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Este documento discute as interpretações e limites do conceito de recursividade na linguística, matemática e ciência da computação. A discussão aborda as diferenças específicas de recursividade em cada domínio, as interpretações associadas, a maneira de sua incorporação na linguística e seu impacto na teoria da morfossintaxe minimalista. Além disso, o texto explora a possível relação entre recursividade e cognição não-linguística, especificamente em relação à cognição espacial.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Desde o seu surgimento, nos anos 50, a Teoria Gerativa tem enfatizado o caráter recursivo da sintaxe como uma das características cruciais das línguas humanas. São freqüentes também na literatura as analogias, baseadas nessa propriedade em particular, entre o sistema numérico e a língua (cf. Chomsky, 1998; 2007, dentre outros). Entretanto, apesar do seu uso bastante difundido na literatura, o conceito de recursividade, aplicado tanto ao domínio da língua quanto a outros campos, não tem recebido uma definição clara e unívoca. Percebe-se que, até pouco tempo atrás, não havia na literatura uma preocupação manifesta por esclarecer os pontos obscuros associados à noção. Essa situação tem começado a mudar recentemente com a publicação de alguns trabalhos que visam a discutir os alcances e limites do conceito, tanto no seio da Teoria Lingüística quanto no que diz respeito a sua aplicação nas Ciências Cognitivas de um modo geral (Arsenijevic & Hinzen, 2010; Lobina & García-Albea, 2009; Tomalin, 2007). Parker (2006a; 2006b) destaca que as definições apresentadas na Teoria Lingüística são freqüentemente “opacas”. Esse parece não ser, contudo, um problema exclusivo da lingüística uma vez que, segundo a autora, na Ciência da Computação, da qual a lingüística herdou a noção, as definições careceriam de um fio condutor comum. Também na Matemática, campo no qual o termo foi originalmente cunhado, registra-se uma situação similar (cf. Soare, 1996). Pode-se afirmar assim que recursividade é um termo potencialmente problemático (Parker, 2006a e 2006b; Lobina & García-Albea, 2009; dentre outros). Nesse sentido, este capítulo tem como objetivos: explorar essa noção – tradicionalmente considerada como uma propriedade central nas línguas naturais – e discutir, em que medida e sob quais aspectos, a recursividade poderia desempenhar um papel no modo como a língua interage com outros domínios cognitivos. Cabe, pois, formular as seguintes questões: A que se refere exatamente o termo recursividade no âmbito da lingüística? Em que sentido pode-se falar de recursividade em outros domínios cognitivos fora da linguagem? Pode-se oferecer uma definição
geral de recursividade, com aplicabilidade inter-domínios? As seguintes seções visam a iluminar as questões problemáticas acima colocadas. Em primeiro lugar, são discutidos os alcances e limites do termo recursividade tanto na Teoria Lingüística quanto em outros campos do conhecimento, quais sejam, a Matemática e a Ciência da Computação. Essa discussão é conduzida a partir de três pontos centrais: (a) as interpretações associadas ao termo recursividade na Matemática e na Ciência da Computação – disciplinas das quais provém o conceito incorporado pela lingüística; (b) a maneira como a noção de recursividade foi incorporada na Teoria Lingüística a partir dos anos 50 e (c) o impacto das duas questões anteriores na interpretação de recursividade no contexto do PM.
4. O conceito de recursividade na teoria lingüística Apesar de tanto a Matemática quanto a Ciência da Computação compartilharem uma caracterização geral de recursividade, é possível estabelecer algumas distinções específicas para cada domínio. Em primeiro lugar, a noção de recursividade tem a sua origem na Matemática. Nessa ciência em particular, a recursividade aparece associada à idéia de um método para definir funções (e outros objetos ou relações) e é definida sempre com relação a um domínio de aplicação bem estabelecido. Pode-se dizer que a recursividade é caracterizada como uma propriedade de certos objetos, relações ou mecanismos. Encontramos então “conjuntos recursivos”, “algoritmos recursivos”, “funções recursivas”, “problemas com soluções recursivas”, “relações recursivas”, “definições recursivas”, etc.^1 Nesse âmbito, o conceito de recursividade aparece às vezes definido de forma bastante geral:
(^1) Se dice que uma función es recursiva si existe um procedimiento efectivo (algoritmo) para computarla. Se dice que um conjunto es recursivo si existe um algoritmo para decidir si um elemento pertenece o no a él. Un conjunto es recursivamente enumerable si existe un procedimiento efectivo para generar sus elementos uno después de otro (Ej. El conjunto de los cuadrados de los enteros es recursivamente enumerable...). Todo conjunto recursivo es recursivamente enumerable, pero no viceversa. ( Estructuras Sintácticas , 1957 [versão espanhola, 1974. Nota do tradutor]).
Recursion allows something to be defined in terms of smaller instances of itself (Loudon, 1999). Recursion is the ability of a subroutine or procedure to call itself (Harel, 1993:31). Segundo Odifreddi (2005), a iteração constitui o tipo mais simples possível de recursividade. Na Computação, no entanto, esses dois conceitos têm diferenças importantes. Iteração é definida como a repetição de instruções em um programa e a noção é utilizada em dois sentidos: (a) como termo genérico, sinônimo de “repetição”; (b) como um meio de descrever uma forma específica de repetição com um estado mutável. Conforme a primeira acepção, a recursividade seria um exemplo de iteração, mas que faz uso da sua própria notação. Já no segundo sentido, iteração descreve um estilo de programação utilizado em linguagens de programação imperativa que se contrapõe à recursividade que tem um enfoque mais declarativo^3. A noção de recursividade adotada pela lingüística é herança da Ciência da Computação. O próprio conceito de computação também constitui uma noção de grande relevância no desenvolvimento da Teoria Lingüística. Computar implica obter uma solução ou resultado a partir de certos dados ou entradas (números ou símbolos) utilizando para isto um procedimento explícito ou algoritmo. Na década de 30, Alan Turing, forneceu uma formalização dos conceitos de
(^3) Uma das possíveis formas de classificar linguagens de programação é feita com base no paradigma que utilizam. Um paradigma em programação fornece (e determina) a visão e os métodos do programador na construção de um programa. Diferentes paradigmas resultam em diferentes estilos e formas de se pensar a solução de problemas. Existem vários paradigmas e há conflitos nas definições e alcances de alguns deles. O paradigma imperativo , anteriormente associado à iteração, descreve a programação como uma seqüência de instruções ou comandos que alteram o estado de um programa. O paradigma declarativo, não se baseia no como é feito algo (como lograr um objetivo passo a passo), mas descreve ( declara ) como é algo ; i.e. objetiva descrever as propriedades da solução buscada, deixando indeterminado o algoritmo (conjunto de instruções) utilizado para encontrar a solução. Esse paradigma apresenta as desvantagens de ser mais difícil de implementar e menos eficiente que o imperativo, mas é particularmente vantajoso na resolução de certos problemas. A escolha da forma recursiva ou iterativa para a resolução de um problema depende de vários fatores, quais sejam: (i) a carga computacional; (ii) a redundância: algumas soluções recursivas resolvem o mesmo problema em reiteradas ocasiões; (iii) a complexidade da solução: em algumas situações é muito difícil achar uma solução iterativa; (iv) a concisão, legibilidade e elegância do código resultante.
algoritmo e computação. No seu trabalho On computable numbers, with an application to the Entscheidungsproblem , Turing (1936) estudou a questão, formulada por Hilbert, de enunciados matemáticos serem ou não decidíveis. Em outras palavras, se há um método definido ou algoritmo que aplicado a qualquer sentença matemática possa determinar o valor de verdade da mesma (Problema da Decisão). Turing (1936) postulou uma máquina de computar universal ( universal computer machine ), conhecida popularmente como “máquina de Turing”. Os resultados obtidos a partir dessa máquina tiveram várias aplicações, dentre as quais, uma foi a prova da insolubilidade do Entscheidungsproblem. Na Matemática e nas Ciências da Computação, um algoritmo é uma lista bem definida, ordenada e finita de operações que permitem obter um resultado. Dado um estado inicial e uma entrada ( input ), através de passos sucessivos e claramente definidos, se chega a um estado final obtendo-se um output. Algoritmos podem ser expressos de muitas maneiras dentre as quais: linguagem natural, diagramas de fluxo, linguagens de computação, etc. O modelo computacional de Turing permitiu formalizar a definição de algoritmo, provendo ainda uma definição de computação independente do formalismo utilizado para implementá-la. Esse último ponto foi fundamental na constituição das Ciências Cognitivas já que permitiu a caracterização de uma computação simbólica, definida independentemente de um tipo particular de formalismo. A computação simbólica incorpora o conceito de “símbolo” que, nesse caso, pode ser definido em termos de uma entidade abstrata desprovida de sentido que funciona como input inicial em um processo ou que é o produto de sucessivas re- codificações do input inicial. O símbolo como produto de recodificação é equivalente a uma representação dos dados de origem (Corrêa, em preparação). Procedimentos algorítmicos mostram-se adequados para caracterizar processos mentais que transcorrem de forma regular, determinística e fora do controle do indivíduo, sendo o processamento sintático de enunciados lingüísticos um bom exemplo destes. A Psicolingüística tem se dedicado a caracterizar procedimentos de natureza algorítmica vinculados à análise ( parsing ) e formulação de enunciados verbais conduzidas em tempo real. Um paralelo pode ser estabelecido entre tais procedimentos e aquilo que é apresentado na Teoria Gerativa em termos de regras ou
gerado a partir de um conjunto discreto de elementos^5 ). Embora o termo seja comumente associado à noção de produtividade ou criatividade lingüística, quando falamos em recursividade, essa noção arrola um conjunto maior de propriedades. Originalmente, a Teoria Lingüística parece ter adotado a noção de recursividade como uma ferramenta útil para reduzir a complexidade da gramática (Ćavar & Ćavar, 2007), por um lado e como meio de enfatizar a sua capacidade produtiva, por outro:
If a grammar has no recursive steps [...] it will be prohibitively complex [...]. If it does have recursive devices, it will produce infinitely many sentences. (Chomsky, 1956:116). A formulação de dois tipos de mecanismos recursivos pode ser identificada num dos trabalhos mais antigos de Chomsky ( The Logical Structure of Linguistic Theory ,1975 [1955]). O primeiro envolve a aplicação sucessiva de regras da gramática seqüencialmente ordenadas, enquanto que o segundo deriva da inclusão de regras na gramática que são elas mesmas recursivas por definição (Tomalin, 2007). Nas primeiras versões da teoria, a recursividade lingüística ficava definida de um modo bastante simples a partir das regras de reescritura (S→ NP VP...). Posteriormente, a partir de Chomsky (1965), a recursividade passa a ser codificada na Estrutura Profunda ( Deep Structure - DS) (cf. Hornstein et al., 2005). Atualmente, apenas regras de seleção são postuladas e DS foi eliminado dos níveis de representação. Ao invés desses recursos formais, é assumida uma operação que combina os itens lexicais e os organiza numa estrutura frasal^6. Essa operação é chamada de Merge. Pode-se considerar, contudo, que a mudança principal com relação às regras diz respeito ao formalismo utilizado. Nesse sentido, quando se diz que os traços de um núcleo são projetados quando este se combina ( merge ) com outro elemento, tem-se uma expressão equivalente à re-introdução de um símbolo numa regra de re-escritura. Cabe lembrar que a direcionalidade da derivação foi também afetada com essa mudança, passando de top-down a bottom-up. Embora as regras de re-escritura tenham sido dispensadas do atual quadro teórico, alguns autores continuam definindo recursividade nesses termos:
(^5) O uso infinito de meios finitos em palavras de Humboldt. (^6) Essa estrutura segue a teoria-X’ nas versões mais antigas. Propostas mais recentes assumem a bare phrase structure , embora nem todos os autores usem esse tipo de notação.
[…] recursion implies that a grammatical symbol could be rewritten by using a symbol of the same category. In more technical terms a symbol can occur both on the left and on the right side of the rewriting rule. In this less restrictive perspective, recursion derives directly by the application of the simplest combinatorial operation of (morpho-) syntax, i.e. “merge” in the sense proposed by Chomsky 1995: if A and B combine and either A or B projects, we derive a category which contains itself as a part (Tommaselli, 2005: 111- 112). Parker (2006a) delimita quatro grupos de caracterizações para o conceito de recursividade. O critério para essa divisão é estabelecido com base no aspecto que resulta mais saliente em cada definição. Conforme essa classificação, na Teoria Lingüística o termo em questão é utilizado como sendo quase um sinônimo de: (i) Infinitude discreta (Adger, 2003; Lobeck, 2000; Carnie, 2002); (b) Estrutura frasal (Lobeck, 2000; Pinker, 2003; Horrocks, 1987); (c) Encaixamento , especialmente de constituintes da mesma natureza (Kirby, 2002; Pinker & Jackendoff, 2005); e (d) Iteração (Radford, 1997; Hurford, 2004; Pinker & Jackendoff, 2005).
Pinker e Jackendoff (2005) por exemplo, fornecem uma definição computacional de recursividade baseada na estrutura frasal:
Recursion refers to a procedure that calls itself, or to a constituent that contains a constituent of the same kind (Pinker & Jackendoff, 2005:3). As definições por vezes combinam vários dos aspectos mencionados, especialmente estrutura frasal e iteração:
From the point of view of linguistic theory, the concept of recursion could be defined in both a narrow sense and in a broader sense. In the narrow sense, recursion implies subordination. (i) I think/hope/promise that John will come tomorrow S → [.... V S] In a broad sense, recursion as a computational system could be defined in logical terms as follows: (ii) X→ [....X....]. (Chomsky 1965:211) Outras definições conjugam todos os aspectos anteriormente citados:
La ricorsività sintattica significa che una determinata
Uma segunda distinção pode ser estabelecida entre recursividade e estrutura frasal. Freqüentemente, ambos os conceitos são tomados como sendo equivalentes, embora a idéia de estrutura frasal não precise necessariamente estar vinculada a regras recursivas (Lobina & García-Albea, 2009). Mais especificamente, a estrutura frasal se refere à relação hierárquica dos constituintes na sentença, ao passo que uma estrutura pode ser hierarquicamente organizada sem por isso ser, necessariamente, recursiva. Parker (2006b) considera que a diferença crucial radica no fato de que a hierarquia implica o encaixamento de constituintes em outros constituintes, enquanto que a recursividade envolve o encaixamento de constituintes idênticos , uns nos outros (um CP dentro de um CP, um DP dentro de um PP que por sua vez está incluído em outro DP, etc.). Por último, há na literatura uma distinção com relação às características específicas do encaixamento numa dada estrutura recursiva. Essa distinção é estabelecida em termos de recursividade na borda ( tail ) ou no centro ( nested ).
The two types of recursion in question are known as tail recursion and embedded/nested recursion. The former is understood simply as the type of recursion which occurs at either end of a phrase or sentence. In other words, the self-embedding of phrases is at the edge. The latter type of recursion occurs in the middle of a phrase or sentence (...) Tail recursion is the type of recursion that exists when a phrase is embedded within a phrase of the same type only at the beginning or end of a sentence or phrase. In other words, the embedding happens at the ‘tail’ of the sentence or phrase (...) Nested recursion is so called because it refers to embedding that is nested inside a phrase or sentence, such that material exists on both sides of the embedding. It does not occur at either edge of the sentence. Examples of nested recursion are more difficult to construct, but centre-embeddings (...) illustrate the phenomenon. (Parker, 2006b:172). Essa distinção pode ser ilustrada pelos seguintes três tipos de estrutura. A construção possessiva em (21) e a cláusula relativa em (22) seriam exemplos do primeiro tipo de recursividade. Já a construção com encaixamento no centro em (23) ilustraria a nested recursion.
type. Further, nested recursion leads to long-distance dependencies and the need to keep track, or add to memory (Parker, 2006b).
(21) O vestido da amiga da irmã da Ana é elegante. (22) Este é o jogador que chutou a bola que o adversário perdeu no instante que o juiz apitou. (23) A menina que o menino que o professor reclamou beijou está gripada.
Enquanto a tail recursion envolve encaixamento na borda ( edge ) do sintagma, a nested recursion acarreta o encaixamento no centro, deixando material em ambos os lados do constituinte encaixado. Esse último tipo produz dependências de longa- distância. Com base nessa caracterização seria possível concluir que a tail recursion seria apenas um caso de iteração. Contudo, se considerarmos o exemplo em (24) observamos que essa sentença não pode ser analisada como uma proposição simples com outro NP ou DP acrescentado no começo.
(24) A namorada do João gosta muito dele.
Assim, a interpretação do material à direita do DP recursivo (DP>PP>DP) depende crucialmente do processamento da sentença como um todo. Nesse sentido, sentenças que apresentam tail recursion também podem produzir relações de longa distância, embora possa ser estabelecida uma distinção entre esse tipo de dependência (no qual há material interveniente a ser integrado composicionalmente) e dependências em que há a presença de uma variável a ser imediatamente identificada (como ocorre no caso das relativas ramificadas à direita). Além das distinções já mencionadas, outras classificações têm sido levantadas. Roeper & Snyder (2005) propõem que haveria certas formas de recursividade sujeitas a variação inter-lingüística. Fazendo um uso bastante amplo do termo, os autores sugerem que haveria, no mínimo, três tipos de recursividade: self- embedding , iterativa e scopal. O primeiro tipo se refere aos casos nos quais um constituinte estrutural é encaixado dentro de um outro constituinte maior do mesmo tipo. A recursividade iterativa, por sua vez, inclui: (i) Casos nos quais um item lexical é repetido para dar ênfase, por exemplo: very, very, [...] happy ; (ii) Seqüências de cláusulas relativas como em This is the cat [that ate the rat
sendo que a regra de conjunção se aplica a qualquer categoria: N, V, P ou S (CP). (b) Recursividade indireta: NP => N (PP) PP => P (NP) DP => (Poss)NP Poss => DP ’s
A recursividade “direta” teria lugar quando um elemento é concatenado com outro elemento da mesma categoria. Já a recursividade “indireta” cria um loop que pode ser de dois tipos: (25) Recursividade indireta não-relevante: the man in the middle [DP1 [NP [PP [DP2 NP]]] (26) Recursividade indireta (sujeita a restrições): John’s father’s friend’s hat : [DP [NP [DP [NP D [NP D [NP fase 2 fase 1
Conforme Boeckx (2008), a interpretação de uma derivação ocorre em uma seqüência alternada: Spellout “transfers to interpretation the complement of a phase only”. Esse fenômeno, segundo o qual o núcleo da fase e o complemento da fase devem alternar, é chamado por Roeper (2009, dentre outros) de Phase Alternation Constraint. Roeper e colaboradores (2009; Hollebrandse & Roeper, submetido) consideram que haveria um contraste básico entre recursividade direta – que não requer uma interpretação periódica – e indireta que estaria submetida a restrições decorrentes da alternância de fases. Não fica claro, contudo, porque apenas estruturas com recursividade indireta estariam sujeitas a tais restrições, já que a alternância de fases nos termos propostos por Boeckx ocorreria em qualquer derivação. A diferença relevante para os autores pode residir no fato de que nas estruturas que envolvem a denominada recursividade indireta a alternância de fases ficaria “explícita” (na medida que cada constituinte na estrutura recursiva pode ser enviado para Spellout ainda no decorrer da derivação). De um modo geral, e a despeito das divergências apontadas, pode-se dizer que
não há de fato uma incompatibilidade entre as diferentes definições propostas. A aparente diversidade radica basicamente no aspecto salientado em cada caso: a recursividade como fenômeno lingüístico – vinculada portanto a características específicas das línguas humanas – ou como mecanismo ou recurso computacional, abrangendo assim outros possíveis domínios. Até aqui a noção de recursividade foi vinculada ao domínio da língua natural ou, no caso da Matemática e das Ciências da Computação, a linguagens formais que partilham propriedades com aquela. A seguir faremos referência brevemente a questão da relação entre recursividade e cognição não-lingüística. Em outras palavras, partindo do fato de que a língua é considerada um sistema recursivo, haveria outros sistemas cognitivos partilhando essa mesma propriedade? Existiria uma relação entre domínios em virtude da recursividade, definida em termos de um recurso ou mecanismo computacional mais geral?
4. Recursividade e cognição não lingüística Hauser et al. (2002, 2005) consideram que a recursividade poderia ser uma propriedade presente em outros domínios da cognição, e ainda, ser compartilhada por outras espécies. São apontados vários espaços nos quais essa propriedade poderia estar presente (Corballis, 2007a). A cognição matemática, ou melhor dito, o número, é um dos candidatos plausíveis. Não é claro, contudo, se linguagem e capacidade de lidar com número são habilidades que evoluíram de maneira interligada (Chomsky, 1998; Hurford, 1987). O domínio da visão, responsável pela decomposição de elementos e cenas complexas por sua vez, também parece atuar de forma recursiva (um tipo de recursividade procedural). A música, considerada como um tipo de linguagem especial, possui a característica de ser hierarquicamente organizada. Não é trivial, contudo, estabelecer se uma seqüência musical consiste de “constituintes” repetidos que podem ser analisados de forma plenamente recursiva ou apenas iterativa. Na linguagem natural, a semântica fornece certa informação sobre a estrutura, da qual a música carece. Pode-se dizer, contudo, que a recursividade neste caso estaria na aplicação de regras
disponível. Leekam (1990) tem sugerido que a atribuição de crenças falsas envolve a representação recursiva de estados mentais. Mas afinal, como a crença sobre a crença dos outros é representada? J. de Villiers (2007, 2006, 2004, 2003, dentre outros) assume que essa representação tem a propriedade de uma sentença recursiva – uma sentença encaixada na outra – na qual os valores de verdade de cada sentença podem ser independentes: em Pedro acha que viu um unicórnio no jardim , a sentença encaixada pode ser falsa enquanto a sentença como um todo permanece verdadeira. Esse tipo de estrutura estaria associado a verbos de estado mental e de comunicação e esse fato seria central para seu aprendizado. Nessa perspectiva, considera-se que apenas quando a criança tenha adquirido essa estrutura recursiva específica será capaz de raciocinar em função de crenças falsas. Verbos de comunicação e de estados mentais compartilham uma estrutura sintático-semântica recursiva crucial, e identificá-los no discurso desencadeia a compreensão e a geração de asserções acerca de crenças falsas. A aquisição das propriedades sintáticas e semânticas dos complementos sentenciais (“visíveis” nos verbos de estado mental e verbos de comunicação) seria crucial para o desenvolvimento de uma ToM representacional (de Villiers & Pyers, 2002; de Villiers, 2005; de Villiers & de Villiers, 2003; de Villiers et al., 2003; Hale & Tager- Flusberg, 2003; Lohmann & Tomassello, 2003; Dias, 1993; Dias et al., 1994, dentre outros). Entretanto, nesta perspectiva não é claro se: a) A recursividade estaria presente previamente no domínio da cognição social per se – por exemplo no nível do pensamento proposicional – e as estruturas fornecidas pela língua seriam apenas um veículo para articular certas relações de um modo mais explícito ou se, pelo contrário (Villarinho, em preparação); b) A recursividade lingüística alavancaria o desenvolvimento da ToM possibilitando a configuração de um pensamento proposicional recursivo.
A hipótese de que a recursividade como recurso computacional subjaz a vários outros domínios, além do lingüístico, parece muito plausível. O fato de a língua permear em boa medida a maior parte dos processos mentais na cognição adulta pode, entretanto, dificultar o acesso a dados mais conclusivos. Estudos conduzidos com outras espécies podem ser a chave para esclarecer essa questão.
Atualmente, há controvérsia quanto ao fato de a recursividade como recurso computacional ser ou não uma propriedade caracteristicamente humana. Embora haja evidências de que várias espécies são tão sensíveis à propriedade de numerosidade quanto bebês humanos, os animais em geral careceriam da compreensão da função de sucessor, que encontra-se na base da recursividade numérica. Nesse sentido, o número não seria um domínio suscetível de abrigar a propriedade de recursividade em outras espécies. Resultados de estudos sobre a navegação baseados no paradigma travelling salesman^8 com macacos e abelhas sugerem que esse domínio seria um bom local para procurar evidências de recursividade na cognição de outras espécies (Cramer & Gallistel, 1998; Lihoreau et al., 2010; dentre outros). Animais são capazes de computar estruturas complexas vinculadas à representação espacial do contexto (por exemplo, no que diz respeito à delimitação das rotas mais relevantes). Seqüências de ações complexas realizadas por certos animais, tais como as encontradas nas técnicas de preparação de alimentos dos gorilas de montanha (Byrne & Russon, 1998), podem ser indicativas de raciocínio hierárquico, providenciando um campo para a testagem experimental da presença de recursividade. Resultados que atestam a capacidade de imitação de ações com estrutura hierárquica complexa em chimpanzés (Whiten, 2002) seguem a mesma direção. A atribuição de uma ToM a outras espécies é um assunto bastante discutido. Enquanto algumas pesquisas sugerem que os chimpanzés não são capazes de representar o conteúdo da mente de outro indivíduo (Tomasello & Hare, 2003), outras indicam que ainda possuindo apenas aspectos rudimentares de ToM, outras espécies poderiam ser capazes de manipulação conceptual recursiva. Um exemplo disso seriam os babuínos que classificam a si mesmos e aos seus pares ao longo de uma linha hierárquica de dominância em grupos de tipo matrilinear. Aparentemente, esses animais são capazes de formar certas representações conceptuais estruturadas do tipo [X é mãe de Y [que é mãe de Z [que é minha mãe]]] ou [X é mais dominante
(^8) O travelling salesman é um problema em otimização discreta ou combinatória e pode ser formulado da seguinte forma: Dado um número de cidades e o custo da viagem de uma cidade para a outra, qual é o caminho mais econômico que pode ser traçado de modo a visitar cada cidade e depois voltar à cidade inicial?
Em suma, ainda não há evidências conclusivas que apontem para a presença de recursividade do tipo nested em animais não humanos. Nesse sentido, a questão da recursividade – tal e como caracterizada quando associada à linguagem humana – ser ou não uma propriedade específica da nossa espécie, continua em aberto. Todavia, especula-se que efetivamente, outros domínios da cognição humana possam apresentar essa propriedade. Além da cognição numérica, a ToM parece ser o domínio em que a recursividade teria um papel mais evidente, resta saber ainda qual a real importância da língua nesse caso (Marcilese et al., 2009; Villarinho & Marcilese, 2009).
Recursividade nesta pesquisa No atual framework minimalista, o conceito de numeração tem ganhado uma maior relevância. É importante lembrar que a numeração não constitui um nível sintático de representação – já que não contém primitivos nem operações específicas
(^9) Embora inicialmente a numeração seja concebida como um conjunto não estruturado, a idéia de sub-arranjos na numeração, associada ao conceito de fase envolve certa organização do conjunto. Na perspectiva de um modelo de processamento – tal como o assumido nesta pesquisa –, certamente a proposição (originada na intenção de fala do falante) que determina a seleção dos itens do léxico que compõem uma dada numeração, deve ter um papel crucial na conformação de possíveis sub-arranjos.
não são derivadas da recursividade em si, mas das propriedades dos itens do léxico e das projeções envolvidas. Assume-se assim que para haver recursividade na língua é necessário que haja:
(i) Uma estrutura hierárquica que exprima a propriedade de inclusão, “ser parte de”; e (ii) Uma relação de identidade (X é parte do próprio X). Conforme essa definição, diversos tipos de estrutura podem ser caracterizados como recursivos, embora seja possível estabelecer uma distinção entre essas estruturas em termos de custo e complexidade computacional. Um exemplo disso são as construções – tradicionalmente caracterizadas como recursivas – que apresentam um uso reiterado do núcleo C (complementizador) e que admitem configurações envolvendo relações de complementação ou de adjunção no caso das sentenças relativas e adverbiais. O custo de processamento desses tipos de estruturas é diferenciado, mas a recursividade em si é a mesma. Nesta pesquisa, a recursividade na língua fica definida pela possibilidade de que um nó funcional possa ser selecionado n vezes de um arranjo (numeração) para entrar em uma mesma estrutura de c-comando durante uma derivação lingüística. Isso é possível na medida em que as operações do sistema computacional podem ser aplicadas reiteradamente, tendo como único limite o número de elementos contidos na numeração. Esse modo de conceber em que consistiria estritamente a recursividade lingüística não implica que outros aspectos, freqüentemente associados ou tomados como sinônimos de recursividade, sejam desconsiderados. O objetivo é apenas delimitar claramente o que será considerado como sendo lingüisticamente recursivo no âmbito deste trabalho. No que diz respeito à recursividade em termos de um recurso ou mecanismo computacional – isto é, não restrito apenas ao domínio da língua – a definição proposta por Pinker & Jackendoff (2005) anteriormente apresentada e repetida abaixo, parece abrangente o suficiente para cobrir um amplo espectro de fenômenos:
Recursion refers to a procedure that calls itself, or to a constituent that contains a constituent of the same kind (Pinker & Jackendoff, 2005:3).