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A Cor da Cultura: Capacitando Professores Sobre Relações Raciais no Brasil, Notas de estudo de Cultura

Este documento discute o projeto 'a cor da cultura', que visa capacitar professores sobre temas relacionados às relações raciais no brasil. O projeto distribui materiais educacionais e realiza capacitações presenciais para professores de escolas públicas de ensino fundamental. O documento também aborda a importância de refletir sobre o impacto do racismo nas relações étnico-raciais e o papel dos educadores na erradicação de discriminações sociais.

O que você vai aprender

  • Como os professores capacitados pelo projeto contribuem para a erradicação de discriminações sociais na escola?
  • Qual é o objetivo principal do projeto 'A Cor da Cultura'?
  • Quais são as principais desafios encontrados na implementação da Lei 10639/03?
  • Quais materiais educacionais são distribuídos pelo projeto?
  • Como são selecionados os professores para participar das capacitações?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
Rafael86 🇧🇷

4.6

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4- Projeto “A cor da Cultura” Novas formas de
construção do conhecimento
Neste capítulo pretende-se conhecer o Projeto A Cor da Cultura
identificando suas particularidades, estrutura, formas de organização e materiais
para compreender de que modo pode contribuir para a construção do
conhecimento sobre História e Cultura Afro-brasileira e Africana sobre qual versa
a Lei 10630/03. Além da reflexão sobre os materiais busca-se conjeturar como
diversos atores se relacionam com o projeto através dos seus materiais educativos
e capacitações, buscando identificar através da análise de discurso se os mesmos
têm possibilidades de subsidiar os educadores para a implementação da
legislação. Busca-se ainda compreender os entraves cotidianos, tanto de caráter
institucional quanto cultural, enfrentados pelos educadores no espaço escolar para
a garantia da efetivação da legislação.
4.1 - Estrutura do Projeto
O Projeto “A cor da Cultura” foi uma das iniciativas para subsidiar a
inclusão de História e Cultura Afro-brasileira no conteúdo programático das
grades curriculares dos ciclos fundamental e médio. Elaborado em 2005 em uma
parceria da SEPPIR, da Petrobrás, do CIDAN, a TV Globo, a TV Educativa e o
Canal Futura, “visando unir esforços para a valorização e preservação do
patrimônio cultural afro-brasileiro”. (Santanna, 2005, p. 7).
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura afro-brasileira e
africana nas grades curriculares do Ensino Básico prevista pela legislação cria
uma demanda por conteúdos que permitam o preenchimento das lacunas
históricas as quais os negros brasileiros ficaram presos por séculos. Requer ainda
a capacitação de educadores para dar conta dos conteúdos nas salas de aula. Para
suprir essas necessidades as prefeituras dos estados contemplados no edital do
projeto assinaram um termo de compromisso com a Fundação Roberto Marinho
para implementarem o A Cor da Cultura.
O Projeto “A cor da cultura” visa atender a essas requisições através criação
de materiais pedagógicos à capacitação de professores. Além de contribuir para
práticas pedagógicas inclusivas, o projeto torna visível a trajetória de luta dos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912185/CA
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4- Projeto “A cor da Cultura” – Novas formas de

construção do conhecimento

Neste capítulo pretende-se conhecer o Projeto A Cor da Cultura identificando suas particularidades, estrutura, formas de organização e materiais para compreender de que modo pode contribuir para a construção do conhecimento sobre História e Cultura Afro-brasileira e Africana sobre qual versa a Lei 10630/03. Além da reflexão sobre os materiais busca-se conjeturar como diversos atores se relacionam com o projeto através dos seus materiais educativos e capacitações, buscando identificar através da análise de discurso se os mesmos têm possibilidades de subsidiar os educadores para a implementação da legislação. Busca-se ainda compreender os entraves cotidianos, tanto de caráter institucional quanto cultural, enfrentados pelos educadores no espaço escolar para a garantia da efetivação da legislação.

4.1 - Estrutura do Projeto

O Projeto “A cor da Cultura” foi uma das iniciativas para subsidiar a inclusão de História e Cultura Afro-brasileira no conteúdo programático das grades curriculares dos ciclos fundamental e médio. Elaborado em 2005 em uma parceria da SEPPIR, da Petrobrás, do CIDAN, a TV Globo, a TV Educativa e o Canal Futura, “visando unir esforços para a valorização e preservação do patrimônio cultural afro-brasileiro”. (Sant’anna, 2005, p. 7). A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura afro-brasileira e africana nas grades curriculares do Ensino Básico prevista pela legislação cria uma demanda por conteúdos que permitam o preenchimento das lacunas históricas as quais os negros brasileiros ficaram presos por séculos. Requer ainda a capacitação de educadores para dar conta dos conteúdos nas salas de aula. Para suprir essas necessidades as prefeituras dos estados contemplados no edital do projeto assinaram um termo de compromisso com a Fundação Roberto Marinho para implementarem o A Cor da Cultura. O Projeto “A cor da cultura” visa atender a essas requisições através criação de materiais pedagógicos à capacitação de professores. Além de contribuir para práticas pedagógicas inclusivas, o projeto torna visível a trajetória de luta dos

movimentos negros para ampliação das políticas públicas com recorte étnico- racial. O projeto prevê uma série de ações culturais e educativas com foco na produção e veiculação de programas sobre o histórico de contribuição da população negra à sociedade brasileira. Esta produção, transformada em material didático, aplicado e distribuído às escolas públicas, deverá ampliar o conhecimento e a compreensão sobre a história dos afro descendentes e histórica da África e, assim, contribuir para os objetivos previstos na Lei 10.639 – que trata especificamente sobre este assunto

  • venham a ser satisfeitos (Sant’Anna, 2005, p. 7). O “A cor da cultura” se organiza em duas partes: a produção áudio-visual e a formação de professores. Para dar suporte a essas duas faces do projeto foi elaborado um site^1 onde se pode encontrar toda a parte de vídeos do projeto. A produção áudio-visual é composta por cinco grades de programação divididas entre três canais de televisão (TV Globo, Canal Futura e TV Educativa). São os programas: Ação^2 , exibido no Canal Futura e na TV Globo, Livros Animados^3 e Nota 10^4 do Canal Futura e ainda os Heróis de todo mundo^5 e Mojubá^6 exibidos no Canal Futura e na TVE. Além disso, conta com jogos educativos, e o CD Gonguê. A formação dentro do Projeto “A cor da cultura” é contemplada através da capacitação^7 de professores distribuídos em diversos estados do país e com a distribuição de kits^8 educativos para escolas públicas de ensino fundamental onde lecionam.

(^1) www.acordacultura.org.br (^2) O programa Ação tem como objetivo retratar o trabalho desenvolvido por organizações não- governamentais de todo o país em prol ações afirmativas. Foram produzidos quatro episódios do programa (Olodum, Quilombos, Teatro e Cinema e Diversão). 3 Os Livros Animados tiveram dez edições. Esse programa visa incentivar a leitura junto ao público infantil, ressaltando temáticas afro-brasileiras e africanas e dando visibilidade a artistas negros. 4 Voltado para a metodologia de formação e ensino de educadores o Programa Nota 10 buscou exibir práticas pedagógicas exemplares, assim como debates com educadores sobre de História e Cultura afro-brasileira e africana e problemas relacionados à discriminação racial no ambiente escolar. O programa contou com cinco edições. 5 O Programa Heróis de Todo Mundo busca retratar a vida e obra de trinta personalidades negras que fizeram parte da História brasileira e se destacaram em diversas áreas do conhecimento. 6 Os sete documentários do Programa Mojubá trazem o importante debate sobre as religiões de matrizes africanas, sobre história dos quilombos e outros valores da negritude existentes na cultura do Brasil. 7 As capacitações foram feitas através de organizações da sociedade civil, escolhidas através de um edital feito pela Fundação Roberto Marinho. 8 O kit do programa é composto por 03 cadernos para professores com dicas de utilização do conteúdo; Glossário – Memórias das palavras; CD Gonguê – A herança africana que construiu a música brasileira; 01 jogo educativo – Heróis de todo mundo. 08 fitas VHS - Nas fitas estão reunidos episódios produzidos por cinco séries do Canal Futura especialmente para o projeto A Cor da Cultura. São eles: Livros Animados (3 fitas, com 10 episódios), Nota 10 (1 fita, com 5

Fortalecer a articulação de redes sócio-pedagógicas com a participação de ONGs, universidades, instituições que prestem serviços públicos relacionados à diversidade étnico-racial, UNDIME e CONSED, entre outros; Capacitar e credenciar grupos de ONGs, universidades e demais instituições de referência para disseminação da metodologia de utilização do kit junto a grupos de gestores públicos de educação e a multiplicadores das redes de ensino; Produzir novas séries audiovisuais sobre a temática étnico-racial, de forma a ampliar as opções de conteúdo demandadas pelas redes de Educação Básica.

A Formação dos Quadros profissionais do projeto e os processos de capacitação

A seleção dos profissionais que participariam como capacitadores do Projeto A Cor da Cultura aconteceu, segundo capacitador entrevistado, em duas etapas. A primeira etapa foi à análise curricular de profissionais de diversas áreas. A segunda etapa consistiu em atividades conjuntas de capacitação e seleção. Nesse momento foi apresentada a metodologia do projeto e seus materiais pedagógicos. A carga horária total do processo de capacitação/seleção durou três dias, totalizando 24 horas. O intuito dessas atividades era saber se os capacitadores tinham habilidades e conhecimentos que possibilitasse o desenvolvimento o trabalho de capacitações dos professores. Os critérios para a participação dos professores no Projeto A Cor da Cultura eram definidos por cada prefeitura. Não havia um número certo de professores por escola, mas buscava-se abranger o maior número de escolas possíveis. Cada turma tinha aproximadamente 40 pessoas. O processo de capacitação dos professores teve carga horária de 24 horas presenciais, divididas de formas diferenciadas em cada estado. Além do processo de capacitação também havia o acompanhamento e avaliação do trabalho desenvolvido pelos professores capacitados. Os kits eram divididos dez por região. Os professores tinham que assinar um termo de compromisso sobre o recebimento do Kit e seu comprometimento em encaminhá-lo e aplicá-los nas escolas. Além disso, cabia também aos professores desenvolver algum projeto na escola com o material e ao final de um ano escrever um relatório para avaliação.

4.2 – A Cor da Cultura - Novas formas de se pensar e ensinar Cultura Negra

As particularidades do Projeto a Cor da Cultura assumem diversas formas, seja pela parceria entre instituições públicas e privadas, passando pelas articulações com entidades dos movimentos negros e com universidades através de seus NEAB’s. Contudo no processo de construção do projeto, mais do que resgatar e pensar em formas de ensinar História e Cultura Afro-Brasileira buscou- se suscitar valores civilizatórios que traduzissem a tradição e os saberes africanos. A participação de intelectuais dos movimentos negros na elaboração dos materiais pedagógicos e com a responsabilidade da formação dos capacitadores do projeto faz com que a História seja contada por outro olhar do que não o hegemonicamente constituído. Segundo Guimarães (2000) “(...) a democracia racial tem sido o lugar de onde quase todos os sociólogos brancos brasileiros, quando falam de pretos e do racismo”. A forma de concepção do projeto ajuda a romper com o lugar que se historicamente costuma falar quando o assunto são negros, racismo e discriminação racial. A concepção do Projeto a Cor da Cultura teve como norteador os valores civilizatórios afro-brasileiros como a oralidade, a ancestralidade, a circularidade, a religiosidade, a corporeidade, a musicalidade, o cooperativismo/comunitarismo, a memória, a ludicidade e a energia vital (axé). A África e seus valores convertem- se em elementos-chave para pensar a cultura afro-brasileira. A oralidade representa a forma da perpetuação da História, conforme ressalta Machado no livro “ Modos de Interagir ” do kit do projeto A Cor da Cultura: “Oralidade que corresponde à natureza de memória, “depósito” de gerações sucessivas, com a mesma força vital em forma de relato, canto, dança, poesia, ritmo e emoção, elaborando a história e a vida cotidiana “(2004, p.34). A história oral é uma forma de transmissão da sabedoria de um povo é baseado na vivência e até certo ponto na invenção, que cria a partir da carência. Valorizar a oralidade e valorizar outras formas de transmissão de conhecimento, contudo não significa uma negação da escrita. A ancestralidade se relaciona diretamente com a memória e com a história. Baseiam-se nos ensinamentos dos mais velhos, mais experientes e mais sábios, buscando extrair suas vivencias e ensinamentos do que é ser negro no Brasil. Significa “Ver/ouvir pessoas idosas, mais vividas, as memórias da vivência afro-

A ludicidade na cultura afro-brasileira reflete-se na alegria desse povo, no brincar, na diversão, no sorrir. Os jogos, assim como a música, são repletos de simbologias, frequentemente usados como forma de transmissão de conhecimento, instrumentos de ensino/aprendizado através da alegria e do prazer. A energia vital (axé) é poder da vida existente em todos os seres vivos e a relação de troca existente entre todos esses elementos da natureza. Relaciona-se com o vigor e a alegria de viver e aprender. Esses valores não são estanques, e tampouco lineares, existe entre eles uma interconexão os tornando complementares na vida cotidiana. A construção dos materiais e metodologias para implantação do projeto considerou esses dez elementos como norteadores, buscando uma perspectiva diferenciada de atuação e introjetando nas pessoas um olhar não eurocêntrico do mundo, valorizando dessa forma a identidade negra como parte integrante da identidade e da cultura brasileira. A Proclamação da República foi um marco para se pensar a identidade cultural brasileira, a partir desse evento histórico que começou a ser construído de forma mais efetiva a idéia de nação. Apesar de ter um ideal branco-europeu de cultura o Brasil tinha uma grande parcela da população negra – recém libertos e uma pequena parcela indígena - sendo um problema para o modelo de nação pretendida pela elite dominante. A miscigenação foi a resposta encontrada para solucionar o “problema” dos negros e dos índios. O que se configurou a partir de então foi uma política de embranquecimento da nação. A miscigenação transfigurou-se na fonte de criação da identidade nacional brasileira. “O modelo sincrético, não democrático, construído pela pressão política e psicológica exercida pela elite dirigente, foi assimilacionista. Ele tentou assimilar as diversas identidades existentes na identidade nacional em construção, hegemonicamente pensada numa visão eurocêntrica” (Munanga, 2008, p. 95). A identidade cultural brasileira , assim como as demais nações modernas, também foi erigida para unificar e dar coesão à nação. Um conjunto de práticas de natureza simbólica foi fornecido para dar significados aos cenários, rituais nacionais, eventos históricos e criar sentido de comunidade. “Ela dá significado e importância à nossa monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após a nossa morte” (Hall, 2006, p. 52).

A brasilidade, surgida do processo de unificação étnica, traduz um processo antidemocrático e repressivo que anulou as identidades do negro, índio e europeu. Ao invés de uma nação multiétnica formou-se uma nação mestiça falsamente homogênea. As identidades foram suprimidas em prol da cultura nacional. Como ressalta Munanga: O processo de construção dessa identidade brasileira, na cabeça da elite pensante e política, deveria obedecer a uma ideologia hegemônica baseada no ideal do branqueamento. Ideal esse perseguido individualmente pelos negros e seus descendentes mestiços para escapar aos efeitos da descriminação racial, o que teve como conseqüência a falta de unidade, de solidariedade e de tomada de consciência coletiva, enquanto segmentos politicamente excluídos da participação e da distribuição eqüitativa do produto social (Munanga, 2008, p. 95). No Brasil durante muito tempo difundiu-se através de um discurso oficial, fundamentado pela miscigenação, que existia uma verdadeira democracia racial, onde havia uma convivência harmoniosa e igualitária entre as diferentes etnias que compõem a sociedade brasileira. Isso na verdade configurou-se em um mito. A homogeneização, contudo não significou a valorização da diversidade étnico-cultural brasileira, na verdade significou um nivelamento dos valores branco-europeus como os únicos aceitáveis, os demais ou eram negativados ou eram ridicularizados. As características fenotípicas se tornam referência para a atribuição de uma determinada condição social, o que leva segundo Ferreira (2004), a “(...) introjeção de um julgamento de inferioridade” (p. 42), tanto no aspecto sócio- econômico quanto no prestigio social. Ferreira (2004) coloca que, o processo de negação do preconceito racial impõe dois mecanismos: o extermínio dos negros, como na época da colonização, e o “branqueamento”. A elite brasileira assume as características do branco- europeu como representante da sua superioridade étnica, o que justifica a dominação. A dicotomia criou um “gradiente étnico” onde quanto mais o indivíduo se aproxima dos traços branco-europeus, mais ele é valorizado, e tem acesso a melhores oportunidades. Do outro lado, quanto se aproxima dos traços negros mais o indivíduo e desvalorizado e marginalizado. Nessa perspectiva para uma família ter aspirações de ascender socialmente, tinha que “embranquecer” através do processo de miscigenação. Esse embranquecimento não se relacionava

4.3 – Os materiais

Para ensinar História e cultura afro-brasileira e africana o projeto A Cor da cultura se utilizou de uma série de materiais. Cada um desses materiais buscou atender a uma necessidade diferente, assim como criar estímulos, sejam para os professores sejam para os alunos. As letras, as músicas, as artes visuais, a brincadeira se configuraram nas várias formas de ensinar e nas várias formas de aprender.

Os Livros O kit do projeto A Cor da Cultura conta com quatro livros, são eles: Modos de Ver, Modos de Interagir, Modos de Sentir e Memórias das Palavras. O livro Modo de Ver é um caderno de textos, que conta também com mapas da diáspora africana, como intitulado no livro busca saberes e fazeres. Composto por sete partes, contendo além de uma parte introdutória, em cada uma um texto de diversos autores que trazem subsídios teóricos para as reflexões sobre as relações étnico-raciais no Brasil, buscando dar visibilidade as vivências, história e a imensa riqueza do patrimônio cultural do negro. A primeira parte do livro Aprendizes de corpo inteiro traz o texto “Desigualdade nas questões racial e social” foi escrito por Marcelo Paixão^11 ·. O debate concentra-se na forma de como o racismo e a discriminação no Brasil construíram um alicerce para a estrutura desigual a qual está estruturada a sociedade brasileira e que se perpetua ao longo dos séculos. O autor expõe em dados a maneira diferenciada de acesso a direitos sociais entre branco, negros e indígenas. “O modelo brasileiro de relações raciais consagra e eterniza as disparidades entre brancos, negros e indígenas em nosso país” (Paixão, 2006:23). A reflexão sobre a questão racial no mundo contemporâneo traz paralelos entre o desenvolvimento dos diversos grupos étnicos ao redor do mundo e a discriminação e/ou segregação sofrida em diversos países, para isso utiliza o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004. Segundo o referido autor, o atual processo de globalização, econômica, financeira e cultural vem contribuindo tanto para difusão de conhecimento e cultura, “promovendo experiências de interpenetração de culturas” (Paixão,

2006:22), quanto para um maior acirramento de disputas raciais e étnicas, motivadas principalmente pelo crescimento de partidos de extrema direita ou de grupos que buscam promover uma “limpeza étnica”. Quanto ao Brasil o autor traça o panorama das três últimas décadas, colocando a forma nociva que o, ainda vigente, mito da democracia racial contribuiu para a perpetuação do racismo e da discriminação como formas de subalternização da população negra do país. Paixão coloca que “o modelo brasileiro de relações raciais afeta especialmente as probabilidades de mobilidade social ascendente dos indivíduos dos distintos grupos de raça/cor da população” (2006:25). Acrescida a negritude o autor aponta ainda a questão de gênero enquanto elemento dificultador do acesso e garantia de direitos.

A discriminação sobre as mulheres negras perpassa planos não conhecidos pelos homens do mesmo grupo racial, tais como os reportados aos direitos reprodutivos, violência doméstica, violência sexual, dupla jornada de trabalho e demais seqüelas geradas por uma sociedade machista, como a brasileira. Esse contingente também comumente se vê impactado pelo seu rebaixamento à condição de objeto de prazer sexual dos homens (especialmente simbolizado na figura da mulata) e pela cons- tante violação de sua auto-estima nos planos profissional e estético e à mar- ginalização no mercado matrimonial. (Paixão, 2006: 26).

Outros grupos populacionais são apontados por Paixão (2006) como merecedores de extrema atenção, que são os jovens e as crianças negras. Dentre as questões elencadas estão à precoce entrada do mercado de trabalho, a maior evasão escolar, menor taxa de escolarização, menor taxa de acesso ao ensino superior, maior taxa de desemprego, menores salários e maior taxa de morte por homicídio (principalmente do sexo masculino). O texto “Como os tantãs na floresta: reflexões sobre o ensino de História da África e dos africanos no Brasil” de Monica Lima^12 integra a parte África, um continente plural do livro. A autora traz no texto a reflexão de que a maneira deturpada como a História e Cultura afro-brasileira e africana foi difundida ao longo do tempo contribuiu negativamente na construção de uma identidade negra. Criou-se uma identidade e uma auto-imagem que não era fiel a realidade.

vinculá-la ao pertencimento racial, de gênero e social e as articulações entre essas identidades. Com relação ao corpo Inocêncio (2006) o aborda em dois aspectos: o corpo coletivo e o corpo individual. O corpo coletivo – ligado à noção de identidade – constantemente ligado ao exótico e ao primitivo. Ora usado como forma de resistência, ora ajustando aos padrões estéticos eurocêntricos. O autor ressalta que “devemos enfatizar é a sua importância enquanto mantenedor de valores herdados de sociedades africanas” (p.54). O corpo individual por sua vez está ligado às vivências. Ao se falar em construção de uma Memória é comum uma relação direta com a escrita. Contudo entre os grupos afro-descendentes existe uma forte tradição oral como forma de interação entre as gerações. A construção de uma identidade negra perpassa por um olhar positivo do que é ser negro. Segundo aponta o autor: Os atos que acabam dando forma e conteúdo ao que chamamos de consciência negra incluem ainda o resgate de valores próprios, o que só é possível desde que se reconheça a existência de uma memória que está na formação do sujeito e nas informações que os corpos, tanto coletivo quanto individual, armazenam (Inocêncio, 2006: 58).

Na A herança africana está por toda parte, o texto “Beleza e identidade: sobre os patrimônios afro-descendentes” de Raul Lody apresenta uma reflexão de como a beleza é construída a partir de maneiras próprias de simbolizar o mundo e da cultura dos povos. Segundo Lody (2006) “Por meio de linguagens sensíveis, a beleza pode fazer o relato das trajetórias humanas, trazendo memórias e construindo dinamicamente o que se chama de identidade” (p.63). Os aspectos de ordem cultural são determinantes para a concepção do belo. “Se existem inúmeros conceitos de beleza, todos são, contudo, tradutores das culturas e dos desejos criativos do homem” (p.64). A reflexão sobre a beleza com referenciais africanos, deve se levar em consideração a multiciplicidade de culturas que existem nesse continente. Existem muitas Áfricas. Dessa forma a sua contribuição para a formação da cultura brasileira também ocorre de forma múltipla. As diversas identidades sonoras, que expressam sociabilidade e exercícios de pertencimento. Os adornos corporais, como búzios, palhas, e estampas características de tecidos representam uma identidade étnico-racial e simbolizam

resistência. “Os conceitos de beleza e de estética estão profundamente relacionados aos conceitos de pertencimento. Portar, usar, exibir, apropriar-se do belo é viver e transmitir esse belo” (p.67). Na parte Rever nossos conceitos é primordial, Maria Aparecida Silva Bento ressalta em “Aprendendo e ensinando relações raciais no Brasil” a reflexão sobre o impacto do racismo nas relações étnico-raciais tanto para branco, quanto para negros. Enfoca as reações, de negação, em que discriminados e discriminadores se colocam frente ao racismo. Se identificar enquanto negro ou enquanto branco tem implicações, refletindo na dificuldade de posicionamento nessa relação (beneficiário ou inferior). O debate acaba figurando na esfera ora da culpabilização do negro, ora da relativização da discriminação (citando outros exemplos de discriminação). Reitera a fala de Hasenbalg (1979), que essa postura deriva da negação do racismo, do enraizado Mito da Democracia Racial. Apesar de considerar as dificuldades que envolvem as transformações das relações étnico-raciais, a autora resgata Freire para considerar o quanto “esse tema é um potente mobilizador de forças de emancipação e libertação” (p.75). Na sexta parte O papel de alunos e professores, o texto “Relações raciais

no cotidiano escolar: implicações para a subjetividade e a afetividade” de

Eliane Cavalleiro, aponta a emergência da reflexão das relações étnico-raciais na escola, principalmente relacionado aos educadores. Deve-se considerar o impacto do racismo no cotidiano escolar e sua conexão com as outras esferas da vida em sociedade. “Há algum tempo, estudos e pesquisas apontam a presença de racismo e de discriminação racial em várias instituições socializadoras, como a escola, os meios de comunicação, a religião, o trabalho e, até mesmo, a família” (p.82). Estas instituições são importantes para a construção do pertencimento étnico e sua identidade social. Podem contribuir tanto para a superação do racismo ou para perpetuar uma tradição cultural pautada no preconceito. “(...) a organização de uma sociedade racista conta com mecanismos estruturados de discriminação racial. Esses mecanismos se encontram presentes nos mais diversos fatores que colaboram para a socialização da criança” (p.83).

Os temas propostos revelam uma compreensão da situação em que vivemos e uma perspectiva de mudança: o preconceito contra negros existe no Brasil, traz sofrimento para a vida de muitas pessoas e sérios prejuízos à nossa vida em sociedade, mas ele pode e deve ser combatido. E a Educação, associada à mídia, é um poderoso meio nesse processo (p.13). Os princípios propostos são: a) Lutar pela equidade, valorizando as diferenças – Precisam-se tratar desigualmente os desiguais, a diferença não pode significar uma supremacia de um sobre o outro; b) reconhecer o racismo e se opor a ele – ver o racismo não como algo individual, mas como parte da estrutura social; c) estabelecer o diálogo, ouvindo os que foram calados – dar voz as populações afro-descendentes enquanto protagonistas da História; d) afirmar a esperança, investindo na mudança – desnaturalizar as injustiças e a aceitação das desigualdades. Busca-se uma atitude não alienada e idealizada. Os princípios supracitados pretendem desenvolver e incentivar algumas atitudes que se pode destacar: I) valorizar o múltiplo; II) caminhar para além do senso comum; III) Exercitar a escuta; IV) Aprofundar os próprios conhecimentos; V) Permitir que os estudos nos transformem em internamente; VI) Socializar as informações.

A apropriação desses princípios e atitudes aspira-se o reconhecimento e respeito do lugar do negro na sociedade. A hierarquização entre brancos e negros presente na sociedade brasileira reflete os indicadores de superioridade e inferioridade que as crianças aprendem no cotidiano escolar desde a educação infantil e que é reproduzido de forma intermitente ao longo de sua vida. O caderno aponta ainda alguns cuidados que necessitam ser tomados para o debate do tema, para que não caiam no maniqueísmo, na simplificação e na folclorização, ressaltando a importância de não criar uma dualidade entre “negros bons” e “brancos maus”, apesar do comprometimento por uma sociedade anti- racista tenta não se ter uma visão idealizada, considerando que “Os africanos e seus descendentes nascidos da diáspora no Novo Mundo (as Américas, incluindo

o Brasil) eram seres humanos dotados de personalidade, desejos, ímpetos, valores. Eram também seres contraditórios, dentro da sua humanidade” (p.26). A terceira parte do caderno traz elementos para auxiliar na forma de utilização da metodologia possibilitando o planejamento do trabalho e o seu acompanhamento. A ênfase dada no desenvolvimento do trabalho é o estímulo ao diálogo e a reflexão. Não se pode esquecer que a integração do planejamento das ações ao Plano Político Pedagógico das escolas são articulações essenciais para a garantia da efetividade das atividades. Os conteúdos trazidos pelo material do A Cor da Cultura precisa dialogar com os demais conteúdos presentes nos programas da disciplina. O caderno de atividade Modos de Interagir busca trazer formas de trabalhar com os valores e temas apresentados nos dois cadernos anteriores. A partir dos valores civilizatórios afro-brasileiros norteia ações que possam ser desenvolvidas por professores em sala de aula. Traz sugestões de atividade e forma de articulação entre os referenciais elencados. O livro Memória de Palavras apresenta verbetes de palavras de origem africana mostrando a sua relação com a língua portuguesa. O texto tem apresentação colorida, com ilustrações que chamam a atenção das crianças e ainda cita exemplos de utilização das palavras com fragmentos de recortes de jornais, músicas e poesias de autores negros. O livro possibilita uma descoberta para essas crianças, já que muitas palavras lhes eram familiares, contudo desconheciam sua origem. O acesso a esse conhecimento permite aos alunos visualizar a forte influencia africana na cultura e na língua praticada no Brasil.

Músicas Os sons dos atabaques, o batuque dos tambores, o pulsar da herança africana nos fazem mergulhar em uma viajem de sensações com misturas de sonoridades. Instrumentos que já ouvimos inúmeras vezes mais que não tínhamos noção de sua origem e de como chegaram aqui como contribuíram para a formação da música brasileira. O Cd Conguê além de fazer um passeio entre os instrumentos de origem africana, também traz em sua capa um pouco da história de cada um deles. Divididos entre: instrumentos de vime, instrumentos de couro, instrumentos de

A Série Nota 10 tem como o objetivo a sensibilização e motivação dos professores para a implementação da Lei 10639/03. Composto por cinco episódios mostra exemplos de projetos bem sucedidos no ensino de História e Cultura Afro- brasileira e africana em todo o país e com diversas temáticas: Religiosidade e Cultura; Corpo; Igualdade de Tratamento e Oportunidades; Material Didático e África no Currículo Escolar. Os vídeos tentam mostrar que é possível desenvolver de forma qualitativa a temática dentro das salas de aula. A série Os heróis de Todo o Mundo resgata de maneira eficaz a contribuição de importantes personagens negros da História do Brasil que foram esquecidos, ou que tiveram esquecida a sua negritude. São trinta documentários que apresentam a biografia de cidadãos e cidadãs brasileiras negros nas áreas das ciências, artes, política ressaltando suas trajetórias de superação, rompendo com a injustiça histórica. Os episódios são narrados também por personalidades negras. São eles: Adhemar Ferreira da Silva (atleta) Aleijadinho (artista plástico) André Rebouças (engenheiro) Antonieta de Barros (professora) Auta de Souza (escritora) Benjamin de Oliveira (ator/palhaço) Carolina M. Jesus (escritora) Chiquinha Gonzaga (compositora) Cruz e Souza (escritor) Elizeth Cardoso (cantora) Jackson do Pandeiro (músico) João Cândido (marinheiro/líder da Revolta da Chibata) José Correia Leite (jornalista) José do Patrocínio (abolicionista) Francisco José do Nascimento (jangadeiro/líder abolicionista) Juliano Moreira (médico) Lélia Gonzalez (professora/militante política) Leônidas da Silva (jogador de futebol) Lima Barreto (escritor) Luiz Gama (advogado) Machado de Assis (escritor) Mãe Aninha (ialorixá) Mãe Menininha (ialorixá) Mário de Andrade (escritor) Milton Santos (geógrafo) Paulo da Portela (sambista/um dos criadores das escolas de samba) Pixinguinha (músico) Teodoro Sampaio (urbanista) Tia Ciata (personagem histórica do samba)

Zumbi (líder revolucionário)

A série tenta resgatar a auto-estima e o orgulho de ser negro a partir desses ilustres personagens da história brasileira que tiveram muito destaque e contribuíram para o desenvolvimento do país em diversas áreas. Ao trazer esses heróis falando de forma orgulhosa seu nome, formação e que é “cidadão (cidadã) negro (a) brasileiro (a)” mostra uma visão positiva do ser negro, criando uma perspectiva de vida para essas crianças à medida que mostra que é possível crescer e buscar galgar novas posições na sociedade que não a subalternizada historicamente atribuída. O debate sobre religiosidade é encontrado na série Mojubá – saudação Yorubá que significa “com meu humilde respeito”. A Série é composta por sete programas que retratam diferentes aspectos das religiões de matrizes africanas: Fé, Organização, Natureza, Arte e Cultura (Representações), Língua e Literatura, Quilombos e Coletivismo. Trazer esse tema para reflexão é de extrema importância, principalmente por ser esse onde se encontra maior resistência – da parte dos professores, de alunos e de pais. As religiões afro-brasileiras são ampla e historicamente discriminadas, comumente envoltas em uma áurea de satanização. O desconhecimento e o preconceito são fatores determinantes para que haja medo e vergonha na professão dessa fé. Os vídeos são uma tentativa de apresentar essas religiões com um novo olhar, superando os olhares distorcidos, destacando sua relação de respeito com a natureza. “Eles devem estimular o respeito às diferentes expressões de fé, bem como o seu reconhecimento como expressão de culturas que fazem parte da nossa História e do nosso país” (Modo de Sentir, 2006, p.50).

O Jogo No material do Kit A Cor da Cultura existe um jogo pedagógico que faz um trabalho de complementação da série Heróis de Todo Mundo. O jogo com o mesmo nome resgata com a linguagem da brincadeira, exercitando o valor da ludicidade, a trajetória das trinta personalidades negras divididas por área de atuação e de conhecimento: Esporte, Ciência e Tecnologia, História, Religião, Artes e Literatura.