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Industrializaçao no Brasil periodo colonial
Tipologia: Notas de estudo
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Felipe Hees*
Resumo: Desde a revogação da proibição de fábricas e de atividades manufatureiras em 1808, passando pelas diversas reformas alfandegárias ao longo do século XIX, pela controvérsia entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, nas décadas de 1930 e 1940, acerca das vantagens e desvantagens do livre comércio, e pelas discussões no Senado federal, nos anos 1940 e 1950, a respeito da industrialização e do desenvolvimento econômico do País, a importância da indústria para o desenvolvimento do País constitui um dos temas centrais da história econômica nacional. A convergência de opiniões quanto à relevância do tema não se traduz em consenso quanto à dinâmica e aos condicionantes do processo de industrialização propriamente dito. Variando de questões conceituais — a falta de rigor no emprego de termos como industrialização e crescimento industrial, por exemplo, ou ainda a desatenção com processos de ressignificação vocabular — a aspectos substantivos e teóricos, as divergências dificultam o entendimento de como, quando e por que a indústria de bens de capital logrou desalojar a agricultura de exportação como centro dinâmico da economia brasileira. Exemplos de como o emprego inadequado de conceitos pode dificultar as análises teóricas do referido processo podem ser encontrados em diversos estudos que vinculam a industrialização brasileira ao nível de protecionismo vigente. Por esse ângulo, o principal obstáculo à industrialização brasileira no século XIX foi o nível reduzido das tarifas alfandegárias nacionais no período. Palavras-chave: industrialização; crescimento industrial; protecionismo.
Abstract: Since the prohibition of factories and manufacturing activities was repealed in 1808, through the various customs reform throughout the nineteenth century, the controversy between Eugenio Gudin and Roberto Simonsen in the 1930s and 1940s about the advantages and disadvantages of free trade, and the discussions in the federal Senate in 1940 and 1950, about the industrialization and economic development of the country, the importance of industry to the Brazil's development is one of the central issues in national economic history. The convergence of views regarding the relevance of the subject does not translate into consensus on the dynamics and the constraints of the industrialization process itself. Ranging from conceptual issues — the lack of rigor in the use of terms such as industrialization and industrial growth, for example, or lack of awareness to the processes of re-signification of concepts — to substantive and theoretical aspects, divergences may render the understanding of how, when and why the capital goods industry has managed to dislodge the export agriculture as the dynamic center of the Brazilian economy quite difficult. Examples of how the inadequate use of concepts can hinder the theoretical analysis of the industrialization process can be found in several studies that linked the Brazilian industrialization to the level of protectionism in force. From this perspective, the main obstacle to Brazilian industrialization in the nineteenth century was the low level of tariffs during the period. Keywords: industrialization; industrial growth; protectionism.
*Diplomata, doutorando em História Social pela Universidade de Brasília, e-mail: felipe.hees@itamaraty.gov.br
Introdução A industrialização do Brasil constitui, indubitavelmente, um dos temas centrais da história econômica nacional. Desde a revogação da proibição para o estabelecimento de fábricas e de atividades manufatureiras em 1808, passando pelas diversas reformas alfandegárias ao longo do século XIX, pela controvérsia entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, nas décadas de 1930 e 1940, acerca das vantagens e desvantagens do livre comércio, e pelas memoráveis discussões no Senado federal, nos anos 1940 e 1950, a respeito da industrialização e do desenvolvimento econômico do País, para ficar apenas em alguns exemplos, a importância da indústria para o desenvolvimento do País fica evidente. A convergência de opiniões quanto à relevância do tema não se traduz, todavia, em consenso quanto à dinâmica e aos condicionantes do processo de industrialização brasileiro. As divergências variam de questões conceituais — a falta de rigor na utilização de termos como desenvolvimento , indústria , manufatura , fábricas , protecionismo e crescimento industrial , por exemplo — a aspectos substantivos e teóricos, dificultando o entendimento de como, quando e por que a indústria de bens de capital logrou desalojar a agricultura de exportação como centro dinâmico da economia brasileira. As dificuldades têm início já na maneira de descrever e de compreender o pensamento industrial no Brasil ao longo do século XIX. Se é certa a existência de referências ao vocábulo "indústria", observável em manifestações escritas e orais de membros da elite da época, é fundamental refletir sobre o significado de tal conceito, seja em razão de sua utilização de forma imprecisa, seja em virtude de fato de o termo ter significado distinto daquele vigente atualmente. Pelo menos dois são os riscos presentes: o primeiro consiste em aplicar, de forma anacrônica, conceitos inexistentes à época do período em análise; o segundo diz respeito a atribuir acepções estranhas ao período histórico em que determinado vocábulo é utilizado.^1
(^1) Quanto a esse segundo aspecto, trata-se de ter presente o processo de ressignificação proposto por Reinhart Koselleck. KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006.
Além dos problemas com o uso indevido de conceitos — por falta de rigor ou por desatenção com processos de ressignificação vocabular —, existem as dificuldades de cunho teórico, que podem ser tão mais pronunciadas quanto mais significativo for o emprego inadequado de conceitos. Exemplos deste problema podem ser encontrados em diversos estudos que vinculam a industrialização brasileira ao nível de protecionismo vigente^6. Por esse ângulo, o principal obstáculo à industrialização brasileira no século XIX foi o nível reduzido das tarifas alfandegárias nacionais no período. O tema será explorado mais adiante, utilizando-se como referência a interpretação de Nícia Villela Luz. 7 Perspectiva distinta adotam aqueles estudiosos que, com sólido embasamento teórico- conceitual, buscam entender como um país inserido numa divisão internacional do trabalho caracterizada pela acumulação de riquezas nas mãos da elite metropolitana, num primeiro período, mediante o comércio internacional entre a colônia e a metrópole (o pacto colonial), e imperial, num segundo instante, por meio da exportação de produtos primários^8 — conseguiu, a partir de determinado momento histórico e de certas condições específicas, fazer com que o motor do desenvolvimento nacional se deslocasse da monocultura de exportação para a indústria^9. Serão revisitadas, nesse sentido, as interpretações de Celso Furtado^10 e de João Manuel Cardoso de Mello^11. Apesar de construírem arcabouços analíticos sólidos, ambos os autores divergem, como se verá, em alguns aspectos de fundo. Mais do que procurar hierarquizar a "verdade" de tais
(^6) Veja-se, por exemplo, o seguinte excerto: "No princípio, os interesses agrários não permitem que se adote uma política ostensivamente protecionista, com tarifas suficientemente elevadas para o desenvolvimento de uma indústria autônoma". Apesar disso, "ao longo de todo o século XIX e mesmo por boa parte do século XX, expande-se a industrialização do Brasil". MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da República Velha ao Estado Novo: o aprofundamento do regionalismo e a crise do modelo liberal. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil 7. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 311. 8 LUZ, Nícia Villela.^ A Luta Pela Industrialização do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978. Fenômeno que, para Caio Prado Júnior, teria caracterizado o "sentido da colonização" brasileira. JÚNIOR, Caio Prado. 9 Formação do Brasil Contemporâneo. 24. reimpressão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 19 et seq. Esclareça-se, desde logo, que o papel central desempenhado pela monocultura de exportação para a industrialização brasileira não implica fazer tabula rasa da existência de subsistemas de produção distintos da agroexportação escravista. Os inúmeros e recentes estudos que vêm preenchendo essa lacuna da historiografia econômica brasileira não invalidam, contudo, a importância central da monocultura de exportação para o desenvolvimento econômico do País. Uma boa resenha sobre esses estudos pode ser encontrada em FRAGOSO, João Luís. Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil 10. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. 11 FURTADO, Celso.^ Formação Econômica do Brasil. 25. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1995. MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio. 8. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. Por compartilhar visão muito próxima do processo de industrialização brasileira, serão feitas referências igualmente à obra Raízes da Concentração Industrial em São Paulo , de Wilson Cano. CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1990.
contribuições, chamar-se-á a atenção para a importância do contexto histórico em que as duas obras são produzidas. Por um lado, os respectivos espaços de experiências e horizontes de expectativas moldam a visão de Furtado e de Cardoso de Mello a respeito processo de industrialização, isto é, o contexto histórico e a Weltanschauung de cada um irá influenciar sua explicação a respeito do processo de industrialização brasileiro. Por outro, é importante ter presente que a própria compreensão sobre o significado da industrialização nacional avança à medida que ela atinge o seu apogeu; isto é, Cardoso de Mello tem em seu benefício o fato de o Brasil já se encontrar plenamente industrializado quando da elaboração de sua obra, ao passo que Furtado, em 1953, teorizava sobre um processo ainda em curso.
Industrialização no Brasil oitocentista?
Durante a época colonial, a atividade manufatureira era limitada, posto que, na contramão do pacto colonial, era reprimida pela Coroa portuguesa. Em 5 de janeiro de 1785, já em plena Revolução Industrial na Inglaterra, D. Maria I (1734-1816), rainha de Portugal, assina alvará proibindo fábricas e a atividade manufatureira no Brasil, à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, utilizados para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos^12. A chegada família real portuguesa ao Brasil em 1808 e a transferência da sede do Império português para o Rio de Janeiro fez com que o príncipe regente, por meio do alvará datado de 1º de abril, revogasse aquele assinado por sua mãe, no século anterior. Tal decisão — ditada tanto pelo fim de facto do pacto colonial quanto pela influência do ideário liberal, sobretudo na figura de José da Silva Lisboa^13 —, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, por meio da isenção de direitos de importação de matérias-
(^12) "[...] sendo-me presente o grande número de fábricas, e manufaturas , que de alguns anos a esta parte se tem difundido em diferentes capitanias do Brasil, com grave prejuízo da cultura, e da lavoura , e da exploração das terras minerais daquele vasto continente [...] hei por bem ordenar, que todas as fábricas, manufaturas, ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados [...] sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil". Alvará de D. Maria I, de 5 de janeiro de 1785. Disponível em: <http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=978&sid=107&tpl=printerv iew 13 >. Acesso em: 3 jan. 2011. "[...] tendo participado da honra de concorrer para a dita resolução soberana, sendo ouvido em qualidade especial do meu emprego, a equidade exige indulgência à sustentação de princípios que já havia indicado em minhas obras que não têm desmerecido o favor do público". LISBOA, José da Silva. Observações sobre o comércio franco no Brasil. In: ROCHA, Antonio Penalves. Visconde de Cairu. São Paulo: Editora 34, 2001, p. 66. Apesar de evidências comprovando a influência de Lisboa para a decisão do príncipe regente, a historiografia não é unânime a esse respeito. KIRSCHNER, Tereza Cristina. José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu : itinerários de um ilustrado luso- brasileiro. São Paulo: Alameda; Belo Horizonte: PUC-Minas, 2009, p. 143 et seq.
principalmente com a emissão de papel-moeda, mais que duplicando o meio circulante durante o referido decênio.^17
Não é outra a razão para que, no relatório apresentado em 1844 à Assembleia Geral Legislativa na primeira Sessão da Sexta Legislatura, o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Manuel Alves Branco, assinalasse que:
Sendo o primeiro objetivo da Tarifa preencher o déficit, em que há anos labora o país, era meu dever fazer que a nova taxa de direitos, que compreendesse a maior soma de valores importados, fosse tal, que provavelmente o preenchesse; e porque a renda dos 20%, que em geral pagaram as mercadorias estrangeiras trazidas ao país, importava de 12 a 13.000 contos, era evidente que para conseguir aquele fim, cumpria elevá-la em mais 10%; e tal é a razão por que em geral ficou a importação estrangeira tributada em 30%.^18
Apesar de o aumento das tarifas de importação ter sido motivado primordialmente pela necessidade de reverter o déficit fiscal, não passavam despercebidos os efeitos protecionistas decorrentes de uma elevação das tarifas de importação. É o que registra o relatório do Ministério da Fazenda, em 1846, a respeito da adoção da tarifa Alves Branco: "teve-se igualmente em atenção proteger algumas indústrias já estabelecidas, ou em começo no Império [...]"^19. A mesma avaliação pode ser encontrada no relatório de 1849 da Repartição de Negócios Estrangeiros, na qual o Chanceler Saturnino de Souza e Oliveira explicitava a lógica por detrás da medida de
(^17) FURTADO, Celso. Op. cit., (1995), p. 97. (^18) Ministério da Fazenda, 1844, p. 34. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1524/000034.html. Acesso em: 4 jan. 2011. O mesmo problema já havia sido tratado anteriormente. Por exemplo, no relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Quinta Legislatura, o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Visconde de Abrantes, registrava: "por mais reduções que façais na Despesa orçada, por mais que vos resigneis a não criar despesa alguma nova, que não seja produtiva, ainda assim é evidentemente impossível que a Renda atual só por efeito de fiscalização, e do aumento da nossa produção, chegue, em poucos anos, para fazer face às precisões do Estado. Não iludamos, pois, a Nação: deixemos de prosseguir no emprego quase exclusivo de paliativos, que, sem ter prestado grande alívio, ou só aliviando por momentos, a final exacerbam o mal. O aumento razoável da nossa Receita, é portanto uma necessidade pública, a que todos devemos curvar-nos; e estou, que ao sacrifício passageiro da nossa popularidade, se tanto for necessário, há de suceder o reconhecimento dos nossos concidadãos, logo que desapareça a intensidade do mais que ora sofremos, e tome a reflexão o lugar do despeito momentâneo". Ministério da Fazenda, 1842, p.15. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1521/000014.html. Acesso em: 4 jan. 2011. A mesma preocupação surgia no Conselho de Estado. Nas atas de 24 de novembro de 1842 e de 4 de janeiro de 1843, por exemplo, o problema do déficit era aludido sem subterfúgios. 19 Ministério da Fazenda, 1846, p. 29. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1527/000029.html. Acesso em: 4 jan. 2011.
Alves Branco: "[...] e então, combinando-se as necessidades fiscais com a razoável proteção de algumas indústrias no país, foi promulgada a tarifa de 1844"^20 ,21. Ao longo da segunda metade do século XIX, assistiu-se a sucessivas alterações das tarifas alfandegárias. Por mais que se encontrem alusões à proteção da indústria nacional, a motivação primeira de todas essas reformas era invariavelmente o déficit público. Em 1857, o Ministro Souza Franco instituiu reforma tarifária que trouxe a primeira grande redução dos direitos de importação desde a reforma de 1844, embora, alerta Paulo Roberto de Almeida, foram reduzidos "alguns dos privilégios concedidos às 'indústrias nacionais'; mas, por motivos orçamentários, manteve-se uma pauta de direitos em geral elevada"^22. Em 1860, assiste-se a novo ímpeto protecionista, com a adoção das tarifas Silva Ferraz, que, segundo Oliveira Lima, "proclamava continuar a proteger a indústria nacional, sem excluir a concorrência estrangeira e, conseguintemente, prejudicar o consumidor; mas principalmente visava a melhorar o sistema de cobrança das taxas, as quais eram pela maior parte mantidas a 30 por cento"^23. Em 1869, adotou- se a tarifa Itaboraí, "ainda mais pronunciadamente protecionista e particularmente suntuária. O aumento de direitos versava sobre os objetos de luxo — porcelanas, cristais, tabaco, etc"^24. Sintomático do quanto as reformas tarifárias estavam atreladas a questões fiscais é o voto do Conselheiro Sousa Franco, registrado na ata da reunião do Conselho de Estado do dia 30 de janeiro de 1868. Nela, sustenta o referido político a necessidade de um aumento dos direitos alfandegários em razão do crescente déficit orçamentário, em muito agravado pelas despesas com a participação na Guerra do Paraguai. Embora tenha sido o mentor da reforma liberalizante de
(^20) Repartição das Relações Exteriores, 1849, p. S-35. Disponível em: < 21 http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1486/000052.html >. Acesso em: 4 jan. 2011. O argumento de se utilizar os direitos alfandegários como forma de proteger a indústria nacional não era consensual. Para o Senador Francisco de Paula Souza e Mello, por exemplo, "[s]e entrássemos nesta questão, eu me serviria das razões dos grandes economistas e financeiros teóricos e práticos, e reconheceria que há casos em que pode ter lugar a aplicação do princípio restritivo, mas que em tese ele é sempre um mal; não direi portanto que, por causa da face industrial, se deve adotar o artigo, para o governo ir sempre alterando a tarifa a favor das indústrias; porquanto, se nós embaraçarmos a entrada dos produtos estrangeiros, o que acontecerá? Primeiramente perguntaria: qual é a indústria que nós temos que precise de afastar a concorrência estrangeira? Não vejo". Senado Federal. Sessão de 25 de abril de 1843. 22 Anais do Senado. Brasília, v.8, p. 676. ALMEIDA, Paulo Roberto. Formação da diplomacia econômica do Brasil : as relações econômicas internacionais no Império. São Paulo: Editora Senac, 2001, p. 159. 23 LIMA, Manuel do Oliveira. O Império do Brasil : 1822-1889. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1986, p.
Embora constituída por interesses ainda heterogêneos, a Associação considerava que a falta de proteção à indústria e a instabilidade das tarifas aduaneiras, ao não incentivar o ―trabalho nacional‖, condenavam as populações urbanas ―ao parasitismo e à miséria com prejuízo da riqueza nacional e da ordem pública‖. Os efeitos negativos da crise econômica que se abateu sobre o Brasil na década de 1880 para o balanço de pagamentos contribuíram igualmente para a causa industrialista. Ganhavam força os defensores de que os constantes déficits orçamentários não deveriam mais ser resolvidos mediante a obtenção de empréstimos e a emissão de papel moeda: a melhor alternativa seria o fomento à indústria, permitindo que a produção nacional substituísse as importações. Imbuídos desta lógica, Amaro Cavalcanti^28 e Serzedelo Corrêa^29 tornaram-se dois dos principais defensores do fomento à indústria no final do Império e nos primeiros anos da República. Amaro Cavalcanti, autêntico exemplo de reação nacionalista contra o comércio de produtos importados, defendia a atividade industrial como fonte de riqueza e sustentava a posição de que o Estado deveria proteger a indústria mediante uma política protecionista. Propunha ademais que o governo concedesse empréstimos oficiais e estimulasse emissões fiduciárias como forma de
entanto, o seu afastamento das artes literárias e poéticas a fez diferente das congêneres brasileiras. A associação, que não tivera um caráter dissidente ao sistema político-econômico, pelo contrário, surgiu com o objetivo de explorar a natureza e colocá-la a serviço do progresso e da transformação do país". BARRETO, Patrícia Regina Corrêa. Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional : oficina de homens. Rio de Janeiro: XIII Encontro de História ANPUH, 2008, p. 2. 28 Um dos grandes representantes industrialistas do final de século XIX no Brasil, o Senador Amaro Cavalcanti foi um incansável defensor da industrialização brasileira por meio da proteção tarifária. Além disso, Cavalcanti defendia igualmente a concessão de empréstimos governamentais para as empresas, como se pode ver no discurso feito no Congresso Nacional em 25 de julho de 1892: "as empresas que me parecem dignas de auxílio são aquelas que, pelo emprego efetivo de seu capital, pelos serviços já feios, oferecem garantias de próximo sucesso, e nestas condições, a questão a resolver não seria a levantada por S. Ex., mas esta outra: o que melhor conviria para o bem-estar comum, ou para a vida industrial do país, — auxiliar indústrias que, já se achando em pé adiantado, carecem de recursos, relativamente pequenos, para tirar da própria produção os elementos de subsistência e progresso, — ou deixar que elas se arruínem completamente, com a perda de todo capital, de todo o trabalho feito, o que equivale a uma diminuição da fortuna pública?". CAVALCANTI, Amaro. Política e finanças. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, p. 337. Para um estudo sobre as ideias de Amaro Cavalcanti, consultar FERNANDES, Suzana Cristina. Amaro Cavalcanti e a luta pela industrialização brasileira. Campinas, 2001. Dissertação (Mestrado em História E 29 conômica) ─ Instituto de Economia, Universidade de Campinas. "Como consequência dessa perspectiva, a política econômica preconizada por Serzedelo Corrêa, era concebida, como vimos, como política comercial fundamentada na proteção tarifária. Como objetivo, era fixada a nacionalização progressiva das atividades econômicas realizadas no país, o que deve ser entendido tanto como retenção dos lucros e riquezas geradas nos negócios conduzidos por estrangeiros, como, principalmente, como internalização das mesmas atividades". CORRÊA, Maria Letícia. O debate de ideias econômicas na implantação da República no Brasil : progresso, modernização e construção da nação. Rio de Janeiro: XIII Encontro de História ANPUH, 2008, p. 4. As ideias de Serzedelo Corrêa encontram-se, sobretudo, em sua obra O problema econômico do Brasil. CORRÊA, Inocêncio Serzedelo. O problema econômico do Brasil (1903). Brasília: Senado Federal; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
estimular a indústria. Serzedelo Corrêa, por sua vez, dispunha de uma visão de conjunto que o diferenciava de Cavalcanti. Embora defendesse a produção nacional por meio do protecionismo industrial (sobretudo para as indústrias que processassem matéria-prima), Corrêa pleiteava uma política protecionista agrícola, o saneamento da moeda, maior eficiência na arrecadação, a reorganização do crédito, o desenvolvimento dos transportes e criação de companhias de seguro. A crise econômico-financeira que marcou a passagem do Império à República fez com que o recurso a emissões monetárias fosse abandonadas, concentrando-se a ofensiva nacionalista no final do século XIX e no começo do XX na reivindicação de uma política alfandegária protecionista e na abolição dos impostos interestaduais. No outro extremo do quadrante de posições encontravam-se figuras como Joaquim Murtinho, um dos principais defensores do liberalismo econômico^30. De acordo com Murtinho, o Estado deveria deixar de dar auxílios diretos para a indústria, pois as indústrias naturais em contraposição às indústrias artificiais, cuja ineficiência sacrificava o consumidor com preços elevados seriam capazes de se desenvolverem sozinhas, bastando que contassem com capitais suficientes, mão-de-obra adequada e facilidade de transporte. O progresso só poderia ser alcançado por meio do livre intercâmbio comercial, da construção de ferrovias e de políticas monetárias austeras^31.
(^30) Na introdução ao relatório de 1897 do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, o então Ministro Joaquim Murtinho afirmava: "a ideia errônea e antissocial de que a grandeza industrial de nossa pátria depende sobretudo da nossa libertação, cada vez mais completa, dos produtos da indústria estrangeira foi provocando a aspiração de estabelecer empresas industriais de todos os gêneros, para se conseguir realizar aquele desideratum pseudo- patriótico. [...] Esta solicitação dos pseudo-capitães [por crédito oficial] procurando colocação por todo transe, reunida ao esforço pseudo-patriótico para a nossa emancipação industrial absoluta, gerou a estrutura atual da organização da nossa indústria, organização viciosa, porque ela daria como resultado a extinção do comércio internacional e o isolamento dos povos e porque nenhum povo dispõe nem das aptidões, nem dos elementos naturais, nem dos recursos econômicos para realisar semelhante aspiração. O resultado dessa política industrial nós conhecemos de uma forma bem dolorosa". Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, 1897, p. 13. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2264/000009.html. Acesso em: 7 jan. 2011. Apesar das vantagens atribuídas por Murtinho à redução do protecionismo, quando, no ano seguinte, assume o Ministério da Fazenda, Murtinho mostra- se consciente da dificuldade e dos riscos de se promover uma simples redução das tarifas alfandegárias: "a redução das tarifas das alfândegas das taxas ultraprotecionistas aumentaria, sem dúvida, a entrada dos produtos estrangeiros nos nossos mercados, fazendo crescer por esta forma as rendas aduaneiras. Mas nem é possível, nem mesmo conveniente, sobretudo em uma época de grandes abalos, provocar uma transformação brusca no nosso vicioso sistema industrial, suspendendo instantaneamente proteções oficiais, à sombra das quais se organizaram e vivem muitas indústrias artificiais entre nós. Enquanto, pois, se opera lenta e gradualmente a metamorfose industrial entre nós, não temos outro recurso senão pedir a essas mesmas indústrias a compensação dos prejuízos que elas causam às rendas da união". Ministério da Fazenda, 1898, p. 35. Disponível em: < 31 http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1753/000042.html >. Acesso em: 7 jan. 2011. PELÁEZ, Carlos Manuel; SUZIGAN, Wilson. História monetária do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 145.
com evidências históricas, com raiva"^35. Para estes autores, a tarifa Alves Branco, de 1844, teria sido um "revolucionário projeto", com o objetivo de "lançar as bases da indústria nacional pela via do protecionismo", que teria ficado aquém do seu objetivo em razão de a "proteção [não ter sido] completa nem adequada"^36. Em que pese à apreciação de Nícia Villela Luz, Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, o historiador Luiz Carlos Soares faz uma leitura distinta do período pós-tarifa Alves Branco: "Nos anos 1840 e 1850, a expansão cafeeira no Vale do Paraíba e a sua maior integração ao mercado mundial trouxeram a necessidade de uma série de atividades urbanas complementares à cafeicultura [...]. No bojo dessas transformações e melhoramentos dos núcleos urbanos do Sudeste cafeeiro, verificou-se no mesmo período um crescimento das atividades manufatureiras , até então sem precedentes "^37. O uso da expressão grifada não apenas é impreciso, como induz à conclusão de que se tratou de um processo de crescimento das atividades manufatureiras de magnitude ímpar. No entanto, cotejando-se essa afirmação com a informação de Caio Prado Júnior de que "o número de estabelecimentos industriais, de pouco mais de 200 em 1881 [...]"^38 , percebe-se o quanto avaliações impressionistas podem levar a conclusões desencontradas a respeito da natureza e do significado do crescimento da atividade industrial na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas republicanas. Tal observação não coloca em questão o fato de que houve de fato um crescimento industrial no período em tela e de que tal fenômeno sofreu influência direta do nível de protecionismo vigente. Basta ter presente que, quando da realização do primeiro censo geral e completo das indústrias brasileiras, realizado em 1907, foram registros 3.258 estabelecimentos industriais. Não é, porém, a quantidade de estabelecimentos industriais o único fator a ser levado em consideração quando da reflexão sobre o processo de industrialização brasileiro. É fundamental ter presente que "a distribuição das atividades industriais [em 1907] ainda mantém
(^35) CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1992, p. 70. 36 37 Ibidem , p. 70. SOARES, Luis Carlos. A indústria na sociedade escravista: as origens do crescimento manufatureiro na região fluminense em meados do século XIX (1840-1860)". In: SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da Independência e do Império. 2. ed. São Paulo: Hucitec/Associação brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002, p. 291, grifo nosso. 38 JÚNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 259. Na mesma linha, "[...] das manufaturas têxteis, de que se contam no fim do Império cerca de cem estabelecimentos de certo vulto". Ibidem , p. 197.
[...] a estrutura anterior: a indústria têxtil e a de alimentação compreendem a parte substancial do conjunto"^39. Trata-se precisamente do aspecto assinalado por João Luís Fragoso de que, na passagem para o século XX, tratava-se da "constituição de indústrias leves (a exemplo da têxtil), estando fora daquele processo a formação de um setor produtor de bens de capital (indústria pesada)"^40. Apesar deste relativo progresso industrial, capitaneado pela indústria têxtil, "a indústria brasileira não sairá tão cedo da sua mediocridade, e lutará com dificuldades que lhe limitam consideravelmente os horizontes. Também não resolverá por isso, de uma forma ampla, nenhuma das contradições e dos problemas econômicos e sociais do país"^41. Observando-se o conjunto do período que vai da década de 1840 até a grande depressão, em 1929, evidencia-se que a dinâmica econômico-financeira do Império respondeu a três ordens de fatores: primeiro, aos interesses agrícolas, francamente liberais, que pleiteavam a diminuição das tarifas tanto de exportação (para tornar o café mais barato internacionalmente) quanto de importação (em virtude de significativa parcela dos gêneros alimentícios cerca de 20% em 1860 ser importada); segundo, aos interesses da atividade industrial nascente, eminentemente conservadores, favoráveis ao protecionismo alfandegário; e terceiro, a política tarifária de caráter essencialmente fiscal levada a cabo pelo governo, em razão de serem os impostos sua principal fonte de receita orçamentária. Em síntese, em que pese a uma certa anarquia da política tarifária ao longo do período 1844-1929, o nível de protecionismo exigido por questões de ordem fiscal permitiu que sobrevivesse no Brasil uma incipiente atividade industrial ao longo do período, cuja relevância econômica e política aumentou consideravelmente no período republicano. Se, durante o Império, o grau de protecionismo teve papel de relevo, o fim da escravidão e o aumento da imigração representaram não apenas o aumento exponencial na oferta de mão-de-obra, como também o desenvolvimento de um mercado consumidor de proporções crescentes.
(^39) Ibidem , p. 261. (^40) FRAGOSO, João Luís. Op. cit ., (1990), p. 184. (^41) JÚNIOR, Caio Prado. Op. cit. (1996), p. 198.
Para a correta compreensão da questão, é preciso atentar que, nas duas últimas décadas do século XIX, em conjunção com o processo de monopolização dos principais mercados industriais e no bojo da segunda Revolução Industrial, a indústria pesada, especialmente a siderúrgica, experimenta profunda mudança tecnológica que aponta para gigantescas economias de escala e, portanto, para um enorme aumento das dimensões da planta mínima e do investimento inicial. Muito distinto era o panorama da indústria de bens de consumo corrente, especialmente o da indústria têxtil: tecnologia relativamente simples, mais ou menos estabilizada, de fácil manejo e inteiramente contida nos equipamentos disponíveis no mercado internacional; tamanho da planta mínima e volume do investimento inicial inteiramente acessíveis à economia brasileira de então^44. A unificação e centralização do poder político em nível federal, aliada ao consenso em torno do desenvolvimento nacional por meio da industrialização, permitiu ao Estado fazer da política externa um efetivo instrumento para alcançar objetivos internos. E esse movimento pendular, de barganha, é, muitas vezes retratado como sintomático do maior ou menor grau de habilidade do presidente, ou de sua propensão ao "entreguismo" em termos de participação de capitais estrangeiros. O que nem sempre é devidamente levado em conta é que a industrialização brasileira — como caminho para o desenvolvimento nacional — foi condicionada pelo momento histórico em que ela tem lugar: trata-se de uma etapa do capitalismo em que são necessários grandes investimentos iniciais e tecnologia não disponível internamente para implantar a indústria de bens de capital. Nesse contexto, a presença do Estado, enquanto agente do processo de industrialização, foi indispensável. Tendo em vista que os EUA eram a principal potência, seria muito difícil que os Governos tivessem efetivamente a opção de implementar o processo de industrialização por uma vertente eminentemente nacionalista. Um dos primeiros trabalhos de fôlego sobre o processo industrializante no Brasil foi o livro Formação Econômica do Brasil , escrito em 1953 por Celso Furtado^45. Segundo o autor, o assalariamento da mão-de-obra, em virtude da imigração, ao longo das últimas décadas do século XIX teria tido importância fundamental na criação de um mercado interno, além de ter aumentado o grau de monetização da economia, fato viabilizado pela criação de bancos. Ademais, a pujança da economia cafeeira teria permitido o investimento em infraestrutura, algo
(^44) MELLO, João Manuel Cardoso de. Op. cit., (1991), p. 102. (^45) FURTADO, Celso. Op. cit., (1995).
fundamental para o processo de crescimento da indústria após a Iª Guerra Mundial. Ou seja, nesta explicação do processo de industrialização, o choque adverso, representado pela Iª Guerra, e as alterações estruturais que a economia brasileira vinha sofrendo explicam a origem da industrialização nacional^46. Um dos grandes méritos da análise de Furtado foi a percepção da importância da taxa de câmbio como determinante da distribuição de renda e como indutora do movimento de exportação ou de importação. O livro de Furtado é escrito numa época em que se buscava acentuar a filiação capitalista ocidental do Brasil. A realidade pós-Segunda Guerra Mundial deu esperança ao Brasil de conseguir benefícios econômicos e financeiros concretos dos EUA. Assim, o caráter específico da industrialização brasileira apontado por Furtado vai estar vinculado fundamentalmente a um determinante interno a taxa de câmbio e não às condições particulares enfrentadas pela industrialização tardia a inserção dos países na divisão internacional do trabalho e o estágio do capitalismo mundial. Furtado não enfatizou, em sua explicação, a subordinação da periferia ao centro: primeiro porque o referencial teórico centro- periferia elaborado pela Cepal ainda era recente; e segundo porque o momento histórico fazia o País reafirmar sua vocação capitalista ocidental, objetivo incompatível com qualquer esforço para estudar os limites e problemas deste tipo de inserção internacional. A análise de Furtado tem como ponto de partida o reconhecimento de que o comércio exterior constituía o centro dinâmico do sistema econômico do Império, sendo que no seu comportamento estava a chave do processo de crescimento da economia. Já nos últimos cinco lustros do século XIX, o aumento da importância relativa da mão-de-obra assalariada, em virtude da imigração crescente, permitiu o desenvolvimento de uma nova economia cafeeira baseada no trabalho assalariado, cuja característica essencial continuava a ser tal qual o ciclo do açúcar a subordinação à dinâmica dos mercados externos. É a dependência da demanda externa que marca a economia e estimula o desenvolvimento da economia. Mais precisamente, são os aumentos das exportações de café que permitem o crescimento dos níveis internos de renda. Este
(^46) Em 1973, Villela e Suzigan, com base em novos dados, perceberam que, ao contrário do que supunha Furtado, o primeiro boom da indústria foi anterior à Iª Guerra Mundial, durante os anos 1908-1913. Furtado havia visto na Iª Guerra o choque adverso responsável pelo aumento dos investimentos na indústria. Os autores demonstram que, durante o conflito, houve apenas utilização da capacidade produtiva já instalada. Logo, a Iª Guerra não teria sido um choque adverso; a pujança do café é que teria servido de choque positivo para o processo de industrialização. VILLELA, A; SUZIGAN, W. Política do Governo e Crescimento da Economia Brasileira : 1889/1945. São Paulo: IPEA, série monográfica, nº 10, 1973.
por aumento de salários (em razão da mão-de-obra excessiva) nem terra escassa, ao invés de se aumentar a produtividade física, plantavam-se áreas mais extensas. Manter, de forma persistente, o preço do café elevado significava criar condições para que o desequilíbrio entre a oferta e a procura se mantivesse. "O erro, se assim o podemos qualificar, estava em não se terem em conta as características próprias de uma atividade econômica de natureza tipicamente colonial, como era a produção de café no Brasil"^47. Para evitar a tendência ao desequilíbrio entre oferta e demanda, "teria sido necessário que a política de defesa dos preços houvesse sido completada por outra de decidido desestímulo às inversões em plantações de café"^48. Uma política de desestímulo, contudo, era impraticável, pois não havia onde aplicar os lucros obtidos com o café numa atividade de rentabilidade comparável. Para Furtado, dever-se-ia ter estimulado com os recursos financeiros do café outras atividades econômicas. Observe-se, todavia, que ―a política de defesa do setor cafeeiro contribuiu para manter a demanda efetiva e o nível de emprego nos outros setores da economia‖ brasileira, pois o crédito concedido para a compra do café excedente injetou recursos no sistema econômico e compensou, em parte, a diminuição dos investimentos. O financiamento dos estoques de café via emissão monetária, entretanto, aprofundava o desequilíbrio externo, pois o efeito multiplicador do aumento induzido da renda se refletia num acréscimo das importações maior do que as divisas proporcionadas pelas exportações. Dessa forma, conclui Furtado que a política de fomento da renda, implícita na defesa dos interesses cafeeiros, era igualmente responsável por um desequilíbrio externo, pois um nível de equilíbrio entre preços internos e externos era alcançado, embora a um nível de depreciação cambial mais elevado do que seria o caso na hipótese de não ter havido expansão de crédito originado pela compra do café a ser destruído.^49 Durante as etapas de depressão econômica quando importar se torna caro , a procura interna tem crescente importância como elemento dinâmico da economia.
Ao manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de inversão que o setor exportador. Cria-se, em consequência, uma situação praticamente nova na economia
(^47) FURTADO, Celso. Op. cit. , (1995), p. 182. (^48) Ibidem, p. 182. (^49) Ibidem, p. 196.
brasileira, que era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital.^50
Mas, após a crise de 1929, o autor salienta que não seria viável aumentar a capacidade industrial sem importar equipamentos do exterior, mais caros em virtude da depreciação da moeda nacional. Assim, numa primeira fase de expansão, houve o aproveitamento da capacidade produtiva já instalada, "gerando maior rentabilidade para o capital aplicado, criando os fundos necessários, dentro da própria indústria, para a sua expansão subsequente"^51. O autor alerta, entretanto, para as dificuldades associadas à instalação de uma indústria de bens de capital numa economia dependente. Isso porque
A procura de bens de capital coincide, nas economias desse tipo, com a expansão das exportações fator principal do aumento da renda e, portanto, com a euforia cambial. Por outro lado, as indústrias de bens de capital são aquelas com respeito às quais, por motivos de tamanho de mercado, os países subdesenvolvidos apresentam maiores desvantagens relativas. Somando-se essas desvantagens relativas às facilidades de importar que prevalecem nas etapas em que aumenta a procura de bens de capital, tem-se um quadro do reduzido estímulo que existe para instalar as referidas indústrias nos países de economia dependente. Ora, as condições que se criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo. A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importação eram as mais precárias possíveis. [...] É evidente, portanto, que a economia não só havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva.^52
Por fim, Furtado conclui que a manutenção da procura monetária em nível relativamente elevado no setor exportador em razão dos financiamentos dos estoques de café , combinado com o encarecimento repentino das importações em virtude da depreciação cambial , com a existência de capacidade ociosa em algumas indústrias que trabalhavam para o mercado interno e com o fato de já existir um pequeno núcleo de indústrias de bens de capital, ―explica a rápida ascensão da produção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no processo de criação de renda‖ na década de 1930^53. Com o desenvolvimento industrial dos anos 1930, a concorrência entre os produtos internos e os importados faz com que a taxa de câmbio
(^50) Ibidem, p. 197. (^51) Ibidem, p. 198. (^52) Ibidem, p. 199. (^53) Ibidem, p. 202.