


















































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma análise da relação entre teologia e espiritualidade no contexto da obra de karl barth e emil brunner. O texto discute a importância de abordar a teologia como uma prática viva, centrada na palavra de deus e na comunidade de fé. Ao examinar a perspectiva de barth e brunner, emergem paradigmas de integração entre teologia e espiritualidade que podem ajudar a entender a natureza da teologia como uma prática viva e dinâmica. O documento também discute a importância da tradição teológica ocidental e a relação entre a teologia e a vida espiritual.
Tipologia: Notas de aula
1 / 58
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Introdução É nosso intuito nesse capítulo colocar o diagnóstico feito nos capítulos anteriores, acerca do divórcio entre teologia e espiritualidade no cristianismo ocidental, frente a alguns paradigmas de integração. Para tanto, faremos uso de um teólogo protestante^1 e uma teologia de caráter integrador elaborada em nosso continente latino-americano. Esses souberam desenvolver o labor teológico a partir da espiritualidade como “lugar” privilegiado para se fazer teologia. Ferrenhos combatentes na luta contra o dualismo marcante no Ocidente, como na relação de oposição-exclusão entre teologia e espiritualidade. Teólogos que buscaram exercer seus magistérios na dinâmica de outra metodologia teológica, mais atenta à integralidade, escrevendo belos capítulos para a história da teologia no horizonte da cultura contemporânea. Essa nossa proposta de integração visa ajudar no amadurecimento tanto do que entendemos por teologia (ampliando os conceitos e imagens), como do que entendemos por espiritualidade, quando colocamos duas realidades aparentemente contraditórias sobre a mesma realidade, que na verdade, por mais diferentes que sejam, assim mesmo, podem e devem conviver em harmonia, numa dialética de inclusão. Portanto, o divórcio entre teologia e espiritualidade, que aponta para uma relação de exclusão entre dimensões como razão e fé, denunciam nossa incapacidade histórica do cristianismo ocidental em determinados períodos, de trabalhar com uma visão de mundo mais holista, mais integrada, livre dos paradoxos radicais e dos dualismos gritantes. Queremos nesse capítulo colocar essa história nefasta de oposição radical, com características marcadamente maniqueístas, frente a paradigmas mais integradores. Lembrando que a integração se dá a partir da constatação de duas (^1) Mais especificamente nosso foco será na reflexão feita pelo teólogo portestante suíço: Karl Barth. O que não significa exclusividade. Ou seja, outros teólogos também entrarão na confecção desse capítulo.
realidades diferentes. Ou seja, teologia não é espiritualidade e vice-versa, tanto quanto, razão não é a mesma coisa que fé, mas que jamais deveriam ser encaradas por isso, como realidades contraditórias, muito pelo contrário, no fundo essas realidades estão vocacionadas a uma relação de unidade, apesar da diversidade. A diferença entre ambas não significa necessariamente uma relação de oposição-exclusão. Por mais diferentes que sejam uma necessita da outra e na verdade em se tratando especificamente da fé cristã, uma não pode viver sem a outra. Podemos a partir daí, também, afirmar que teologia sem espiritualidade é menos teologia e que espiritualidade sem teologia é menos espiritualidade, quando se trata de fé cristã. Surge a necessidade de enxergarmos a impossibilidade intrínseca de se ter uma teologia desprovida de seu húmus , seu “lugar” donde brotar, e então desenvolver uma teologia mais espiritual. Ao mesmo tempo, percebermos a carência que a espiritualidade tem da luminosidade provinda do discernimento teológico , desenvolvendo assim uma espiritualidade mais teológica. Como diz Ricardo Barbosa com relação aos estudantes de teologia: Precisamos de uma teologia mais espiritual, que nos desperte para um relacionamento pessoal e verdadeiro com Deus. Em outras palavras, uma teologia e uma linguagem teológica que nos apontem o caminho da oração. (...) Que seja mais pessoal, afetiva e comunitária, e não apenas acadêmica. Pra isso ela precisa ser mais espiritual. Não significa espiritualizar a teologia, mas reconhecer sua pessoalidade e o significado da encarnação. (...) A encarnação tira a teologia da prateleira e a coloca no coração, na mente, nos relacionamentos, na vida, nas decisões, nos afetos, nas paixões, nas escolhas, enfim, em tudo.^2 Ao mesmo tempo em que devemos nos ater a necessidade de uma espiritualidade mais teológica, mais rica de discernimento crítico, de tirocínio, de acuidade intelectual. O que não significa - ao tratarmos de uma teologia mais espiritual - um retorno acrítico a mentalidade pré-moderna. Muito menos – ao tratarmos da necessidade de uma espiritualidade mais teológica – de ficarmos parados, presos, circunscritos à mentalidade moderna. Na percepção de Alister McGrath: A espiritualidade é a aplicação da verdade cristã à vida de fé. (...) Ela procura colocar Deus no coração e na mente. A espiritualidade ocupa-se do (^2) BARBOSA, R. O que é espiritualidade? In: BOMILCAR, N. (org.). O melhor da espiritualidade brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p. 18.
eclesial, como “espirituais” ou “piedosas”. Nesta categoria estavam incluídos os escritos dos místicos cristãos.^6 Como fez questão de frisar J. Leqlercq, a característica principal da Patrística sempre esteve relacionada a ter unido de um lado o esforço da inteligência e aquele do coração, a ciência e a caridade, bem como a sabedoria, o conhecimento e a oração, e por outro lado, nesta experiência de luz e de fervor, o contato freqüente com as fontes cristãs fundamentais: a Escritura, as autoridades antigas, a liturgia: Daí se pode entender a observação de um bibliotecário: ‘Quando deves classificar uma obra e te encontras incerto se inseri-la no setor de teologia ou no setor de espiritualidade, pelo motivo que parece que diga respeito seja a uma que à outra, trata-se seguramente de uma obra patrística’.^7 Pois, ser um teólogo até então significava que uma pessoa havia contemplado o mistério da encarnação e possuído uma vivência de fé sobre a qual refletir. O fazer teológico era sempre muito mais do que mero exercício intelectual. O conhecimento das coisas divinas era inseparável do amor de Deus aprofundado na oração.^8 Sem que nos esqueçamos que o que chamamos hoje de teologia, passa a ser assim chamada a partir do séc. IV com Atanásio e Basílio. Neste momento a teologia nasce como hermenêutica da Santidade. Da santidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, manifestadas na humanidade convidada a participar dessa santidade.^9 Para a Patrística, por exemplo, fazer teologia envolvia a constante leitura da Sagrada Escritura (vide a Lectio Divina), que era então moldada na liturgia, no diálogo crítico com a cultura e a filosofia grega. Isso resultou na reflexão de temas centrais como oração, martírio, os estágios da vida cristã e assim por diante. Uma variedade de gêneros provia fontes para tanto, como: sermões, cartas, vida especifica dos santos e regras monásticas. (^6) BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Em tudo amar e servir: mística trinitária e práxis cristã em Santo Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 1990, p. 19. (^7) LEQLERCQ, Jacques. Esperienza espirituale e teologia. Alla scoula Del monaci medievale. Milano: Jaka Book, 1990, p. 133. (^8) SHELDRAKE. Espiritualidade e teologia. Op., cit., p. 55. (^9) BARROS, Paulo César. Editorial: Teologia e espiritualidade. In: Perspectiva Teológica. Belo Horizonte: Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Ano XXXVIII nº 106, setembro/dezembro, 2006, p. 318.
A teologia ao nasce a serviço da experiência mistagógica. Ou como diz Paulo Cesar Barros, do Instituto Santo Inácio: “Pensar a espiritualidade como estranha à teologia, pensar que a teologia não necessita aprender da experiência espiritual, seria um atestado de miopia no olhar teológico que não enxergaria mais a fonte onde a própria teologia foi batizada.”^10 Neste ponto, é de suma importância a síntese que faz o professor Ricardo Barbosa. Vale a pena citá-lo: Se olharmos para as obras de Irineu e Orígenes, do segundo e do terceiro séculos; Agostinho e os irmãos da Capadócia, do século IV; Benedito e Gregório do sexto; Simeão o novo teólogo do décimo; Bernardo de Clairveaux e Ricardo de São Vítor, do século XII; Boaventura do século XIII; Walter Hilton, do XIV; e muitos outros, veremos que, para todos eles, conhecimento e amor, doutrina e devoção, teologia e oração eram a mesma coisa. Sua teologia era de certa forma, o relato da própria experiência com Deus. As Confissões de Agostinho, as Regras monásticas de Benedito, o Cuidado pastoral de Gregório, as Orações de Simeão, os Comentários de Cantares e outros escritos de Bernardo, enfim, todos eram expressão de uma fé pessoal, de amor por Deus, de uma vida de oração. Não havia o divórcio entre teologia e espiritualidade. Evagriu Pônticu, do século IV afirmou: “Orar é fazer teologia”. A teologia emergia da oração.^11 Assim, não só precisamos urgentemente de uma teologia a refletir sobre o tema da espiritualidade, mas ela mesma, a teologia, é cada vez mais interpelada a ter a espiritualidade como “lócus” metodológico, a lhe dar plausibilidade histórica, para ser instrumento adequado da pastoral e da evangelização. Precisa- se, destarte, voltar-se às fontes espirituais da fé cristã, como “lugar privilegiado”, como fonte inesgotável de sabedoria. Levando a espiritualidade a avaliar a teologia que está sendo tecida, bem como avaliar e discernir teologicamente que espiritualidade tem-se desenvolvido no cristianismo ocidental hodierno. Segundo Henrique Matos: Há um nexo intrínseco entre teologia e espiritualidade. Esta confere sabor e vigor pneumático àquela. A teologia, por sua vez, proporciona à espiritualidade oportunos parâmetros de compreensão e interpretação. Autêntica teologia cristã possui uma “dimensão mistagógica”, no sentido de conduzir à experiência espiritual e particularmente à oração, entendida como colóquio amoroso com Deus.^12 (^10) Ibid, Idem., p. 318. (^11) BARBOSA, R. O que é espiritualidade? Op., cit., p. 17. (^12) MATOS, Henrique Cristiano José. Estudar teologia: iniciação e método. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 52.
A partir desses estudos emerge outro Barth que, então, passa a reescrever sua grande obra prima de teologia dogmática, a qual ele passou a chamar de Dogmática Eclesiástica , toda alicerçada na chamada analogia fidei , em forte contraste à analogia entis da teologia católica de então.^19 Todavia, Karl Barth jamais abandonou suas intuições fundamentais do início de carreira, fruto de suas crises como pastor de uma pequena comunidade freqüentada por operários e camponeses da pequena cidade de Safenwill, nos cantões da Suíça, às portas da Primeira Guerra Mundial. Em meados da década de 20 do século passado, Barth tinha dado início a uma obra de dogmática, a qual chamou então de Dogmática Cristã. Segundo ele, a mesma estivera profundamente sob influência da filosofia existencial kierkegardiana e essa conscientização lhe fez parar para repensar a possibilidade de começar de novo, do zero. Agora mais dependente do auditus fidei^20. Por volta de 1927, Barth publica o primeiro volume da obra. Contudo, pouco tempo depois abandona tal empreitada por perceber em sua teologia essa dependência exagerada do instrumental filosófico existencial como dissemos acima. E, para Barth a conseqüência dessa dependência foi o natural afastamento do aporte bíblico-cristão, da qual parecia depender cada vez menos sua teologia. Como dissemos acima, essa consciência o levou a tomar a decisão de refazer a sua caminhada teológica. A partir de então, ao perceber o erro de extrema concessão à filosofia em seu labor teológico, começa a reescrever sua vultosa Dogmática Eclesiástica , a qual permaneceu incompleta, com um total de 13 tomos e mais de 9.000 páginas.^21 Segundo o historiador da Igreja, Justo Gonzáles, sem dúvida “a dogmática eclesiástica é incontestavelmente o grande monumento teológico do século XX.”^22 Por fim, num segundo e último movimento desse nosso capítulo iremos nos concentrar na teologia de caráter mais fontal desenvolvida na América Latina, logo após o término do Concílio Vaticano II. Estamos nos referindo à teologia latino-americana da libertação. Fortemente marcada desde sua gênese pela maneira séria e comprometida com que liam a Escritura Sagrada em busca de (^19) Cf. MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século XX. Op., cit., pp. 662-663; Cf. também. GIBELLINI, Rosino. A teologia no século XX. Op., cit., p. 239. (^20) Ausculta da fé. (^21) Cf. GONZÁLES, Justo. Uma história ilustrada do cristianismo: a era inconclusa. Op., cit., p.
(^22) Ibid., pp. 70-71.
resposta à situação de opressão e pobreza com a qual se deparavam na América Latina. Um continente marcado pela morte. Conforme nossa perspectiva, essa teologia emerge como um paradigma de integração entre teologia e espiritualidade. Sendo assim, faremos uso de alguns textos fundamentais de alguns teólogos da libertação, principalmente Gustavo Gutiérrez e Jon Sobrino.^23 4. Karl Barth e a sua compreensão da teologia É nosso desejo iniciarmos nossa jornada em busca dos chamados loci theologici^24 na teologia de Karl Barth, em primeiro lugar, indo de encontro à justificativa dada pelo mesmo em sua obra intitulada, Introdução à teologia evangélica. Como ele formula no prefácio da mesma, essa obra fora considerada pelo teólogo de Basiléia como o seu “canto de cisne”.^25 Essa importante obra foi publicada em alemão com o seguinte título: Einführung in die evangelische Theologie , no ano de 1962, seis anos antes de sua morte.^26 Sobre essa obra diz o próprio Karl Barth, que assim a compreendia: Como não teria sido de bom alvitre lecionar Dogmática em apenas uma aula semanal, tentei aproveitar a oportunidade que me proporcionou esse canto de cisne para, de forma resumida, prestar contas a mim mesmo e a meus contemporâneos de tudo aquilo que até agora fundamentalmente almejei, aprendi e ensinei no campo da teologia evangélica, através de muitos caminhos e atalhos, em cinco anos como estudante, em 12 anos como pastor e depois em 40 anos como professor.^27 Para que possamos vislumbrar até que ponto Karl Barth nos ajuda a relacionar teologia e espiritualidade de maneira saudável, é imprescindível atentarmos para o conceito de teologia que o nosso teólogo tece ao longo da introdução da obra Introdução à teologia evangélica e para dois tópicos da obra Fé em busca de compreensão. Na tentativa de darmos uma resposta, surge uma pergunta: o que é teologia para Barth? (^23) Além desses teólogos, outros serão utilizados conforme a necessidade do desenvolvimento desse capítulo. (^24) Essa expressão foi cunha da pelo teólogo da baixa escolástica Melquior Cano e significa, literalmente, “lugares teológicos”. (^25) Cf. BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. Op., cit., p. 7. (^26) Karl Barth veio a falecer em 10 de dezembro de 1968 em Basiléia, na Suíça, aos 82 anos. Cf. BARTH, Karl. Dádiva e louvor. Op., cit., pp. 4-6. (^27) BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. , p. 7.
quem colocamos “nossa vinculação e compromisso mais profundos.”^31 A fé nesse determinado “Deus” precede todo discurso teológico. Portanto, para que se possa definir de qual teologia se está falando, precisamos nos expressar, confessando a esse Deus. Nossa teologia seguirá conseqüentemente o Deus a quem confessamos e adoramos. Em quem depositamos nossa fé. Em se tratando de nós cristãos somos crentes em um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Nossa fé é trinitária. Karl Barth aodenominar sua teologia de “teologia evangélica”, não tem como intuito tratar especificamente de mais uma “teologia protestante”. Na verdade, ele entende o adjetivo “evangélica” como sendo a tematização coerente do Deus que se revela no Evangelho.^32 Ele diz: Uma teologia por ser “protestante”, ainda não é necessariamente evangélica. E existe teologia evangélica também no catolicismo romano e no âmbito da Ortodoxia oriental, assim como existe na área das inúmeras variações e mesmo das formas degeneradas posteriores ao evento reformatório.^33 Não se trata, portanto, de uma questão de tentar definir a melhor teologia feita em todas essas manifestações históricas do cristianismo, mas qualificar a partir de qual referencial estamos tecendo nossos conceitos de Deus. Nesse caso, o referencial último é o Evangelho tal como podemos apreender das páginas do Novo Testamento. O adjetivo, “evangélica”, encontra aí seu solo donde brotar a tematização de Deus, o Deus do Evangelho.^34 Sobre isso esclarece ainda Karl Barth: Designaremos com o termo “evangélico”, de forma objetiva, a continuidade e a unidade “católicas”, ecumênicas (para não dizer “conciliares”) de toda e qualquer teologia, que, em meio a todas as demais teologias e (sem que isso implique um juízo de valor ou desvalor) diferentemente delas, tenciona perceber, compreender e tornar manifesto o Deus do evangelho – quer dizer, o Deus que se manifesta no evangelho, que por si mesmo fala aos seres humanos, que age neles e entre eles – da maneira por Ele mesmo indicada. Onde se realiza o evento de este Deus se tornar objeto ou assunto da ciência humana e, como tal, origem e norma da mesma
teologias”. O que não significa ausência de quaisquer elementos comuns as demais teologias e quiçá outras ciências. Mas a tarefa urgente para Barth é que possamos apontar significativamente as características nucleares dessa “ciência teológica” evangélica. Essa teologia deve sempre se ver não somente na impossibilidade de falar exaustivamente de Deus, mas igualmente “não poderá reivindicar o direito de bancar Deus neste campo.”^36 Como assevera Barth: “O Deus do evangelho é o Deus que de sua parte se acha voltado em misericórdia para a existência de todos os seres humanos, inclusive para a teologia dos mesmos.” 37 A dimensão abscondita de Deus, imensurável, inefável, de um Deus que é Mistério , do qual não podemos dispor muito menos tematizar sem deslizes, é de que fala o Evangelho. Evangelho que nos revela um Deus que ao se revelar, desmascara mais e mais de nossa limitação e precariedade quando se trata de teologizar. Tal como diz Karl Barth, esse Deus “sempre permanece superior , não só quanto aos empreendimentos ‘dos outros’, mas também diante da teologia evangélica. Permanece o Deus que continuamente se dá a conhecer e que continuamente precisa ser descoberto e redescoberto.”^38 4.1. A base epistemológica barthiana Essa ciência, chamada de “ciência teológica”, está fadada ao condicionamento, à “parcialidade do discurso”, à precariedade, ao provisório, a ser sempre uma teologia inacabada, a caminho. Uma teologia cônscia da necessidade premente de se rever sempre e “sempre se reformando”, em (^36) Cf. Ibid., pp. 10-11. (^37) Ibid., p. 11. (^38) Idem., p. 11. Essa parece ser a intuição dos grandes teólogos(as) da história da Igreja, como é o caso do maior teólogo católico do século XX, Karl Rahner. A teologia para Rahner , dado o seu “objeto” de estudo, ao qual no processo do fazer teológico revela-se, contudo, Sujeito livre , decerto não ao lado de outros [teólogo(a)], mas sempre para além, dá-se à nós como nosso horizonte infinito. Ele diz: O horizonte de transcendência não permite que se disponha dele , mas é a instância infinita e muda que se dispõe de nós , no momento e todas as vezes que começamos a dispor de alguma coisa, pelo fato de que, julgando-o, submetemo-lo às leis de nossa razão apriorística. Por conseguinte, esse horizonte da transcendência está presente num modo exclusivamente seu, o modo de recusa e de ausência. Ele se dá a nós no modo de renuncia de si mesmo, do silêncio, da distância. Cf. RAHNER, Karl. O dogma repensado. São Paulo: Paulinas, 1970, p. 171. Grifo nosso. Esse Horizonte Infinito denominamos Deus.
axioma: fides quaerens intellectum. Ao ponto de Karl Barth escrever uma obra dedicada a essa e outras afirmações do teólogo de Cantuária. O grande teólogo suíço começa sua aproximação do núcleo rígido do que viria a ser sua rica epistemologia teológica, tratando sobre o conceito e necessidade do intelligere em Santo Anselmo. Na percepção de Barth a intuição fundamental da qual Anselmo lança mão para sustentar sua teoria do conhecimento reside em conseguir responder a necessidade de a fé desejar ser compreendida. Ele diz: “Essa razão, a qual intelligere busca e encontra, possui nela mesma não somente utilitas (utilidade), mas também pulchritudo (beleza). É speciosa super intellectus hominum (grande brilho do intelecto humano).”^42 Significa dizer que Karl Barth ao situar a teologia no chão da revelação bíblico-cristã, já está dando à vida de fé um lugar de destaque no labor teológico, ampliando seu horizonte epistemológico e conseqüentemente sua tessitura teológica, puxando a teologia cristã de volta a seu húmus original e fundante. O que propicia Barth falar depois, mais a fundo, acerca da Palavra como o primeiro “lugar” teológico, (os loci teologici ), tal como veremos mais a frente. Não obstante, se a ciência teológica deve ser modesta , ela também necessita, para existir, raciocinar com base em três premissas secundárias, a saber: a) De modo geral, no evento da existência humana, em sua dialética indissolúvel, existência que se vê confrontada com a auto-revelação de Deus no evangelho; b) de modo específico: na fé de seres humanos que receberam o dom e a vontade de reconhecerem e confessarem a auto-revelação de Deus como tendo acontecido em favor deles; c) de modo geral e específico: na razão , i.e, na capacidade de percepção, conceituação e expressão de todos os seres humanos, inclusive dos crentes, fato este que os capacita tecnicamente a participarem, de forma ativa, do esforço de cognição teológica realizado no confronto com o Deus que se auto- revela no evangelho.^43 Daí para Barth a teologia que emerge segundo a revelação de Deus no Evangelho ser o referencial último, aquele que desperta e potencializa a fé do ser humano, chamando-o à fé “e que com isso reivindica e ativa a totalidade do potencial intelectual humano (e não só o seu potencial intelectual).”^44 Deus desperta e dinamiza nossas energias, as energias humanas, potencializando-as sendo então possível canalizá-las para o saudável labor teológico. (^42) BARTH, Karl. Fé em busca de compreensão. Op., cit., p. 23. (^43) Ibid., p. 11. (^44) Ibid., p. 12.
O conhecimento de Deus na fé deve e pode ser dinamicamente transformada em bom trabalho teológico. A vocação à teologia é fundamental e constituinte do ser humano, teologia como sendo esse segundo momento, a qual deverá desenvolver uma atenção maior à presença de Deus sempre dada. Portanto, todo ser humano é um teólogo em potencial, poderíamos dizer com Barth. Mas o desenvolvimento dessa vocação básica em direção a uma carreira teológica vai depender de diversos fatores, dentre eles a vocação à docência, à pesquisa, e etc. O teólogo é um eterno aprendiz, exercitando seu labor como quem vive sempre a garimpar palavras. Na busca de tematizar àquele que em parte não é tematizável (mistério). A teologia passa novamente a ganhar um sabor sapiencial. 4. Os loci theologici na teologia de Karl Barth O teólogo de Basiléia começa sua primeira preleção tratando do tema daquilo que tradicionalmente se convencionou chamar de loci teologici. Para Karl Barth a prioridade do teólogo é que este comece seu empreendimento teológico delimitando qual o verdadeiro “lugar da teologia”. E o lugar da teologia, segundo Barth, lhe é destinada a partir de dentro. Essa posição decorre diretamente e é determinada, pelo próprio “objeto” e “assunto” da teologia e sua revelação no solo da história, a quem denominamos de Deus.^45 Segundo Karl Barth toda teologia saudável deve levar em consideração a realidade do Deus vivo como o único e real assunto da teologia. Levando essa realidade tão a sério, ao ponto de assumir conscientemente e sem dar desculpas a ninguém da “posição a partir da qual lhe cumpre avançar em todas as suas disciplinas – as bíblicas, as históricas, as sistemáticas e as práticas.”^46 Ele completa: É a lei pela qual ela deve se apresentar constantemente. Usando linguagem militar: é a posição de sentinela que o teólogo necessariamente terá de ocupar e de manter sob quaisquer circunstâncias seja na universidade ou em alguma catacumba qualquer, sob pena de perder sua liberdade – mesmo que tal tarefa lhe venha a desagradar ou que desagrade a quaisquer outras criaturas.^47 (^45) Cf. Ibid., p. 17. (^46) Ibid., Idem., p. 17. (^47) Ibid., pp. 17-18.
O que significa dizer, que para o nosso teólogo, a primazia é sempre de Deus e de Sua Palavra. A iniciativa é sempre de Deus. Teologia, portanto, será sempre palavra segunda , dependente da palavra divina, sem a qual não poderá ser aquilo que almeja: resposta humana à palavra divina. Barth diz o seguinte sobre essa afirmativa: Ela vive e morre com a palavra que precede a sua palavra, com a palavra pela qual é criada, despertada e desafiada. Seu raciocinar e falar humanos seriam vazios, sem significado, inúteis, se tencionassem ser mais – ou ser menos – ou algo diferente do que uma ação responsiva àquela palavra.^50 Aqui, fica nítida a posição que assume no labor teológico como ouvinte da Palavra o teólogo(a), se quiser ser realmente fiel a sua vocação. Portanto, a teologia só poderá ser resposta adequada quanto melhor for ouvinte da palavra que a precede e determina. O teólogo(a) antes de tudo não é alguém com proposições teológicas semi- prontas ( a priori ), seguindo uma postura teológica dedutiva, tentando fazer com que a palavra apenas confirme suas hipóteses, fruto de uma mente altamente capaz das mais sublimes especulações teológicas. Muito pelo contrário, a teologia só poderá ser considerada palavra humana sobre Deus (e a posteriori ), discurso acerca do divino, ao esvaziar-se de suas pretensões especulativas, e humildemente parar e ouvir com atenção, a verdadeira fonte da vida teológica: Deus. Significa dizer que uma teologia que não para e ouve, não pode se considerar teologia_._ Assim para Barth: produz somente com o engenho humano, mas é sempre “palavra de resposta”. Não se trata de uma audição meramente passiva, mas crítica, historicamente situada e dirigida a pessoas concretas. De fato, o receptor, reconhece, confronta e enriquece tudo o que houve a partir de sua realidade e o integra no conjunto de suas interrogações e experiências de vida; 2 – Intelectus fidei : é o momento “construtivo” do trabalho teológico, em que se elabora seu “discurso” no confronto entre fé e razão que compõe-se de três operações: análise do conteúdo interno da fé colocando o “por quê” dos mistérios em que se crê; sistematização desse conteúdo mediante uma síntese articulada; criação de novas perspectivas teológicas para avançar na compreensão da fé; A “criticidade” deve ser sapiencial com o reconhecimento de seu limite. (...) Tendo em vista edificação da comunidade cristã. Essa nobre atitude encontramos entre os santos padres, simultaneamente pastores e teólogos. (...) Desenvolvem uma visão mais integradora da fé que os torna capazes de realizar, no interior de sua comunidade eclesial, uma leitura viva e atualizante da Escritura; 3 – Aplicatio fidei ; Teologiza-se para conhecer; conhece-se para amar; ama-se para praticar. A produção teológica volta-se aqui para a pastoral como contribuição á comunidade eclesial e seus pastores. Sua reflexão também leva em consideração a realidade “do mundo”, onde emergem as grandes questões existências que a teologia procura “iluminar” a partir da fé. O tripé hermenêutico: pré- texto , contexto e texto. MATOS, Henrique Cristiano José. Estudar teologia. Op., cit., pp. 36-38. (^50) Idem., p. 18.
A teologia ao ouvir a palavra e ao responder à mesma, será simultaneamente ciência modesta e livre, modesta na medida em que, em relação àquela palavra, toda sua logia não passa de ana-logia humana, suas elucidações não passam de um refletir e espelhar humanos. (...) E será livre na medida na medida em que não se considerar apenas intimada a realizar tal analogia, reflexão e reprodução, mas quando para tal se achar libertada, autorizada, posta em movimento pela palavra.^51 Contudo, Barth vai aos poucos ainda mais longe por deixar claro que essa relação direta com a Palavra, não significa simplesmente que o raciocínio teológico deve ser guiado, orientado e medido pela mesma, mas que essa reflexão teológica (em resposta à Palavra), é produzida e depende da ação criativa de Deus e por essa ação é possibilitada de existir e atuar.^52 Essa elaboração de todo labor teológico só pode tornar-se interpretação segundo Barth, se primeiro for interpelada a dar crédito ao evento dinâmico da palavra, que a convoca, fazendo a teologia se enxergar como tendo a responsabilidade de confirmar e anunciar a palavra em fidelidade ao desvelamento de Deus na história, como Palavra ouvida, interpretada e anunciada pelas testemunhas primitivas.^53 Essa maneira de Karl Barth perceber a centralidade da revelação como lugar donde se teologizar, faz com que o mesmo afirme a importância fundante e fundamental da Palavra de Deus em relação à teologia, ou seja, a teologia é fundada e fundamentada pela revelação. O que significa dizer que para Barth, só existe teologia, porque antes de tudo e acima de tudo, Deus se revelou. E que só por isso, a teologia tem agora onde se fundamentar e desenvolver com vida.^54 Ele afirma: O lugar no qual a teologia se acha colocada e ao qual precisa voltar dia após dia se acha bem defronte a essa palavra. A palavra de Deus é a palavra que Deus falou , fala e falará em meio aos seres humanos – quer seja ouvido, quer não o seja. É palavra de seu agir nos seres humanos, a favor dos seres humanos, com os seres humanos. Este seu agir não é mudo; é um agir que fala por sua própria natureza. Sendo que só Deus é capaz de realizar o que realiza, só ele será capaz de dizer em seu agir o que diz. (...) Deus age e, agindo fala. Sua palavra acontece. E como ele mesmo faz questão de concluir: (^51) Ibid, Idem., p. 18. (^52) Cf. Ibidem., p. 18. (^53) Cf. Idem., p. 18. (^54) Cf. Ibid., p. 19.
nenhum outro lugar, a não ser cada dia de novo na Escritura do Antigo e Novo Testamentos.^58 O que leva Barth a afirmar peremptoriamente que se a teologia não estiver focada no real assunto da revelação, ela perderá sua autoridade e relevância. Pois para o nosso teólogo o tema central da Palavra revelada não foi, não é, nem jamais será a religiosidade humana, e essa como prova de tal dimensão humana. Muito pelo contrário. O tema da teologia é antes de tudo Deus em sua revelação no horizonte da história de Israel, como testemunha o Antigo Testamento, culminando essa história, na encarnação do Verbo, tal como testemunha os documentos do Novo Testamento. Se fossemos tratar dos cinco sentidos do teólogo(a), sem dúvida para Barth deveríamos desenvolver com especial atenção a arte de ouvir. Na verdade, seria necessário aprender a ouvir com todo o ser, integralmente, sem prescindir dos outros sentidos, muito pelo contrário, integrando-os à arte de ouvir a palavra. Palavra que antes de tudo é um fenômeno sonoro. A qual ecoa no coração da pessoa aberta a ouvi-la. O Testemunho da Palavra de Deus dita de uma vez para sempre na pessoa do Verbo, Jesus Cristo, encontra-se registrada na Sagrada Escritura, lida e interpretada comunitariamente no seio da Igreja. Por uma comunidade de fé que nos precede e com a qual aprendemos a ouvir a palavra que tem o poder de criar e recriar laços e relações. Palavra que chega até nós tendo uma comunidade por detrás lhe dando contorno histórico, espaço para crescer e frutificar, regada pela fé de um povo, o povo de Deus ( ad intra ). A teologia de igual forma que se alimenta da Palavra jamais poderá se enxergar nascendo fora da communio sanctorum^59 , a parte, num espaço vazio (^58) BARTH, Karl. Dádiva e Louvor. Op., cit., p. 142. (^59) Sobre a realidade fraternal da comunhão cristã ver o belíssimo texto do teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer: Vida em comunhão. Em determinado momento do texto ele diz o seguinte sobre a importância da vida em comunidade: O ser humano é criado como carne, na carne apareceu o Filho de Deus na terra por amor a nós, na carne foi ressuscitado, na carne o crente recebe a Cristo no Sacramento, e a ressurreição dos mortos levará à comunhão perfeita das criaturas espírito- carnais de Deus. Através da presença física do irmão, o crente louva o Criador, Reconciliador e Salvador, Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Na proximidade do irmão cristão, o preso, o doente, o cristão da diáspora reconhece um gracioso sinal físico da presença do Deus Triúno. Na solidão, visitante e visitado reconhecem um no outro o Cristo presente na carne, recebem e se encontram como se com o Senhor se encontrassem – em reverencia, humildade e alegria. (...) Facilmente esquece-se que a comunhão dos irmãos cristãos é um presente gracioso procedente do Reino de Deus, que pode nos ser tirado a qualquer hora, e que talvez um prazo muito curto de tempo esteja nos separando da mais profunda solidão. BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. 6ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006, p. 11.
qualquer. Lugar teológico donde se estender seus tentáculos em direção ao mundo ( ad extra ), como queria Karl Barth. 4.2. A comunidade de fé Ao tratar de perto da necessidade da teologia se perceber como tendo seu lócus no seio da comunidade de fé, Barth quer enfatizar a importância da vida de fé comunitária como ponto de partida para a construção de uma teologia saudável, mais fontal, desenvolvida a partir de uma espiritualidade centrada na celebração da Palavra e dos Sacramentos. Para o teólogo suíço: A própria palavra é que clama para ser crida, i. e, clama para que a ouçamos, conhecendo, confiando e obedecendo. Isso, porém, significa automaticamente, já que a fé não é um fim em si mesma: a palavra clama para que ela seja transmitida ao mundo, ao qual, afinal, está endereçada. O povo chamado e despertado para a fé