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Este documento discute a abordagem institucionalista dos regimes internacionais e seu papel na relação entre direito internacional e relações internacionais. Os autores reservam ao direito internacional um papel limitado, situando-o entre os fatores causais básicos, como interesse e poder. A discussão enfatiza a importância de normas, regras, princípios e procedimentos de tomada de decisão em relação às relações entre estados.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Os institucionalistas redescobriram o Direito Internacional, mas se recusaram a reconhecer
isso.
Anne-Marie Slaughter
Introdução Iniciamos este capítulo a partir dos desafios impostos pelos teóricos institucionalistas à prevalência do realismo na disciplina de Relações Internacionais; as proposições institucionalistas reabriram o espaço para a abordagem do Direito Internacional, à medida que se constatou que certos arranjos normativos internacionais se mantinham vigentes às expensas das variações na correlação de poder no sistema internacional. Essa constatação sugeria que as normas internacionais poderiam dispor de um efeito causal independente, o que viabilizou a retomada de um diálogo entre os juristas internacionais e os teóricos da política internacional. Nesse sentido, a abordagem institucionalista dos regimes internacionais - definidos a partir de conceitos como normas, regras, princípios e processos de tomada de decisão – permitiu a colaboração entre teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional. Como os institucionalistas adotaram a metodologia economicista herdada do behaviorismo, contudo, os estudos interdisciplinares foram sobremaneira limitados, uma vez que a metodologia positivista restringia a apreensão dos efeitos exercidos pelas normas: a concentração estrita sobre as relações de causa e efeito acabava por acarretar a negligencia em relação aos efeitos constitutivos emanados daquelas. Além disso, o compartilhamento de premissas com o realismo também impunha obstáculos ao debate interdisciplinar. Em primeiro lugar, ao adotarem uma visão fixa e exógena dos interesses dos estados, os institucionalistas
reservavam ao Direito Internacional o mero papel de variável interveniente, situando-o entre os fatores causais básicos, como interesse e poder, e os resultados observados no sistema internacional. Nesse contexto, as normas jurídicas internacionais são concebidas como instrumentos para avançar os interesses egoísticos dos estados. Em segundo lugar, os institucionalistas, assim como os realistas, comungavam de uma visão estado-cêntrica da política internacional, o que os impedia de tratar de temas candentes no Direito Internacional, como, por exemplo, Direitos Humanos. O capítulo divide-se em duas seções. A primeira delas analisa a formação do institucionalismo a os prospectos de cooperação interdisciplinar proporcionados pelo paradigma. A segunda destina-se à abordagem institucionalista dos regimes internacionais, enfocando o papel conferido ao Direito Internacional em sua análise.
5.2. O Institucionalismo: desafio ao Realismo e reabertura de espaço para o Direito Internacional
Na década de 1970, diversas mudanças observadas no cenário internacional, notadamente a difusão de atores não-estatais e a saliência das “questões globais”, como o Meio-Ambiente e os Direitos Humanos, que transcendiam a capacidade de ação dos estados individuais e abriam a oportunidade para a cooperação entre os mesmos, chamou a atenção dos estudiosos das relações internacionais, que passaram a contestar os postulados realistas. Nesse contexto, em 1977, Robert Keohane e Joseph Nye^1 apontaram para a possibilidade de a anarquia internacional impulsionar os atores na direção da cooperação, em detrimento da visão realista tradicional de que do ambiente anárquico resulta inequivocamente o conflito entre os estados. Prova disso seria o fato de que as discussões internacionais voltavam-se cada vez menos para questões de segurança, sendo que o uso da força era cada vez mais visto como um instrumento inadequado para a solução das problemáticas internacionais mais prementes.
Historicamente, distingue-se, na disciplina de Relações Internacionais, realistas e liberais com base na ênfase dessas duas correntes teóricas. Enquanto os primeiros enfocam o sistema internacional a partir de uma lógica conflitiva, os últimos voltar-se-iam para a oportunidade de cooperação entre os atores internacionais. Teóricos institucionalistas como Arthur Stein^4 , entretanto, apontaram na direção de uma síntese entre realistas e liberais a partir do reconhecimento de que o sistema internacional comporta tanto o conflito apregoado pelos primeiros quanto a cooperação enfatizada pelos últimos. Nas palavras de Stein: “relações internacionais envolvem cooperação e conflito, mais cooperação do que os realistas admitem e mais conflito do que os liberais reconhecem”.^5 Assim como o neo-realismo, essa proposta de síntese deve ser compreendida dentro do ambiente intelectual característico dos Estados Unidos, particularmente a partir do consenso observado na academia norte-americana quanto às premissas basilares que deveriam permear o estudo da política internacional, a saber, o papel central concedido à estrutura internacional anárquica, a concepção do estado como ator primordial e a caracterização deste último como um ator que age baseado no auto-interesse. A última dessas premissas relaciona-se com a adoção do modelo do ator racional, conseqüência da revolução behaviorista que invadiu o estudo das relações internacionais e imprimiu um viés nitidamente economicista seja nas teorias realistas, seja nas teorias liberais. As recorrentes analogias de Waltz, comparando o sistema internacional ao mercado, e o liberalismo clássico inglês são as respectivas referências no que se refere à aplicação dos métodos e idéias da Economia no estudo da política internacional. Nada é mais sintomático dessa influência do que a utilização da teoria dos jogos como a linguagem a partir da qual as teorias de Relações Internacionais
diferenças quanto às concepções dos dois principais paradigmas de Relações Internacionais, prosseguiremos a análise das origens do institucionalismo, destacando-se que, doravante, neste capítulo, os termos realismo e liberalismo se referem à concepção convencional. Os teóricos engajados na retomada do paradigma liberal tal como o caracterizamos no segundo capítulo, que serão abordados no próximo capítulo, argumentam que o institucionalismo é derivado do grocianismo, proposição reforçada pela convergência em torno da análise do papel exercido pelas instituições internacionais. 4 Arthur Stein, Why Nations Cooperate – Circumstance and Choice in International Relations,
passaram a se expressar, tornando-se comum o emprego de termos como “dilema dos prisioneiros”, “ trade-offs ” (dilema resultante da necessidade de escolha entre alternativas que representam benefícios ou malefícios distintos) e “ payoffs ” (rendimentos provenientes de uma determinada escolha). Como pano de fundo à referida aplicação de métodos e às idéias provenientes da Economia, residia o compromisso dos teóricos da política internacional com o método científico positivo. Em uma área de estudos relativamente recente como a política internacional, ciosa de atestar o seu caráter científico, nada mais conveniente do que a importação dos métodos da ciência social que observou a influência mais avassaladora da metodologia proposta por Augusto Comte, tida como sinônimo de cientificidade por boa parte dos acadêmicos norte-americanos à época. Em termos substantivos, a pedra angular da argumentação de Stein consistia na constatação de que o sistema internacional comportaria tanto o conflito quanto a cooperação, sendo a prevalência do primeiro ou da última resultante de circunstâncias específicas, fatores situacionais. Nesse sentido, utilizando a linguagem da teoria dos jogos, Stein argumenta que a prevalência do conflito ou da cooperação se daria a partir da matriz de rendimentos ( payoffs ) relativa a uma determinada situação, ou seja, em uma situação de interação estratégica, o resultado final deve ser aferido com base na configuração dos rendimentos que derivam das escolhas feitas pelos agentes. Em algumas ocasiões, a configuração dos rendimentos induziria os agentes ao conflito; em outras, os induzi-los-ia à cooperação. O problema com as abordagens realista e liberal seria que elas teriam adotado um modelo específico de matriz de rendimentos como representativa do sistema internacional como um todo. Os liberais adotaram uma matriz que induziria os agentes à cooperação e os realistas adotaram uma matriz que induziria os agentes ao conflito, motivo pelo qual essas duas teorias tratariam como anomalias as demais situações desencadeadas pela multiplicidade das matrizes de rendimentos que podem coexistir no sistema internacional. Nesses termos, em última instância, realistas e liberais criaram problemas ao conceber o conflito ou a cooperação como regra do sistema internacional, o que relega as outras situações presentes na realidade internacional à condição de
Para Keohane, a noção de ganhos relativos tornava-se confusa em ambientes caracterizados pela presença de mais de dois atores e, além disso, a evidência empírica, no que se refere aos ganhos relativos, era prejudicada pelo fato de barganhas para o aumento do próprio ganho absoluto não serem discerníveis, na prática, de preocupações com ganhos relativos. Assimetrias distributivas conferem barganha à parte prejudicada, que pode, a partir disso, favorecer-se independentemente de preocupações com o ganho alheio em si.^11 Nesse ínterim, ambos cederam: Keohane reconheceu que a primeira abordagem institucionalista subestimava a questão dos ganhos relativos^12 , e Grieco reconheceu posteriormente a condicionalidade de sua proposição acerca dos ganhos relativos^13 , uma vez que era flagrante a possibilidade de k não ser, necessariamente, positivo. Segundo Keohane, tanto ele quanto Grieco buscariam, em última instância, a formação de uma teoria das instituições internacionais. Dentro desse objetivo é que surgiria a proposta de síntese: “O que tenho feito é sintetizar elementos do realismo e do liberalismo na tentativa de criar a base para tal teoria, cujo núcleo seria a preocupação das formas pelas quais as instituições afetam os incentivos com os quais se deparam os estados”. 14 Assim, o próprio Keohane explicita os pontos comuns e a distinção entre o institucionalismo e o realismo, sendo que os primeiros resultam cruciais para a compreensão das limitações do institucionalismo no que se refere à abertura de um diálogo interdisciplinar entre os teóricos de Relações Internacionais e Direito Internacional. Em primeiro lugar, o institucionalismo compartilha com o realismo as premissas basilares desta última teoria, discordando dela apenas ao adicionar a premissa de que as instituições podem afetar os efeitos provenientes da anarquia internacional. Como afirmou Keohane: “De forma consistente com o realismo, a teoria institucionalista assume que os estados são os principais atores na política mundial e que eles se comportam com base em suas concepções acerca dos seus próprios interesses. As capacidades relativas – a ‘distribuição de poder’, para os realistas – permanecem relevantes, e os estados devem confiar neles mesmos para assegurar para si os ganhos oriundos da cooperação. A teoria institucionalista,
(^11) Robert Keohane, “Institutional Theory and the Realist Challenge After the Cold War” in Neorealism and 12 Neoliberalism: The Contemporary Debate , 1993; p.276. 13 Idem, p.292. 14 Idem, pp.278-279. Idem, p.293.
entretanto, também enfatiza o papel das instituições internacionais em modificar as concepções de auto-interesse”. 15
Ainda que seja realizada uma síntese entre realistas e institucionalistas, quando ambas passariam a se apresentar sob a forma de teorias de médio alcance, o resultado não é promissor, o que nos conduz à ênfase em um ponto-comum entre realistas e institucionalistas, a saber, o fato de as referidas teorias partilharem uma fraqueza: a falta de um instrumental analítico encarregado de problematizar as preferências dos atores, tomadas como dadas seja pelos realistas, seja pelos institucionalistas. Tal fraqueza é admitida por Keohane: “A teoria institucionalista não faz previsão sobre esses interesses, e, portanto, não tem uma visão bem-definida de sua evolução. Nem o realismo prevê interesses. Essa fraqueza das teorias sistêmicas, de todos os tipos, nega-nos um teste claro sobre o seu poder de previsão”.^16 Se, por um lado, os pontos comuns entre os realistas e os institucionalistas posicionam os últimos em direta afinidade com os postulados do Direito Internacional tradicional, por outro lado, impedem uma abordagem mais profícua, por parte do institucionalismo, das tendências contemporâneas observadas naquela disciplina, notadamente o deslocamento do enfoque estado-cêntrico na direção da incorporação dos atores não-estatais em sua análise. Apesar de o realismo ser mais conhecido entre os juristas internacionais por rejeitar qualquer efeito causal emanado das normas legais internacionais, boa parte da estrutura e da substância do Direito Internacional tradicional é derivada a partir de fundações realistas. Tanto os realistas quanto os juristas internacionais tradicionais concedem aos estados a primazia como atores no cenário internacional. Além disso, ambos os definem como entidades monolíticas, identificáveis apenas pelas características funcionais que os constituem como estados.^17 Nesse sentido, os realistas e os juristas internacionais tradicionais convergem na adoção dos modelos da “caixa-preta” e da “bola de bilhar”, negligenciando os fatores políticos - ideológicos e estruturais - domésticos.
(^15) Idem, p.271. (^16) Idem, p.285. (^17) Esta interessante relação histórica entre os realistas e os teóricos do Direito Internacional tradicional se encontra em Anne-Marie Slaughter, International Law and International Relations , 2000; pp.33-34. Ver também Anne-Marie Slaughter, “International Law and International Relations Theory: A Dual Agenda”, 1993; pp.225-226.
interesses são “tomados como dados” a partir da proposição de que os estados agem, necessariamente, baseados em sua concepção dos seus próprios interesses. Nesses termos, as normas jurídicas internacionais são concebidas como instrumentos utilizados pelo estado para avançar o seu auto-interesse previamente formulado. Como resultado, o Direito Internacional, dentro do paradigma institucionalista, apesar de ressurgir da completa obscuridade a que foi relegado pelo neo-realismo, restringe-se ao papel de variável interveniente, posicionando- se entre os fatores causais básicos (como interesse e poder) e o comportamento e os resultados produzidos no cenário internacional. A discussão-chave relativa aos motivos que conduzem os estados à aquiescência^22 frente às normas jurídicas internacionais encontra a sua resposta, no âmbito da teoria institucionalista, na medida em que estas normas ajudam os estados a avançar os seus interesses, por exemplo, ao aumentar o fluxo de informações ou ao reduzir os custos de transação e os incentivos para a violação dos acordos assumidos internacionalmente. Conduzindo-nos novamente à questão da influência exercida pelos estudos da Economia, a aquiescência às normas jurídicas internacionais é resultado da percepção, pelos estados, de que as mesmas proporcionam ganhos em termos de eficiência a suas ações externas. Mais precisamente, as normas jurídicas internacionais podem auxiliar na correção de resultados sub-ótimos, resultantes da ação individual dos atores, em evidente analogia às “falhas de mercado” estudadas no campo da Economia. Ainda que as considerações feitas acima sejam responsáveis pela limitação do papel do Direito Internacional na abordagem institucionalista, deve-se ressaltar que, de certa forma, a proposta de síntese engendrada pelos teóricos dessa corrente impediu uma reedição do perene debate entre “realistas” e “idealistas” na disciplina de Relações Internacionais, debate que
(^22) Tradução do termo de língua inglesa compliance , sob cuja égide é travado um longo debate de importantes implicações para as disciplinas de Relações Internacionais e do Direito Internacional, sendo que esta última concentra a maior parte da literatura sobre o assunto. O texto clássico sobre a matéria é: Louis Henkin, How Nations Behave: Law and Foreig Policy , 1968. Para um enfoque mais recente, que será abordado no capítulo relativo ao construtivismo, ver Abram Chayes e Antonia Chayes, The New Sovereignty: Compliance with International Regulatory Agreements , 1995 e “On Compliance”, International Organization vol. 47, 2, 1993. Finalmente, a partir de um enfoque liberal, que será abordado no próximo capítulo, ver Kenneth Abbot, Robert Keohane, Andrew Moravcsik, Anne-Marie Slaughter, Duncan Snidal, “The Concept of Legalization”. International Organization , vol. 54, 3, 2000.
deu à luz as concepções convencionais, respectivamente, do realismo e do liberalismo no estudo da política internacional. Como afirmou Slaughter: “Apesar de frustrante para vários juristas internacionais, a insistência dos primeiros teóricos dos regimes em derivar uma teoria das instituições internacionais a partir de premissas realistas foi um movimento estratégico sagaz dentro da ciência política. Ao reinventarem o Direito Internacional na linguagem da escolha racional, eles descartaram o tradicional debate ‘realistas x idealistas’. ‘Eficiência e transparência’ dificilmente podem ser concebidas como sentimentos legalistas ou moralistas”.^23
O ponto focal utilizado para a análise da relação entre as disciplinas de Relações Internacionais e de Direito Internacional, a partir das bases lançadas pelos teóricos institucionalistas, é o estudo dos regimes internacionais realizado pelos mesmos. Esse estudo fornece subsídios para uma formulação mais concreta das considerações feitas acima sobre o debate interdisciplinar no marco da teoria institucionalista. Argumentar-se-á, adicionalmente, que a negligência desses teóricos dos regimes com relação aos instrumentos disponilizados pelo Direito Internacional, o compromisso com o método positivista e problemas internos à abordagem institucionalista dos regimes resultam em problemas ulteriores para o avanço de uma agenda interdisciplinar a partir dos postulados institucionalistas.
5.3. Os regimes internacionais
Apesar de ser comum a associação entre o estudo dos regimes internacionais e o processo de síntese entre realistas e liberais mencionado acima, é possível afirmar que os regimes constituem objeto de estudo de múltiplas perspectivas dentro da disciplina de Relações Internacionais.^24 Como nosso interesse particular se concentra sobre a abordagem institucionalista, o histórico que se segue sobre o estudo dos regimes internacionais é apresentado de forma simplificada.
(^23) Slaughter (1993), p.220. (^24) Além dos neo-realistas e dos institucionalistas, os regimes internacionais são estudados também pela corrente construtivista. Os termos da abordagem proposta pelos construtivistas pode ser compreendido a partir da crítica efetuada por Friedrich Kratochwil e John Gerard Ruggie no influente artigo “International Organization: A State of the Art on an Art of the State” International Organization , vol. 40, 4, 1986. Finalmente, uma abordagem crítica para o estudo dos regimes internacionais pode ser encontrada em Fred Gale, “ Cave ‘ Cave! Hic dragones ’: a neo- gramscian deconstrution and reconstrution of international regime theory”, Review of International Political Economy , 5:2, 1998.
em declínio na década de 1970, problemas, como a dificuldade em se constatar a presença de uma potência hegemônica, tornaram-se fatores complicadores para o argumento. Além disso, um crescente número de autores desafiava abertamente a tese da “estabilidade hegemônica” com base na percepção de que os níveis de cooperação eram crescentes àquela época. Os liberais, por sua vez, enfatizavam o papel dos atores não-estatais, públicos e privados, como, respectivamente, as organizações internacionais e as empresas multinacionais, para a explicação do descompasso entre as mudanças que se acreditava haver na distribuição de poder observada e na permanência dos níveis de cooperação que resultaram da estrutura arquitetada ao final da Segunda Grande Guerra. A mencionada ênfase liberal no estudo das organizações internacionais formais, contudo, impedia a compreensão da manutenção dos níveis de cooperação observados no sistema internacional, motivo pelo qual os teóricos liberais se voltaram para a análise dos regimes. Nesses termos, a abordagem mais influente sobre os regimes internacionais acabou por coincidir com o processo de síntese observado entre os teóricos realistas e os teóricos liberais que deu origem à teoria institucionalista na disciplina de Relações Internacionais. Essa confluência explica a associação comumente feita entre o estudo dos regimes internacionais e a “síntese neo- neo”.^29 Fruto da mencionada confluência, a edição especial da revista International Organization de 1982 apresentava a análise dos regimes feita por alguns dos teóricos mais influentes da disciplina de Relações Internacionais, entre eles Stephen Krasner e Robert Keohane. No artigo de abertura da referida edição especial, Stephen Krasner formulou o conceito dos regimes internacionais que se tornaria célebre após ter sido difundido entre os teóricos de Relações Internacionais. Segundo Krasner, os regimes podem ser definidos como “os conjuntos, implícitos ou explícitos, de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais”.^30
(^28) Gale (1998), p.256. (^29) Referência à convergência que teve lugar na década de 1980, entre os teóricos neo-realistas e “neoliberais”. 30 Stephen Krasner, “Structural causes and regime consequences: regimes as intervening variables”, International Organization 36, 2, 1982; p.2. Note-se que esse conceito mantém a
Especificando o conceito, os princípios são crenças de fato, causalidade ou retidão moral. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. Regras são prescrições ou proibições específicas para a ação. Finalmente, os procedimentos de tomada de decisão são as práticas vigentes para a formulação e a implementação das escolhas coletivas.^31 É concedida precedência aos princípios e às normas, que provêem as características definidoras de um regime, motivo pelo qual as mudanças nas regras e nos procedimentos de tomada de decisão constituem mudanças nos regimes, ao passo que mudanças nos princípios e nas normas implicam mudanças dos regimes. 32 Krasner identifica, no volume, três abordagens distintas para os regimes internacionais. Na primeira delas, representada por Oran Young, Raymond Hopkins e Donald Puchala, os regimes são concebidos como uma característica permanente do sistema internacional. Na segunda, os regimes constituiriam meros epifenômenos, servindo somente para obscurecer as relações básicas calcadas no poder e em fatores econômicos, como defende Susan Strange. Finalmente, a maioria dos autores participantes do volume adota uma terceira posição, denominada “estrutural modificada”. Apesar de aceitar as proposições analíticas básicas do realismo estrutural, essa corrente postula que, sob algumas condições restritivas, envolvendo as falhas da ação individual em assegurar resultados ótimos no sentido de Pareto, os regimes podem exercer algum impacto a despeito da estrutura anárquica do sistema internacional.^33 A abordagem institucionalista pode ser claramente identificada nessa terceira posição apresentada por Krasner para classificar os estudiosos dos regimes internacionais que contribuíam para a mencionada edição especial da revista International organization. Segundo os autores dessa corrente, o sistema internacional congrega tanto situações passíveis de cooperação como situações características de conflitos. As primeiras ocorrem quando uma ação concertada entre os atores pode conduzir a um resultado ótimo no sentido de Pareto que
ênfase nas expectativas dos atores, tal como a definição original proposta por Ruggie. Este autor, como veremos, desferirá pesadas críticas à abordagem dos regimes feita pelos teóricos racionalistas, com base na inconsistência entre a análise das expectativas dos atores e o instrumental positivista empregado pelos mesmos. 31 32 Ibidem. Idem, pp.3-4.
Além disso, é possível afirmar que os teóricos institucionalistas voltados para o estudo dos “regimes internacionais”, apesar da proximidade em relação às proposições apresentadas pelos teóricos do Direito Internacional, não estabeleceram um canal explícito de diálogo. Como observou Slaughter, os institucionalistas redescobriram o Direito Internacional, mas se recusaram a reconhecer isso.^35 Um exemplo claro disso é a abordagem dos regimes feita por Oran Young. 36 Apesar de saltar aos olhos a proximidade entre a sua concepção dos regimes espontâneos e o estudo dos costumes no campo do Direito Internacional 37 , esse autor, ao invés de se referir a essa última literatura para reforçar e ampliar o escopo de sua análise dos regimes, acaba por recorrer à onipresente literatura econômica para formular hipóteses sobre as origens dos regimes espontâneos. Nas palavras de Krasner: “Young não profere nenhuma afirmação incisiva para as condições específicas que levam aos regimes espontâneos; entretanto, a literatura à qual ele se refere – Schelling, Lewis, e Hayek – é orientada na direção de uma perspectiva microeconômica, focada no interesse egoístico”.^38 Essa omissão é ainda mais surpreendente quando se observa que Young é um dos teóricos de Relações Internacionais que possuem formação jurídica, ou, a partir da expressão que ele próprio cunhou, “é fluente em ambas as linguagens”^39 , quando se referia às desconexões entre os jargões das disciplinas de Relações Internacionais e de Direito Internacional. A ausência de uma associação interdisciplinar explícita conduz à conclusão de que alguns instrumentos do Direito Internacional foram utilizados de forma instrumental e sem o devido reconhecimento pelos teóricos de Relações Internacionais, com a finalidade de eliminar anomalias empíricas observadas em face das principais teorias dessa última disciplina à época.
(^34) Arthur Stein, Why Nations Cooperate , 1990; pp.32-44. (^35) Slaughter (1993), p.219. (^36) Apesar de a divisão proposta por Krasner situar Young em categoria distinta daquela reservada aos institucionalistas, a abordagem de Young vai ao encontro da teoria institucionalista em diversos aspectos, como, por exemplo, na sua concepção dos regimes negociados. 37 Para um exemplo de associação explícita entre os regimes e costumes internacionais, ver Michael Byers, Custom, Power and the Power of Rules: International Relations and Costumary International Law 38 , 1999. 39 Krasner (1982), pp.18-19. A criação dessa interessante expressão por Young é relatada em Anne-Marie Slaughter, Andrew Tulumello e Stepan Wood. “International Law and International Relations Theory: A New
Além disso, como argumentaram Friedrich Kratochwil e John Gerard Ruggie, subsiste à análise dos regimes feita pelos teóricos institucionalistas uma incompatibilidade entre os seus postulados ontológicos e epistemológicos. Apesar de a definição apresentada por Krasner enfocar a convergência das expectativas dos atores, a epistemologia positivista empregada no estudo dos regimes é incompatível com a análise da qualidade intersubjetiva proposta pelo conceito como elemento constitutivo dos regimes internacionais.^40 A epistemologia positivista, largamente utilizada pelos teóricos institucionalistas dos regimes, manifestada na linguagem economicista e fruto da influência behaviorista, supõe uma radical separação entre sujeito e objeto, concentrando-se, a partir dessa divisão, nas forças objetivas que movem os atores sociais. A dimensão intersubjetiva, quando considerada, é derivada do comportamento dos atores, o que entra em rota de colisão com o suposto papel central reservado às expectativas dos atores na definição dos regimes. Esse descompasso conduz Kratochwil e Ruggie a uma conclusão enfática: “... a epistemologia fundamentalmente contradiz a ontologia!”.^41 Kratochwil e Ruggie lançam as bases da crítica construtivista às teorias racionalistas -realistas e institucionalistas - ao abordarem a questão da inadequação do positivismo para a análise das normas, objeto de estudo particularmente relevante em uma discussão acerca do papel exercido pelo Direito Internacional nas relações entre os estados. Em primeiro lugar, há complicações inerentes à concepção das normas como ocorrências causais, o que dificulta a aplicação das relações de causa e efeito típicas do positivismo. Nas palavras destes autores: “Normas podem ‘guiar’ o comportamento, podem ‘inspirar’ o comportamento, podem ‘racionalizar’ o comportamento, podem expressar ‘expectativas mútuas’ sobre o comportamento, ou podem ser ignoradas. Mas elas não correspondem a uma causa, no sentido em que um projétil de arma de fogo ao atravessar o coração causa a morte, ou um surto incontrolado na oferta de dinheiro causa inflação”.^42
Além disso, a formulação de leis gerais característica do positivismo, a partir de constatações empíricas, também resulta em problemas para uma análise
Generation of Interdisciplinary Scholarship,” American Journal of International Law , vol. 92, 3, 1998; p.372. 40 Friedrich Kratochwil e John Gerard Ruggie, “International Organization: A State of the Art on an Art of the State” 41 International Organization , vol. 40, 4, 1986; pp.352-353. Idem, p.352.
princípios e procedimentos de tomada de decisão. O compartilhamento de certas premissas com os mesmos teóricos realistas, como o estado-centrismo e a visão dos interesses estatais como fixos e exógenos, foi responsável, contudo, pela limitação dos estudos interdisciplinares entre juristas internacionais e teóricos da política internacional. Ainda assim, deve-se destacar que esse compartilhamento de premissas impediu uma reedição do debate entre “idealistas” e “realistas”, pois permitiu que os institucionalistas vinculassem a obediência às normas internacionais a ganhos em termos de eficiência, em contraposição às noções comumente associadas ao “idealismo”, como o altruísmo e o legalismo. Essa visão da aquiescência às normas internacionais evidencia a forte influência exercida pela metodologia economicista na análise dos institucionalistas, que associavam o sistema internacional à vasta literatura econômica sobre os mercados imperfeitos. A adoção dessa metodologia economicista, uma herança do behaviorismo, também impôs limites aos estudos interdisciplinares no âmbito da teoria institucionalista, posto que inapropriada para uma apreensão exata dos efeitos exercidos pelas normas no sistema internacional. Note-se que a influência da metodologia economicista encobriu potenciais contribuições dos estudos do Direito Internacional que poderiam alavancar a análise dos regimes, como o enfoque dos juristas internacionais sobre os costumes internacionais. Ao fim e ao cabo, aos institucionalistas deve ser creditada a superação do obtuso afastamento observado entre juristas internacionais e teóricos da política internacional ocorrido durante a Guerra Fria; apesar das limitações que tornam tímida e até certo ponto instrumental a reaproximação entre Direito Internacional e Relações Internacionais no âmbito do institucionalismo, o resgate do enfoque sobre elementos afinados com o objeto de estudo dos juristas internacionais abriu espaço para propostas interdisciplinares mais profundas.