização de sonhos, tomando para si e para os seus habitantes um destino mítico. O cumprimento deste destino torna implícitas as noções de missão e de demanda quer por parte do indivíduo que habita o novo espaço, orientado pelos seus próprios interesses e crenças, quer por parte da estrutura social a que este pertence e que procura manter a sua identidade e coesão cultural, apesar de acolher visões plurais e objectivos diversos, eventualmente geradores de conflito.^2 Esta pluralidade coexiste dinamicamente, movi- mentando esta missão colectiva no sentido do progresso. A viagem de Hester Prynne, personagem principal de The Scarlet Letter, é inicial- mente delineada em função de um sentimento amoroso adúltero que afasta a personagem do sentido de missão colectiva e necessariamente da filosofia puritana, colocando-a pe- rante um conflito individual e comunitário. Contudo, depois de julgada pela comunidade e durante o período de cumprimento da sua pena, Hester acaba por retomar esta filosofia, agindo em benefício da comunidade que a havia julgado, e é neste espaço comunitá- rio que acaba por encontrar a sua identidade, apesar do carácter distintivo que preserva. Será, pois, enquanto viagem à terra de sentido e de sentidos que orientarei esta leitura do romance de Hawthorne, acompanhando os diferentes momentos do percurso da letra bordada por Hester Prynne, cujas interpretações poderão ser observadas em função da- quele que será, provavelmente, o seu maior significado: a América.^3 Tal como nos explica Maria Irene Santos, A invenção da América enquanto realização de utopias bíblicas e clássicas – que se diz resultar da influência na génese dos Estados Unidos da retórica da eleição e da terra prometida do Velho Testamento – reflecte-se na literatura Americana na forma de imagens espaciais, como «o lugar» ou «a viagem», as quais continuam a afirmar, ou a questionar, ou mesmo a denunciar o sentido originário da nação. (159) 1 A ideia de América enquanto lugar mítico de promessa-a-haver, a possibilidade de cumprimento desta profecia e de concretização do não lugar, poderá identificar-se, segundo Krishan Kumar, com a própria ideologia americana: “Utopianism, the idea of America’s special destiny, was a central part of the national ideology – almost the national ideology” (81). 2 Sacvan Bercovitch salienta a função ideológica desta demanda: “Considered as ideology, it was a mode of consensus designed to fill the needs of a certain social order” (“The Rites of Assent” 8). 3 Esta interpretação será feita juntamente com a análise dos artigos: “How the Puritans won the American Revolution” e “The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideology of American Consensus”, de Sacvan Bercovitch, referidos na bibliografia.

por essa mesma doutrina. O símbolo A, central na vida de Hester, vai transmitir o seu poder ao narrador de “The Custom House”, tornando-se claro que os dois períodos tem- porais envolvidos, que tornam este símbolo convencional e que o consideram elemento de sentido(s), traduzem apenas uma realidade cultural. Hester borda a letra A por imposição da comunidade, mas fá-lo de forma artística, exuberante, fazendo com que a letra sobressaia na sua roupa escura. Ao contrariar a so- briedade puritana, Hester procura afirmar a sua individualidade, afastando-se da popula- ção que julga a sua conduta e recusando a retórica puritana: On the breast of her gown, in fine red cloth, surrounded with an elaborate em- broidery and fantastic flourishes of gold thread, appeared the letter A. It was so artistically done, and with so much fertility and gorgeous luxuriance of fancy, that it had all the effect of a last and fitting decoration to the apparel which she wore; and which was of a splendor in accordance with the taste of the age, but greatly beyond what was allowed by the sumptuary regulations of the colony. (.. .) It had the effect of a spell, taking her out of the ordinary relations with humanity, and inclosing her in a sphere by herself. (39-40) Se a letra A surge como símbolo de amor e desejo para Hester, lembrando a sua união com Dimmesdale, para a comunidade puritana simboliza adultério, pecado e transgres- são, funcionando como símbolo objectivo de punição.^6 Curiosamente, é como objecto artisticamente elaborado que a letra absorve o olhar da população e não como forma de punição, ou seja, através de uma manifestação da sua individualidade, a personagem pa- rece conseguir subverter a condenação determinada pela comunidade puritana. Hester afasta-se progressivamente do espaço público, deixa-se envolver num pro- cesso de fechamento, circunscrevendo a sua existência ao espaço dominado pela magia da letra bordada. Dentro deste espaço, volta-se para si mesma, iniciando um processo de consciencialização da sua individualidade. Há uma imposição do meio exterior que ex- clui Hester da vida comunitária e da cidade, mas a personagem é movida, sobretudo, por um desejo interior, tornando o seu afastamento voluntário. Este afastamento da doutrina puritana, e consequentemente dos valores e dos códigos de conduta a ela inerentes, poderá ser observado, seguindo a leitura de Bercovitch, como um fenómeno de dissidência. A vida de Hester e o seu universo de dissidência – o local onde vive, afastado da cidade, o seu comportamento, as suas atitudes e, obviamente, a letra bordada que se torna parte de si – vão exercer um certo medo e curiosidade na geographical entity, but a chosen nation in progress – a New Israel whose constituency was as numerous, potentially, as the entire people of God, and potentially as vast as America” (“The Rites of Assent” 10). 6 Richard H. Brodhead utiliza a expressão instrumento de punição civil : “The scarlet letter A that Hester wears begins its life as an instrument for civil punishment – one of those visible markings that Foucault finds characteristic of pre-modern punishment, where punishment takes the form of publicly inscribing the power of the state on the body of the offender” (189).

população, levando à criação de histórias grotescas: “a mystic shadow of suspicion immediately attached itself to the spot. Children (.. .) discerning the scarlet letter on her breast, would scamper off, with a strange, contagious fear” (57). Todavia, se a letra A surge como estigma que distancia Hester da comunidade, é igualmente evocada nas histórias contadas pela população puritana: “The vulgar, who, in those dreary old times, were always contributing a grotesque horror to what interested their imaginations, had a story about the scarlet letter which we might readily work up into a terrific legend” (61). Hester Prynne e a sua história tornam-se lenda, tornam-se um mito americano. E a criação de um mito e a sua transmissão assumem um testemunho que vale não só pela mensagem implícita, mas também enquanto memória e referencialidade históricas, enquanto narrativa colectiva, partilhada por determinado povo, contribuindo para a sedimentação de um discurso^7 e de uma ideologia^8 comuns. Embora seguindo um caminho de dissidência, pelo menos inicial, Hester permanece em território americano e consequentemente a sua história terá de ser associada a este espaço e narrada enquanto testemunho desta cultura, mesmo enquanto resultado de um conflito e de uma exclusão da vida comunitária. Na realidade, não se verifica um afas- tamento total por parte da personagem: Hester faz bordados para trajes usados em ceri- mónias puritanas importantes, participando, através do seu trabalho, na vida comunitária e contribuindo, em última análise, para o bom funcionamento das suas instituições. O trabalho assumia, aliás, um papel importante na doutrina puritana, conduzia ao progresso e este traduzia um estado de eleição. No caso de Hester, vai permitir-lhe canalizar a sua energia individual em benefício da comunidade. Segundo Bercovitch, Hester protagoniza a ideia de radicalismo dentro do contexto americano: “Hester goes so far as to consider herself above the law, but the fact is that she’s the very image of social interdependence” (“The Scarlet Latter” 6). Embora afasta- da do espaço público e da cidade, Hester interage com o resto da população, mantendo-se apenas parcialmente alheada da estrutura social e cultural da sua comunidade. A energia libertada pelo ideal renovador e transformador da personagem vai integrar-se numa filo- sofia de continuidade e de coesão culturais. No entanto, o seu pecado continua a fazer parte da memória puritana, não existindo lembrança, diz-nos o narrador, de que Hester tivesse bordado o véu de uma noiva: “But it 7 Entenda-se discurso como materialização de uma ideologia; uma produção social, tradutora de pensamen- tos, conhecimentos e sentimentos, transmitida de forma consciente ou inconsciente, que decorre de uma ligação intíma com as instituições e com as práticas sociais nas quais toma forma, o que não só torna o discurso subjectivo, como o faz depender, tal como afirma Foucault, de posições e pontos de vista, e das instituições existentes num sistema (cit. em Macdonell 2). 8 Bercovitch recorre à definição de ideologia dada pela antropologia: “the web of ideas, practices, beliefs, and myths through which a society, any society, coheres and perpetuates itself” (cit. em Colatrella 13) e descreve “American Ideology” como sendo “a particular set of interests and assumptions, the power struc- tures and conceptual forms of modern middle-class society in the United States, as these evolved through three centuries of contradictions and discontinuities” (cit. em Colatrella 418).

do governador Winthrop, ocorrida durante essa mesma noite, a letra recebe o significado de “Angel,” sobrepondo-se este último à imagem do pecado de Hester e Dimmesdale. R.W.B. Lewis afirma que o pecado é central na cultura humana e que o seu reconhe- cimento é necessário para que o indivíduo se possa reerguer e beneficiar de uma segunda oportunidade. No contexto norte-americano, esta experiência humana de “queda” promo- ve uma recuperação do passado colectivo, servindo este último de elemento potenciador de esperança e de possibilidade de concretização do sonho: “the American myth saw life and history as just beginning. It described the world as starting up again under fresh initiative, in a divinely granted second chance for the human race, after the first chance had been so disastrously fumbled in the darkening Old World” (5). Apesar de viver esta experiência da “queda”, Hester não deixa de se reerguer e a letra bordada no seu vestido não tarda a assumir um novo significado: she was self-ordained a Sister of Mercy; or, we may rather say, the world’s heavy hand had so ordained her, when neither the world nor she looked forward to this result. The letter was the symbol of her calling. Such helpfulness was found in her, – so much power to do, and power to sympathize, – that many peo- ple refused to interpret the scarlet A by its original signification. They said that it meant Able; so strong was Hester Prynne, with a woman’s strength. (110-111) A letra A, agora representativa de “Able”, associa-se a um espírito de entrega e dedi- cação. Hester é reconhecida pelo trabalho que desenvolve em benefício da comunidade puritana e o seu comportamento vai reabilitá-la, fazendo com que a população a reclame como elemento pertencente ao seu espaço: individuals in private life, meanwhile, had quite forgiven Hester Prynne for her frailty; nay, more, they had begun to look upon the scarlet letter as the token, not of that one sin, for which she had borne so long and dreary a penance, but of her many good deeds since. “Do you see that woman with the embroidered badge?” they would say to strangers. “It is our Hester, - the town’s own Hes- ter, - who is so kind to the poor, so helpful to the sick, so comfortable to the afflicted!” (.. .) It was none the less a fact, however, that, in the eyes of the very man who spoke thus, the scarlet letter had the effect of the cross on a nun’s bosom. (111) No entanto, Hester orienta a sua vida, não em função de um Deus puritano -“the world’s law was no law for her mind” (112), mas de um Deus individual, concebido no universo de valores que cria para si, na estrutura de pensamento que constrói e na qual se sente livre: “As the years pass, the symbol has a “powerful and peculiar” effect upon her being; Hester escapes the Puritan world by taking the letter to herself, extending the

“lawlessness” of adultery into all her habits of thought, and reshaping conventional va- lues into her own reality” (Feidelson 11). Richard Brodhead situa a personagem numa terra ética incógnita: “The whole form of Hester’s experience forces her, as she faces this question, into an uncharted ethical ter- ra incognita , a place where known imperatives lose their authority and essential questions come open again” (192). Para Hester, a letra A corresponde ao símbolo da sua liberdade e permite-lhe adaptar os valores convencionados pela comunidade à sua própria forma de vida, diferente da que observa nas instituições puritanas. É nesta liberdade que Hester si- tua o seu relacionamento com Dimmesdale: “what we did had a consecration of its own” (133).^9 Os mesmos valores que levam o narrador a observar: she had wandered, without rule or guidance, in a moral wilderness; as vast, as intricate and shadowy, as the untamed forest, amid the gloom of which they were now holding a colloquy that was to decide their fate. Her intellect and heart had their home, as it were, in desert places, where she roamed as freely as the wild Indian in his woods. For years past she had looked from this estran- ged point of view at human institutions, and whatever priests or legislators had established; criticizing all with hardly more reverence than the Indian would feel for the clerical band, the judicial robe, the pillory, the gallows, the fireside, or the church. The tendency of her fate and fortunes had been to set her free. The scarlet letter was her passport into regions where other women dared not tread. (136) Esta individualidade e esta escolha consciente de um caminho distinto daquele que é traçado e institucionalizado pela comunidade puritana podiam fazer com que Hester se tornasse um elemento gerador de conflito e perturbador da ordem estabelecida, no entan- to, os membros da comunidade puritana consideram a personagem como a sua Hester, a Hester da sua cidade. O mesmo será dizer que a história desta personagem se funde com a própria história da comunidade, observando-se uma apropriação do elemento individual por parte do todo comunitário, algo que se assume como instância superior. A vida de Hester passa a fazer parte da narrativa histórica puritana. Quando Hester se encontra com Dimmesdale na floresta vai procurar libertar-se da imposição puritana e da autoridade das suas instituições, arrancando a letra do seu ves- tido: “Let us not look back”, answered Hester Prynne. “The past is gone! Wherefore should we linger upon it now? See! With this symbol, I undo it all, and make it as it had never been!” (137). Com este seu gesto, e ao recusar-se a olhar para a letra A enquanto 9 Relativamente à forma como Hester vê o seu acto de adultério, Bercovitch comenta o seguinte: “Hester Prynne’s adultery does indeed have a consecration of its own , as she cries out in the famous forest scene, but Puritan society has the consecration of the Lord of time, place, and history. The “A” fulfills its sacralizing function when she turns rebellion into revolution, by molding her dream of love into an indefinite transition ritual that confirms the myth of American progress” (“How the Puritans Won” 630).

“ON A FIELD, SABLE, THE LETTER A, GULES” (177-178). A letra A começa por sur- gir em espaço americano – “The Custom House” – e termina o seu percurso nesse mesmo espaço. Em última análise, as várias interpretações relativas a este símbolo poderão ser vistas à luz da multiplicidade que caracteriza o espaço americano, justificando-se a leitura de A enquanto América. Hester chega à conclusão de que a sua existência só faz sentido no espaço puritano. Segundo Waggoner, a personagem faz um percurso que lhe permite a evolução da sua consciência de responsabilidade social, beneficiando o espaço comu- nitário apesar do seu sofrimento individual: “Hester has gained in stature and dignity by enduring and transcending suffering, and that she has grown in awareness of social responsibility” (23). Bercovitch traduz estas noções em termos de dissidência e anuência, explicando de que modo esta visão se reflecte na análise do conceito de revolução dentro do contexto histórico norte-americano. O crítico observa o mesmo espírito revolucionário em três grandes momentos deste contexto: a chegada dos puritanos à América, a Revolução Ame- ricana e a Guerra Civil. Estes três momentos representam o progresso em direcção a um ideal e por isso partilham o mesmo espírito revolucionário implícito no próprio signifi- cado de América: revolution in America was a different matter. Here it meant the unfolding of a redemptive plan. It required progress through conformity, the ordained succes- sion from one generation to the next. What the Puritan fathers had begun, their sons were bound to complete – bound by covenant and precedent. The War of Independence signaled America’s long-prepared-for, reverently ordered passa- ge into nationhood (“The Rites of Assent” 13). O conceito de revolução dentro do contexto norte-americano não se assume como o derrube de instituições ou mudança radical das estruturas sociais, políticas ou económi- cas, aproximando-se, sim, de uma visão moral cristã que nos fala em termos de revolução da alma que procura a perfeição, a redenção. Os puritanos recuperam esta visão, adap- tando-a à sua própria missão. A sua viagem para a América torna-se um desígnio divino e o progresso individual faz parte dessa demanda espiritual. A prosperidade, o desenvol- vimento, o progresso material, moral e religioso tornam-se características inevitavelmen- te associadas aos puritanos que procuram desbravar o território desconhecido do novo continente, encarando o facto como missão: “Puritan migration has served, rhetorically, as a communal passage into American identity” (.. .) “their religious venture in utopia (.

. .) has expanded into our democratic city on a hill; their errand into the wilderness has culminated in our manifest destiny” (“The Scarlet Letter 3). Se estas características apontam no sentido de um individualismo crescente, de uma pluralidade de formas de estar, de pensar e de agir, podendo resultar em dissidência, a verdade é que não há uma perda do sentimento de pertença à estrutura social americana

que reúne esta diversidade. A diversidade surge precisamente como característica da sua unidade e da sua identidade nacional, sobrepondo-se esta a qualquer elemento distintivo e permitindo a manutenção da ordem social. A demanda puritana torna-se base histórica, mítica e simbólica e vai funcionar como suporte ideológico que acaba por sustentar e justificar a Revolução Americana. O dis- curso religioso é convertido pelas treze colónias da União em discurso político e, após a guerra civil, a retórica^12 puritana estende-se também ao sul, que se submete à ideologia dominante. Bercovitch recupera Bancroft e a sua noção de que o movimento sagrado protagonizado inicialmente pelos puritanos deve ser observado como um evento cultural paradigmático, o drama simbólico da nação americana, que se traduz na ideia de progres- so em direcção à perfeição. Esta interpretação sagrada de revolução, enquanto vontade divina, forma de regene- ração e processo através do qual se poderá conseguir alcançar a perfeição ou, pelo menos, aproximações sucessivas, faz com que este conceito se oponha ao de rebelião, que surge como sinónimo de desobediência, de dissidência e não de rito de passagem,^13 de reno- vação, de crescimento moral, político e económico: “ American meant revolution as con- sensus and progress, and un-American , rebellion as anarchy and regression” (“How the Puritans Won” 618); “In every form revolution meant, interchangeably, to make things sacred, to make them transitional, and to make them American” (“How the Puritans Won” 624). Os movimentos revolucionários referidos dão-se em conformidade com a ideologia americana, caracterizando-a, concretizando-a e ainda, segundo Bercovitch, assegurando o progresso e, ao mesmo tempo, a autoridade, na medida em que acabam por tornar-se mecanismos de controlo de todo o sistema: a second tenet of consensus centered on the problem of discipline. (.. .) In ef- fect, the emigrant leaders were confronting what was to become a focal issue of free enterprise society: how to endorse individualism without promoting anar- chy. They found a variety of solutions at hand: a doctrine of calling that linked private and public identity; a series of interlocking covenants that transformed congregational “polity from an instrument of rebellion to one of control”; a concept o preparation for grace that “generated both a respect for individual freedom and a need for external discipline. (“The Rites of Assent” 9) Num primeiro momento, Hester Prynne poderá ser observada como rebelde, na me- dida em que age contra o sistema, contra os valores instituídos, preconizados pela comu- 12 Entenda-se retórica como: “expression of a common vision and mode of identity” (Bercovitch, “The Of- fice” 94). 13 Entendam-se ritos como formas de procedimento cultural e social, convencionadas e tradutoras de um conjunto de valores, normas, crenças, sentimentos, papéis sociais e relações inerentes ao sistema cultural da comunidade onde se desenvolve o rito, cuja função será conservar essa mesma cultura. O ritual poderá ser observado como um conjunto de ritos (Lima 143).

belião é transformada em revolução e o ritual de transição, através do qual o amor indivi- dual se submete a uma ideologia, renunciando à sua própria individualidade, é cumprido: you assert your rights on principle; by the same principle you consent to abrid- ge them; both in your assertion and in your consent you defer to the claims of community; and finally, you defer because you understand that what’s out there is more than the evidence at your disposal, and that what’s more is worth having faith in, politically, psychologically, and morally. (Bercovitch, “The Scarlet Letter” 12) A procura de uma referencialidade histórica, conduzida sobretudo pela letra A, termi- na com a consciencialização de Hester relativamente à América como único espaço onde pode definir a sua individualidade e simultaneamente encontrar a sua identidade enquanto elemento constituinte desse mesmo espaço. Hester cumpre o mito do progresso america- no e submete-se à ideologia puritana que vai deixando nas várias gerações a marca indis- farçável do ferro em brasa: “as if the letter were not of red cloth, but red-hot iron” (25). Bibliografia Bercovitch, Sacvan and Myra Jehlen (eds.). Ideology and Classic American Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. Bercovitch, Sacvan. “How the Puritans won the American Revolution.” The Rites of Assent: Transformations in the Symbolic Construction of America. New York: Routledge, 1993.

    • -. The Office of The Scarlet Letter. Baltimore and London: The John Hopkins University Press,
    • -.“The Rites of Assent: Rhetoric, Ritual and the Ideology of American Consensus.” The American Self: Myth, Ideology and Popular Culture. Sam B. Girgus (ed.). Albuquerque: University of New Mexico Press, 1981.
    • -. “The Scarlet Letter: A Twice-Told Tale.” Nathaniel Hawthorne Review. 22. 2 (1996): 1-20. Frederick Newberry (ed.), Pittsburgh: Duquesne University, 1996. Brodhead, Richard H. The School of Hawthorne. Paris, Oxford, New York: Oxford University Press, 1989. Chase, Richard. The American Novel and its Tradition. Baltimore and London: The John Hopkins University Press, 1980 (1957). Colatrella, Carol and Joseph Alkana (eds.). Cohesion and Dissent in America. Albany: State University of New York Press, 1994. Dawson, Jan C. The Unusable Past: America’s Puritan Tradition, 1830 to 1930. California: Scholars Press, 1984.

Feidelson, Jr., Charles and Paul Brodtkorb Jr. (eds.). Interpretations of American Literature. London, Oxford, New York: Oxford University Press, 1959. Feidelson, Jr., Charles. “Hawthorne as a Symbolist.” Hawthorne: A Collection of Critical Essays. A. N. Kaul (ed.). New Jersey: Prentice Hall, 1966.

    • -. Symbolism and American Literature. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1969 (1953). Folsom, James K. Man’s Accidents and God’s Purposes: Multiplicity in Hawthorne’s Fiction. New Haven: College and University Press, 1963. Gerber, John C. (ed.). Twentieth Century Interpretations of The Scarlet Letter. New York: Prentice- Hall, Inc. Englewood Cliffs, 1968. Hawthorne, Nathaniel. The Scarlet Letter. New York and London: W. W. Norton & Company, 1988 (1961). James, Henry. Hawthorne. Ithaca and London: Cornell University Press, 1997 (1879). Kesterson, David B. Critical Essays on Hawthorne’s The Scarlet Letter. Boston: G. K. Hall, 1988. Kumar, Krishan. Utopia and Anti-Utopia in Modern Times. Oxford: Basil Blackwell, 1987. Lewis, R. W. B. The American Adam – Innocence Tragedy and Tradition in the Nineteenth Century. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1975 (1955). Lima, Augusto Mesquitela, Benito Martinez e João Lopes Filho. Introdução à Antropologia Cultural. Lisboa: Editorial Presença, 1990 (8ª edição). Macdonell, Diane. Theories of Discourse: an Introduction. Oxford: Blackwell Publishers, 1986. Matthiessen, F. O., American Renaissance: Art and Expression in the Age of Emerson and Whitman. London: Oxford University Press, 1972. Person, Jr., Leland S. Aesthetic Headaches: Women and a Masculine Poetics in Poe, Melville and Hawthorne. Athens and London: The University of Georgia Press, 1988. Reising, Russel J. The Unusable Past: Theory and the Study of American Literature. New York and London: Methuen, 1986. Santos, Maria Irene Ramalho de Sousa. “Lugares de Sentido na Literatura Americana.” Revista Crítica de Ciências Sociais – Espaço e Industrialização. Nº22. Dir. Boaventura de Sousa Santos. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, Abril, 1987. Waggoner, Hyatt H. Nathaniel Hawthorne. Minneapoles: University of Minnesota Press, 1962. Winters, Yvor. “Maule’s Curse, or Hawthorne and the Problem of Allegory.” Hawthorne: A Collection of Critical Essays. A. N. Kaul (ed.). New Jersey: Prentice Hall, 1966. Ziff, Larker. “The Ethic Dimension of the Custom-House.” Hawthorne: A Collection of Critical Essays. A. N. Kaul (ed.). New Jersey: Prentice Hall, 1966.