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4 Sobre a Retórica Aristotélica, Notas de estudo de Poética

A Poética ocupa-se da arte da evocação imaginária, do discurso feito com fins essencialmente poéticos e literários” (Alexandre Júnior, in Aristóteles [384-322 ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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4
Sobre a Retórica Aristotélica
A obra de Aristóteles aborda o estudo sistemático de diversas disciplinas das
ciências e das artes, acolhendo então diferentes ramos do saber, como a Física, a
Filosofia, a Botânica, a Zoologia, a Metafísica, a Lógica, etc. (cf. Japiassu e
Marcondes, 1996:16, Reboul, 2004:21, Dayoub, 2004:9; e Philippe, 2002:9).
Sobre o discurso, Aristóteles escreveu dois tratados: a Techne Poietike (Arte
Poética, ou simplesmente Poética) e a Techne Rhetorike (Arte Retórica, ou
somente Retórica)36. “A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do
discurso feito em público com fins persuasivos. A Poética ocupa-se da arte da
evocação imaginária, do discurso feito com fins essencialmente poéticos e
literários” (Alexandre Júnior, in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:33).
Aristóteles, como Platão, foi contra os retóricos que o precederam,
“criticando-os por terem apenas reunido algumas receitas e alguns subterfúgios
aplicáveis à oratória” (Dayoub, op.cit., p.10). Esses retóricos visavam,
unicamente, aos efeitos exteriores da retórica, como a emoção; dessa forma,
outros recursos da oratória eram renegados, como a argumentação e o entimema
dedução em que uma premissa é subentendida (cf. ibid).
Aristóteles deixou claro que a função da Retórica não é a de persuadir, mas
de discernir os meios de persuasão (cf. Dayoub, op.cit., p.12). Nesse sentido, o
filósofo definiu a Retórica como “a capacidade de descobrir o que é adequado a
cada caso com o fim de persuadir” (Aristóteles [384-322 a.C.], 2005, Retórica,
livro I, cap. 2, 1356a). Também afirma que persuadimos pelo discurso “quando
mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em
cada caso particular” (ibid.).
Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das outras
apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo,
a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as
grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as
outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de
36 Cf. Andrade e Medeiros (2001:284); Barthes (in Cohen et al., 1975:155); e Alexandre
Júnior (in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005).
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Sobre a Retórica Aristotélica

A obra de Aristóteles aborda o estudo sistemático de diversas disciplinas das ciências e das artes, acolhendo então diferentes ramos do saber, como a Física, a Filosofia, a Botânica, a Zoologia, a Metafísica, a Lógica, etc. (cf. Japiassu e Marcondes, 1996:16, Reboul, 2004:21, Dayoub, 2004:9; e Philippe, 2002:9). Sobre o discurso , Aristóteles escreveu dois tratados: a Techne Poietike (Arte Poética, ou simplesmente Poética) e a Techne Rhetorike (Arte Retórica, ou somente Retórica)^36. “A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos. A Poética ocupa-se da arte da evocação imaginária, do discurso feito com fins essencialmente poéticos e literários” (Alexandre Júnior, in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:33). Aristóteles, como Platão, foi contra os retóricos que o precederam, “criticando-os por terem apenas reunido algumas receitas e alguns subterfúgios aplicáveis à oratória” (Dayoub, op.cit. , p.10). Esses retóricos visavam, unicamente, aos efeitos exteriores da retórica, como a emoção; dessa forma, outros recursos da oratória eram renegados, como a argumentação e o entimema – dedução em que uma premissa é subentendida (cf. ibid ). Aristóteles deixou claro que a função da Retórica não é a de persuadir, mas de discernir os meios de persuasão (cf. Dayoub, op.cit. , p.12). Nesse sentido, o filósofo definiu a Retórica como “a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (Aristóteles [384-322 a.C.], 2005, Retórica , livro I, cap. 2, 1356a). Também afirma que persuadimos pelo discurso “quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular” ( ibid. ). Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de (^36) Cf. Andrade e Medeiros (2001:284); Barthes ( in Cohen et al. , 1975:155); e Alexandre Júnior ( in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005).

descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso, afirmamos que, como arte, as suas regras não se aplicam a nenhum género específico de coisas 37 (Aristóteles, op.cit. ). Como já citado no Capítulo 2, Paul Ricoeur (2005:21) declara que “a retórica de Aristóteles constitui a mais brilhante das tentativas de institucionalizar a retórica a partir da Filosofia”. É uma Retórica que abrange três campos: “uma teoria da argumentação, que constitui seu eixo principal e fornece ao mesmo tempo o nó de sua articulação com a Lógica demonstrativa e com a Filosofia (...), uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso” ( ibid. , p.18). Aristóteles dividiu sua obra em três livros: O livro I é o livro do emissor da mensagem, o livro do orador. Aí trata-se principalmente da concepção dos argumentos, na medida em que eles dependem do orador, de sua adaptação ao público. Tudo isso, de acordo com os três gêneros reconhecidos de discurso (judiciário, deliberativo, epidítico). O livro II é o livro do receptor da mensagem, o livro do público. Aí, são focalizadas as emoções (paixões) e, novamente, os argumentos, mas somente na medida em que forem recebidos (e não concebidos , como dantes). O livro III é o livro, por excelência, da mensagem: nele se enfocam a lexis ou elocutio , isto é, as “figuras”, e também a taxis ou dispositio , a ordem das partes do discurso (Barthes, in Cohen et al. , 1975:156). Os aspectos que caracterizam o esquema retórico em Aristóteles, segundo Alexandre Júnior, são:

  1. A distinção de duas categorias formais de persuasão: provas técnicas e não técnicas;
  2. A identificação de três meios de prova, modos de apelo ou formas de persuasão: a lógica do assunto, o caráter do orador e a emoção dos ouvintes;
  3. A distinção de três espécies de retórica: judicial, deliberativa e epidíctica;
  4. A formalização de duas categorias de argumentos retóricos: o entimema, como prova dedutiva; o exemplo, usado na argumentação indutiva como forma de argumentação secundária;
  5. A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na construção dos argumentos: tópicos especificamente relacionados com cada género de discurso; tópicos geralmente aplicáveis a todos os géneros; e tópicos que proporcionam estratégias de argumentação, igualmente comuns a todos os géneros de discurso;
  6. A concepção de normas básicas de estilo e composição, nomeadamente sobre a necessidade de clareza, a compreensão do efeito de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal, e a explicitação do papel da metáfora;
  7. A classificação e ordenação das várias partes do discurso (Alexandre Júnior, op.cit. , p.35). A Retórica Aristotélica “é decomposta em quatro partes, que representam as quatro fases pelas quais passa quem compõe um discurso, ou pelas quais acredita-

(^37) Grifo meu.

A elocução “não diz respeito à palavra oral, mas à redação escrita do discurso, ao estilo” (Reboul, op.cit. ). É a etapa linguística “em que se elabora a redação do discurso, isto é, a expressão, por meio de palavras e frases, da argumentação” (Dayoub, op.cit. ). A ação é “a etapa que compreende o trabalho de exposição e manifestação do discurso” ( ibid. ). É “a proferição efetiva do discurso, com tudo que ele pode implicar em termos de efeitos de voz, mímicas e gestos” (Reboul, op.cit. , p.44) 38.

1. IEuresisNVENTIO Invenire quid dicas Achar o que dizer 2. D ISPOSITIO Taxis

Inventa disponere Pôr em ordem o que se encontrou.

3. ELOCUTIO Lexis

Ornare verbis Acrescentar o ornamento das palavras, das figuras.

4. A CTIO Hypocrisis

Agere et pronuntiare Tratar o discurso como um ator: gestos e dicção.

Quadro 6 - As operações da técnica retórica em Aristóteles.

Invenção

Roland Barthes ( in Cohen et al. , 1975:183) diz que “a inventio é mais uma descoberta (dos argumentos) do que uma invenção propriamente. Tudo já existe, é necessário apenas encontrá-lo. É uma noção mais ‘extrativa’”. Esse fato é reforçado, nas palavras de Barthes ( op.cit. ), pela designação de um “lugar” ( tópica ) do qual podemos extrair argumentos e ao qual devemos referi-los: A inventio é um caminho ( via argumentorum ). Essa idéia da inventio implica dois sentimentos: por um lado, uma confiança inabalável no poder de um método, de um caminho: se lançarmos a rede das formas argumentativas sobre o material com uma boa técnica, teremos certeza de colher o conteúdo de um excelente discurso; e por outro lado, a convicção de que o espontâneo, o ametódico não conduz a nada: (^38) Reboul (2004:44) salienta que “na época romana, à ação será acrescentada a memória”. Destaca ainda que, para Cícero, a arte de memorizar ( mnemé ) um discurso “(...) é uma aptidão natural, não uma técnica; portanto, não pode ser parte da retórica” ( ibid. , p.68). Já para Quintiliano, o autor ressalta que é o contrário: a memória não só é um dom, como também uma técnica que se aprende, indicando, inclusive, “processos mnemotécnicos, como decompor o discurso em partes, que serão memorizadas uma após outra, associando a cada uma um sinal mental para lembrar de proferi-la no momento certo: uma âncora para um trecho sobre navio, um dardo para trecho sobre combate (...)” ( ibid. ).

ao poder da palavra final corresponde um nada da palavra original. O homem não pode falar se não concebeu sua palavra, e, para gerá-la, há uma techne especial, a inventio (Barthes, op.cit. ). Reboul (2004:54) explica que a invenção “por um lado, é o ‘inventário’, a detecção pelo orador de todos os argumentos ou procedimentos retóricos disponíveis. Por outro, é a ‘invenção’ no sentido moderno, a criação de argumentos e instrumentos de prova (...)”. O autor descreve que “antes de empreender um discurso, é preciso perguntar-se sobre o que ele deve versar, portanto sobre o tipo de discurso, o gênero que convém ao assunto” ( ibid. , p.44). Desse modo, de acordo com a pessoa ou o público a que o discurso é dirigido, muda-se a forma de pronunciamento. A invenção ( inventio, euresis ) é, então, a primeira parte da Retórica Aristotélica, que trata da procura dos argumentos (cf. ibid. , p.249). Para Aristóteles, há três espécies de auditório, e, por isso, haverá três gêneros de discurso: o deliberativo (ou político), o epidítico (ou demonstrativo) e o judiciário (ou forense):

  1. o deliberativo (decisivo): orientado para que o auditório tome uma decisão;
  2. o forense ou judiciário : orientado para que o auditório atue de forma a conceder seu voto a favor da tese do orador; e
  3. o epidítico ou de exibição : orientado para elogiar ou censurar e o lugar de onde fala o orador é o do belo e o do feio, no aspecto da moralidade (Dayoub, 2004:17).

Gêneros do discurso

O discurso deliberativo é a Assembleia (Senado) – aconselha ou desaconselha sobre as questões da cidade (cf. Reboul, op.cit. ). Aristóteles ([384-322 a.C.], 2005, Retórica , livro I, cap. 3, 1358b) descreve que, para quem delibera, “o fim é o conveniente ou o prejudicial; pois o que aconselha recomenda-o como o melhor, e o que desaconselha dissuade-o como o pior, e todo o resto – como o justo ou o injusto, o belo ou o feio – o acrescenta como complemento”. Importa primeiramente compreender que coisas, boas ou más, aconselha o orador deliberativo, pois não se ocupa de todas as coisas, mas apenas das que podem vir a acontecer ou não. (...) Mas os assuntos passíveis de deliberação são claros; são os que naturalmente se relacionam connosco e cuja produção está nas nossas mãos. Pois desenvolvemos a nossa observação até descobrirmos se nos é possível ou impossível fazer isso. (...)

As espécies da retórica são três em número; pois outras tantas são as classes de ouvintes dos discursos. Com efeito, o discurso comporta três elementos: o orador, o assunto de que fala, e o ouvinte; e o fim do discurso refere-se a este último, isto é, ao ouvinte. Ora, é necessário que o ouvinte ou seja espectador ou juiz, e que um juiz se pronuncie ou sobre o passado ou sobre o futuro. O que se pronuncia sobre o futuro é, por exemplo, um membro de uma assembleia; o que se pronuncia sobre o passado é o juiz; o espectador, por seu turno, pronuncia-se sobre o talento do orador. De sorte que é necessário que existam três géneros de discursos retóricos: o deliberativo, o judicial e o epidíctico (Aristóteles, op.cit. , cap. 3, 1358b). Como é notado, os gêneros do discurso, para Aristóteles, também são distinguidos pelo tempo. Sobre essa acepção, Reboul expressa: O judiciário refere-se ao passado, pois são fatos passados que cumpre esclarecer, qualificar e julgar. O deliberativo refere-se ao futuro, pois inspira decisões e projetos. Finalmente, o epidíctico refere-se ao presente, pois o orador propõe-se à admiração dos espectadores, ainda que extraia argumentos do passado e do futuro (Reboul, 2004:45). Auditório Tempo Ato Valores Argumento-tipo Judiciário (Forense)

Juízes Passado (fatos por julgar)

Acusar Defender

Justo Injusto

Entimema (dedutivo)

Deliberativo (Político)

Assembleia Futuro Aconselhar Desaconselhar

Útil Nocivo

Exemplo (indutivo) Epidítico (Demonstrativo)

Espectador Presente Louvar Censurar

Nobre Vil

Amplificação

Quadro 7 - Os três gêneros do discurso.

Após o orador ter identificado o público e a finalidade do discurso e, assim, estabelecido o gênero a ser usado, é preciso, em seguida, determinar que argumentos devem ser empregados para alcançar a persuasão.

4.1.2. Dimensões persuasivas do discurso

Ao afirmar a existência do potencial de persuasão em todo e qualquer discurso, independentemente do gênero, Aristóteles definiu e ampliou o conceito de retórica. Ele viu a argumentação como um conjunto de estratégias que organizam o discurso persuasivo e considerou o silogismo entimemático (dedução truncada em que de duas premissas se tira uma terceira que vale como conclusão) como base das estratégias usadas pelo orador para convencer o seu auditório (Dayoub, 2004:14).

Dayoub ( op.cit. ) coloca que as estratégias de argumentação, dispostas com intuitos de convencimento, são duas: as provas inartísticas ou não técnicas e as provas artísticas ou técnicas. As inartísticas “existem independentemente da arte retórica, ou seja, do orador; são, por exemplo, as leis, os testemunhos, as confissões obtidas pela tortura, o juramento, os contratos;” já as provas artísticas são “criadas pelo próprio orador para sustentar a argumentação” ( ibid. ). Reboul (2004:49) oferece uma outra nomenclatura^39. São as provas extrínsecas e as provas intrínsecas. Extrínsecas são as apresentadas antes da invenção: “testemunhas, confissões, leis, contratos, etc. Do mesmo modo, num discurso epidíctico, tudo o que se sabe da personagem cujo elogio se faz”. E as provas criadas pelo orador são as intrínsecas – dependem de seu método e de seu talento pessoal, são sua maneira própria de impor seu relatório (cf. ibid. , p. 50). As provas artísticas (técnicas ou intrínsecas), adotadas como ferramentas de persuasão, são divididas em três grupos (cf. Dayoub, op.cit. , pp.14-15). Há “(...) os derivados do caráter do orador (...); os derivados da emoção despertada pelo orador nos ouvintes (...); e os derivados de argumentos verdadeiros ou prováveis (...)” (Alexandre Júnior ( in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:37). No sentido generalíssimo de instrumentos de persuadir ( pisteis ), esses três tipos de argumento são, portanto, assim encontrados por Aristóteles: “etos e patos, que são de ordem afetiva, e logos, que é racional” (Reboul, op.cit ., p.47). Aristóteles ([384-322 a.C.], 2005, livro I, cap. 2, 1356a) explica: “as provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três espécies: umas residem no caráter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio discurso, pelo que se demonstra ou parece demonstrar”. Deste modo, Dayoub discorre sobre as três espécies de provas argumentativas:

(^39) “Na realidade, o orador dispõe de dois tipos de provas: as atekhnai , ou seja, extra- retóricas, e as entekhnai , ou seja, intra-retóricas. Vamos denominá-las, respectivamente, extrínsecas e intrínsecas (no século XVII, eram traduzidas por naturais e artificiais)” (Reboul, 2004:49).

p.15) – dar-se-á o convencimento inclusive pela sua atuação no instante do discurso. Ainda sobre o etos , Reboul faz uma interessante inferência: Note-se que etos é um termo moral, “ético”, e que é definido como caráter moral que o orador deve parecer ter, mesmo que não o tenha deveras. O fato de alguém parecer sincero, sensato e simpático, sem o ser, é moralmente constrangedor; no entanto, ser tudo isso sem saber parecer não é menos constrangedor, pois assim as melhores causas estão fadadas ao fracasso (Reboul, op.cit. , p. 48). O patos é constituído pelos sentimentos – paixões, emoções – que o orador, com seu discurso, busca despertar nos espectadores. “Aqui, o etos já não é o caráter (moral) que o orador deve assumir, mas o caráter (psicológico) dos diferentes públicos, aos quais o orador deve adaptar-se” ( ibid. ). Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção por meio do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio. É desta espécie de prova e só desta que, dizíamos, se tentam ocupar os autores actuais de artes retóricas^40 (Aristóteles, op.cit. , livro I, cap. 2, 1356a). Reboul ( op.cit. , p.49) esclarece que, se o etos diz respeito ao orador e o patos ao auditório, o logos^41 se refere à argumentação do discurso propriamente dita. “Persuade-se, enfim, pelo discurso, quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular”, diz Aristóteles ( op.cit. ). O logos é, então, o aspecto dialético da retórica: “a retórica é, de facto, uma parte da dialética e a ela se assemelha, (...) pois nenhuma das duas é ciência de definição de um assunto específico, mas mera faculdade de proporcionar razões para os argumentos” ( ibid. ). Segundo Dayoub ( op.cit. ), “essa é a parte mais importante da oratória, porque envolve o raciocínio lógico e persuasivo, além de expressar a argumentação propriamente dita, em que se utilizam as provas e os mais relevantes princípios da técnica retórica”. O autor também expõe que, desse modo, Aristóteles “enumerou os recursos argumentativos próprios da retórica”, que são, fundamentalmente, o exemplo e o entimema ( ibid. ). Mas no que toca à persuasão pela demonstração real ou aparente, assim como na dialéctica se dão a indução, o silogismo e o silogismo aparente, também na retórica acontece o mesmo. Pois o exemplo é uma indução, o entimema é um silogismo, e o entimema aparente é um silogismo aparente. Chamo entimema ao silogismo retórico e exemplo à indução retórica. E, para demonstrar, todos produzem provas

(^40) Percebe-se, nesta passagem, que Aristóteles faz uma crítica ao sofismo. Sobre o sofismo, vide subitem 19.2.3 no Apêndice II. 41 Reboul (2004:49) ressalta que o termo logos é utilizado para simplificar, pois não é empregado por Aristóteles.

por persuasão, quer recorrendo a exemplos quer a entimemas, pois fora destes nada mais há. De sorte que, se é realmente necessário que toda a demonstração se faça ou pelo silogismo ou pela indução (...), então importa que estes dois métodos sejam idênticos nas suas artes (Aristóteles, op.cit. , 1356b). Dayoub explica esses recursos argumentativos:

  1. o exemplo – usado para a indução, característica da oratória que consiste em citar um caso particular, para persuadir o auditório de que assim é o geral. A partir de fatos passados, deduz-se como serão os fatos futuros;
  2. o entimema – visto como tipo de dedução próprio da oratória que parte de premissas apenas verossímeis, prováveis. Suas premissas não são necessárias, universais ou verdadeiras, mas são aceitas pela maioria das pessoas (Dayoub, op.cit. , p.16). Do exemplo “(...) se vale o orador para sustentar sua afirmação sobre um caso distinto anterior, mas do mesmo gênero, por apresentar certas características comuns” ( ibid. , p.18). Segundo Dayoub ( op.cit. ), “há dois tipos de exemplos: os casos realmente sucedidos (fatos históricos) e os casos inventados, em que se incluem as parábolas e as fábulas”. Desde Aristóteles, o exemplum subdivide-se em real e fictício; este em parábola e fábula. O real corresponde à área histórica; mas também à mitologia, por oposição, não ao propriamente imaginário, mas a tudo aquilo que é obra do invento. A parábola é uma comparação curta, a fábula ( logos ) um conjunto de ações. Isso denuncia a natureza narrativa do exemplum que se vai desenvolvendo historicamente (Barthes, in Cohen et al. , 1975:186-187). “A parábola é um exemplo inventado e implica uma comparação com algo que tem semelhança e a respeito do qual expressa uma ilustração. Fábulas também são exemplos inventados” (Dayoub, op.cit. ). É ainda destacado por Dayoub ( op.cit. ) que “na falta de entimemas, utilizam-se os exemplos como ilustrações. Havendo entimemas, usam-se os exemplos como testemunhos, pois o testemunho é persuasivo em todas as circunstâncias”. Para quem tem testemunhas frente a um adversário que as não tem, os seus argumentos serão: que as probabilidades não valem perante o tribunal; e que não haveria necessidade de testemunhas, se bastasse especular na base de argumentos de probabilidade. Uns testemunhos referem-se ao próprio, outros à pessoa do adversário; uns aos factos, outros ao carácter moral das duas partes; de sorte que é evidente que em nenhuma circunstância deve faltar um testemunho útil; pois se não é possível produzir sobre os factos um argumento favorável à nossa causa ou desfavorável ao adversário, é ao menos possível produzi-lo sobre o carácter, para provar a nossa honestidade ou a maldade do adversário. Quanto aos demais argumentos sobre a testemunha – se é amiga, inimiga ou indiferente, se é de boa, má ou mediana reputação, e quaisquer outras diferenças do género –, devem formar-se a partir dos mesmos lugares de que derivam os entimemas (Aristóteles, op.cit. , 1376a).

na Retórica que a encontramos: os ‘lugares’ ou ‘lugares comuns’ são aquilo em que coincidem uma multidão de raciocínios oratórios” ( ibid. ). A autora ( op.cit. ) complementa: “se substituirmos ‘oratórios’ por ‘dialéticos’, teremos uma definição dos lugares dialéticos: portanto, são as fontes comuns de uma multidão de raciocínios. Por isso permitem certas classificações lógicas”. Olivier Reboul ( op.cit. ) faz a pergunta: “como encontrar argumentos?” – e responde: “por lugares”. O autor, em seguida, desdobra a resposta: “esse termo é tão corrente quanto obscuro. Na dúvida, pode-se sempre traduzir ‘lugar’ por argumento. Mas lembremos que esse termo tem pelo menos três sentidos (...)”. Infere-se, aqui, que esses lugares ( topoi ) são os tópicos já mencionados, ou tipos de argumentos, como é colocado por Reboul. Seus três sentidos são expostos, pelo autor, por três níveis de tecnicidade. “No sentido mais antigo e mais simples, o lugar é um argumento pronto que o defensor pode colocar em determinado momento do seu discurso, muitas vezes depois de o ter aprendido de cor” ( ibid. , p.51). Nesse caso, o lugar é “um argumento-tipo, cujo alcance varia segundo as culturas” ( ibid. ). Num sentido mais técnico, “o lugar já não é um argumento-tipo, é um tipo de argumento, um esquema que pode ganhar os conteúdos mais diversos” ( ibid. ) – como o lugar do mais e do menos , revelado nesta passagem de Aristóteles: Outro tópico é o do mais e do menos ; por exemplo: “se nem os deuses sabem tudo, menos ainda sabem os homens”. O que equivale dizer: “se de facto uma afirmação não se aplica ao que seria mais aplicável, é óbvio que também não se aplica ao que seria menos”. O argumento, “uma pessoa que bate nos vizinhos, também bate no pai”, assenta no raciocínio seguinte: “se há menos, também há o mais”, visto que se bate sempre menos nos pais do que nos vizinhos. Ou então empregam-se um e outro argumento desta forma: “se uma afirmação se aplica ao que é mais, não se aplica”, “se ao que é menos, aplica-se”, conforme seja preciso demonstrar o que é e o que não é (Aristóteles, op.cit. , livro II, cap. 23, 1397b). “O orador precisa de mostrar que uma coisa é mais ou menos importante, mais ou menos vantajosa, da mesma maneira que precisará de mostrar que ela é possível ou impossível” (Alexandre Júnior, op.cit. , p.39). Reboul ( op.cit. , p.52) esclarece que o lugar do mais e do menos é extremamente verossímil, longe de ser evidente, pois “toda verossimilhança, pode ser contestada”. Nesse caso, seria incontestável se fosse aplicado a realidades homogêneas, como o dinheiro, por exemplo: quem consegue emprestar R$ 100,00, poderia ter emprestado apenas R$ 50,00 (cf. ibid. ). Mas tal conceito, quando aplicado a casos heterogêneos, deixa de ser evidente. O autor cita o exemplo dos saberes e dos poderes: “afinal,

quem sabe menos talvez saiba coisa diferente de quem sabe mais; o mesmo para o poder: uma enfermeira pode coisas que o médico não pode, etc. Quem pode o mais, não pode necessariamente o menos” ( ibid. ). Classicamente, dá-se a esses lugares o nome de “lugares-comuns”, pois se aplicam a toda espécie de argumentação; no caso atual, não passa de opinião banal expressa de modo estereotipado, enquanto o lugar clássico é um esquema de argumento que se aplica aos dados mais diversos. Tecnicamente, opõe-se ao lugar próprio, tipo argumento particular a um gênero do discurso (Reboul, op.cit. ). Reboul ( op.cit ) afirma que o terceiro “lugar” está num sentido mais técnico: “o lugar não é um argumento-tipo nem um tipo de argumento, mas uma questão típica que possibilita encontrar argumentos e contra-argumentos (...)”. Para o autor, esse caso é muito encontrado “num lugar próprio do gênero judiciário, o do estado da causa ( stasis, status )” ( ibid. , p.53). Supondo que alguém seja processado por um delito, “(...) a acusação e a defesa vão propor-se as mesmas perguntas, que a antiga retórica sintetiza em quatro” ( ibid. ):

  1. Estado de conjectura: ele matou realmente?
  2. Estado de definição: trata-se de crime premeditado, não premeditado, de homicídio involuntário?
  3. Estado de qualidade: supondo-se que seja admitido o crime voluntário, quais são as circunstâncias que podem acusar ou escusar o réu: motivo patriótico, religioso?
  4. Estado de recusa, que consiste em perguntar se o tribunal é realmente competente, se a instrução foi suficiente, etc. (Reboul, op.cit. , baseando-se na obra Tópicos ). Portanto, “os lugares ( topoi ) significam pontos de vista, lugares-comuns, princípios argumentativos, pressupostos ou fundamentos, que, à época, já consistiam em uma interpretação de mundo com força persuasiva” (Dayoub, op.cit. , p.24). “Finalmente, lugar é tudo o que possibilita ou facilita a invenção, mas que, por isso mesmo, a nega, pois uma invenção deixa de sê-lo à medida que se torna fácil!” (Reboul, op.cit. , p.54).

Disposição

A disposição ( dispositio, taxis ) é a segunda parte da Retórica de Aristóteles. Versa sobre o plano do discurso, da construção. Parte-se do princípio de que todo discurso tem uma ordem definida, um plano-tipo, que é imprescindível.

acerca de coisas deste género. Porém, se a intenção é a de que os auditores não sejam atentos, deverá dizer-se que o assunto não é importante, que não lhes diz respeito, que é penoso (Aristóteles, op.cit. , cap. 14, 1415b). Reboul ( op.cit. ) explica que, para Aristóteles, o discurso deliberativo quase não precisa do exórdio, já que o auditório, de antemão, sabe do que trata o assunto: “quanto ao epidíctico, o exórdio consiste em fazer o auditório sentir que está pessoalmente implicado no que se vai dizer, em incluí-lo no fato” ( ibid. ). Nos discursos epidícticos, é necessário fazer o ouvinte pensar que partilha do elogio, ou ele próprio ou sua família, ou o seu modo de vida, ou pelo menos algo deste tipo. Pois é verdade o que Sócrates afirma no seu discurso fúnebre: que não é difícil “louvar os Atenienses diante dos Atenienses, mas sim diante dos Lacedemónios” 45 (Aristóteles, op.cit. ). Depois do exórdio, a segunda parte do discurso, principalmente no gênero judiciário, é a exposição dos fatos referentes à causa. Na narração^46 , os eventos são expostos aparentemente de forma objetiva, orientada conforme as necessidades da defesa e da acusação. É quando se apresenta o assunto, embasando-o com a demonstração da tese. Essa maneira de apresentar os fatos já se autoconstitui num argumento (cf. Reboul, op.cit. , pp.56-57 e 250). Na verdade, se a apresentação “(...) não for objetiva, deverá parecer. E é na narração que o logos supera o etos e o patos. Para ser eficaz, deve ter três qualidades: clareza, brevidade e credibilidade” ( ibid. , p.56). Hoje em dia, diz-se de forma ridícula que a narração deve ser rápida. E, contudo, isto é como aquela do padeiro que perguntava se deveria fazer massa de consistência dura ou macia; “o quê”, replicou-lhe alguém, “não é possível fazê-la bem ?”. E aqui é o mesmo. Efectivamente, é preciso que se componham narrações não de grandes dimensões, tal como não se devem elaborar proémios nem provas muito extensas. Pois também aqui o melhor não é a rapidez ou a concisão, mas sim a justa medida. Isto significa falar tanto quanto aquilo de que o assunto necessita para ficar claro, ou tanto quanto permita supor que algo sucedeu ou que dele resultou algum prejuízo ou injustiça, ou que os assuntos são da importância que se quer demonstrar; o adversário, por seu turno, deve contrapor as razões opostas (Aristóteles, op.cit. , cap. 16, 1417a). Reboul ( op.cit. , p.57) salienta que, no gênero deliberativo, a narração , no entendimento de Aristóteles, “quase não tem razão de ser, pois esse discurso trata do futuro; no máximo, pode fornecer exemplos”. Ao contrário, no gênero

(^45) Platão [ c. 427-348 a.C.], Ménon , 235d. (N.T. in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:283). (^46) “Na Idade Média vai constituir-se uma nova retórica da narração; desliga-se do gênero judiciário, mas insere-se na de pregação, com os exempla , histórias geralmente fictícias que ilustram o tema do sermão. Hoje em dia a publicidade e, principalmente, a propaganda utilizam narrações breves, também a título de exemplo” (Reboul, 2004:57).

epidíctico a narração “é tão importante que há interesse em dividi-la segundo as questões: os fatos que ilustram coragem, os que ilustram generosidade, etc.” ( ibid. ). No género deliberativo, a narração é menos importante, porque ninguém elabora uma narração sobre factos futuros. Mas se por acaso houver narração, que seja sobre acontecimentos passados de forma que, sendo recordados, se delibere melhor sobre os futuros, quer se critique quer se elogie. (...) Se o facto narrado não for crível, é necessário prometer que as razões serão ditas de imediato, e que serão tomadas as medidas que mais se desejarem (...) (Aristóteles, op.cit. , 1417b). Após a exposição do tema, para sustentar o desenvolvimento da tese, é feita a apresentação das provas ( ou confirmação). É a parte mais longa do discurso. No gênero judiciário, é a sua parte argumentativa que, em geral, vem acompanhada de uma refutação ( confutatio ), com o intuito de destruir os argumentos adversários. Centra-se fortemente no logos , porém, a prova também recorre ao patos para despertar piedade ou indignação no auditório (cf. Dayoub, 2004:23 e Reboul, op.cit. , pp.57 e 246). Aristóteles disserta sobre a prova nos três gêneros de discurso – o epidítico, o deliberativo e o judiciário: No discurso epidíctico, a amplificação deve ser empregue para provar que os factos são belos e úteis, pois tais factos têm de ser dignos de crédito. É por isso que poucas vezes requerem demonstração, a não ser que não sejam dignos de crédito ou que outro tenha a responsabilidade. No discurso deliberativo, poder-se-á discutir se o que se recomenda não terá conseqüências, ou o que ocorrerá, mas que não será justo nem vantajoso nem de tamanha importância. É preciso também observar se, exterior ao assunto, se diz algo de falso, pois isto revelar-se-ia um argumento irrefutável de que se pronunciam falsidades sobre todo o resto. Exemplificação é o que é mais apropriado ao discurso deliberativo, entimema ao discurso judiciário. Efectivamente, um concerne ao futuro, de forma que é forçoso narrar exemplos de acontecimentos passados; o outro, por seu lado, relaciona-se com factos que são ou não são, onde é mais necessária a demonstração, pois os factos do passado implicam um tipo de necessidade. É forçoso porém expor os entimemas não de forma contínua, mas intercalada. Se assim não for, prejudicam- se uns aos outros, pois há também um limite na quantidade (Aristóteles, op.cit. , cap. 17, 1417b-1418a). O final do discurso é denominado epílogo ou peroração. É quando se resumem os pontos mais importantes e “tem a finalidade de reavivar a memória dos ouvintes e causar influência pela emoção” (Dayoub, op.cit. ). “(...) É o momento por excelência em que a afetividade se une à argumentação, o que constitui a alma da retórica” (Reboul, op.cit. , p.60). Aristóteles ( op.cit. , cap. 19, 1419b) diz que o epílogo é composto por quatro elementos: “tornar o ouvinte

“A elocução é, pois, o ponto em que a retórica encontra a literatura. Todavia, antes de ser uma questão de estilo, diz respeito à língua como tal. Para os antigos, o primeiro problema da elocução é o da correção lingüística” (Reboul, op.cit. , p.61). A retórica foi a primeira prosa literária e durante muito tempo permaneceu como a única; por isso, precisou distinguir-se da poesia e encontrar suas próprias normas. Por quê? Afinal, um discurso poético pode ser perfeitamente convincente. Só que a poesia grega utilizava língua arcaizante, bastante esotérica, e seus ritmos a aproximavam muito do canto. Portanto, era preciso recorrer à prosa, mas uma prosa digna de rivalizar com a poesia. Em suma, entre o hermetismo dos poetas e o desmazelo da prosa cotidiana, a prosa oratória devia encontrar suas próprias regras (Reboul, op.cit. ). Essas regras referem-se à organização e à capacidade comunicativas do discurso. Sobre esse aspecto, Aristóteles afirma que, se o discurso da prosa não comunicar algo com clareza , não atingirá seu objetivo. Para ele, tal discurso não deve ser nem rasteiro, nem acima do seu valor, mas sim, adequado: É verdade que o estilo poético não será porventura rasteiro, mas nem por isso é apropriado a um discurso de prosa. Por seu turno, entre os nomes e os verbos, produzem clareza os que são “próprios” ao passo que outros tipos de palavras, que foram discutidos na Poética , produzem não um estilo corrente, mas ornamentado. Por conseguinte, o afastamento do sentido corrente faz um discurso parecer mais solene. Na verdade, as pessoas sentem perante falantes estrangeiros e concidadãos o mesmo que com a expressão enunciativa. É necessário, portanto, produzir uma linguagem não familiar, pois as pessoas admiram o que é afastado, e aquilo que provoca admiração é coisa agradável. Na poesia este efeito é produzido por muitos elementos, e é sobretudo aí que tais palavras são ajustadas, pois esta está mais afastada dos assuntos e das personagens de que o discurso trata. Na prosa, porém, tais recursos são menores, pois o tema é menos elevado. (...) Na prosa, o que é apropriado pode ser obtido igualmente quer concentrando quer ampliando. É por isto que os autores, ao comporem, devem fazer passar despercebido e não mostrar claramente que falam com artificialidade, mas sim com naturalidade, pois este último modo resulta persuasivo, o anterior, o oposto^48 (Aristóteles [384-322 a.C.], 2005, Retórica , livro III, cap. 2, 1404b_._ ). As regras na prosa oratória dizem respeito à escolha das palavras e à construção de frases , o que faz um discurso ser ao mesmo tempo correto e bonito (cf. Reboul, op.cit. , p.62). Para que fosse distinguida a prosa oratória da poesia e

poesia); Aristóteles aborda esse assunto menos freqüentemente que outros concernentes à retórica. Desenvolveu-se, em particular, com os latinos (Cícero, Quintiliano), expande-se em espiri- tualidade com Dionísio de Halicarnasso e o Anônimo do Peri Hypsous , e acaba absorvendo toda a retórica, identificada sob a única espécie das ‘figuras’. Entretanto, em seu estado canônico, a elocutio define um campo que diz respeito a toda linguagem: inclui conjuntamente a nossa gramática (até a metade da Idade Média) e o que se chama de dicção , o teatro da voz. A melhor tradução da elocutio será talvez não elocução (restrita demais), mas enunciação , ou, a rigor, locução 48 (atividade locutória)” (Barthes, in Cohen et al. , 1975:212). Grifo meu.

da prosa vulgar, era preciso fazer uma seleção adequada das palavras. Evitavam- -se tanto arcaísmos quanto neologismos; assim, utilizavam-se metáforas e outras figuras, desde que fossem claras, ao contrário das figuras empregadas pelos poetas (cf. ibid. ). Dos nomes e dos verbos de que o discurso é composto (sendo os tipos de nomes aqueles que foram já examinados na Poética ), devem utilizar-se, pouquíssimas vezes e em número reduzido de situações, palavras raras 49 , termos compostos e neologismos (...). Só o termo “próprio” e “apropriado” 50 e a metáfora são valiosos no estilo da prosa. Sinal disto é que são só estes que todos utilizam. Na verdade, todos falam por meio de metáforas e de palavras no seu sentido “próprio” e “apropriado”, o que deste modo demonstra que, se se compõe correctamente, o texto resultará algo de não familiar, mas, ao mesmo tempo, será possível dissimulá- -lo e resultar claro. Esta, disse, é a maior virtude do discurso retórico. Por seu turno, as palavras úteis para o sofista são as homónimas (pois é por meio destas que ele perfaz a sua má acção), para os poetas, os sinónimos. Por palavras em sentido “próprio” e sinónimas refiro-me, por exemplo, a “ir” e “andar”; pois ambas são empregues em sentido “próprio” e são sinónimas uma da outra (Aristóteles, op.cit. , 1405a_._ ). Evitava-se, sobretudo, qualquer frase métrica, como os versos dos poetas. O ritmo era flexível e sempre a serviço do sentido (cf. Reboul, op.cit. ). Segundo Alexandre Júnior ( in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:47), “a prosa retórica deve ser rítmica sem ser métrica. O discurso rítmico é mais agradável porque organiza as palavras de acordo com uma estrutura. Cada género literário tem o seu ritmo próprio”. Para Aristóteles ( op.cit. , cap. 8, 1409a), “a forma de expressão não deve ser nem métrica nem desprovida de ritmo. De facto, a primeira não é persuasiva, pois parece artificial, e, ao mesmo tempo, desvia a atenção do ouvinte, pois fá-lo prestar atenção a elemento idêntico, quando a este regressar”. Aristóteles se preocupa com o emprego correto da língua. Faz referência a cinco normas voltadas à correção gramatical : “emprego correcto das partículas, rigor no uso das palavras, omissão de termos ambíguos, uso correcto do género, uso correcto do número. Todas estas normas visam a clareza da linguagem, a recta observância das regras gramaticais e das convenções da língua” (Alexandre Júnior, op.cit. , p.46). A construção da frase é outro ponto colocado por Aristóteles. Um conceito de período é desenvolvido. Alexandre Júnior ( op.cit. , p.47) explica que é “um

(^49) “O termo refere-se a termos inusitados ou caídos em desuso, e por conseguinte de difícil significação para o falante comum” (N.T. 50 in Aristóteles [384-322 a.C.], 2005:246). “O termo designa uma categoria dentro das palavra ‘próprias’, exprimindo uma maior intensidade de precisão: de entre vários termos ‘próprios’, um será mais ‘apropriado’” ( ibid. ).