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Uma análise dos eventos e rotinas em escolas públicas e privadas, com ênfase na participação dos pais. O texto descreve os desafios encontrados em uma escola pública e as iniciativas tomadas para melhorar sua aparência, além de comparar as práticas de escolas privadas. O documento também aborda a importância da comunicação entre alunos, pais e professores, e as diferenças na atuação de coordenadores pedagógicos em ambos os tipos de escolas.
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Durante o ano letivo de 2011 (de fevereiro a dezembro), estivemos presentes^17 em duas das escolas, que fizeram parte de nossa investigação, uma unidade pública municipal e uma instituição privada católica 18
. Observamos vários eventos nestas escolas: todas as reuniões de pais do nono ano previstas nos calendários escolares (de início de ano para apresentação da proposta aos pais e reuniões habituais bimestrais e trimestrais), reuniões de outras séries iniciais, algumas festividades (festas juninas, formaturas), eleições de diretores na unidade pública, reuniões da associação de pais na escola privada e outros encontros. Assim, acompanhamos algumas reuniões destinadas à apresentação das regras escolares para pais de turmas iniciais e algumas para resolução de problemas pontuais, tais como indisciplina entre alunos e problemas com professores, por exemplo. Estas observações foram feitas com o objetivo de tentar delinear em caráter exploratório, diferentes linhas de ação pedagógicas e as relações estabelecidas entre os agentes escolares, entendendo estas atividades também como espaços de formação de disposições, constituintes de habitus escolares. As rotinas, normas e valores que os alunos apresentam não podem ser investigados de forma dissociada do projeto institucional, que ilustra o clima escolar e confere uma direção ao trabalho pedagógico. Assim, é importante perceber o que atravessa os dois subsistemas (público e privado) enquanto práticas e valores que fundamentam o desenvolvimento das disposições favoráveis ao bom desempenho ( habitus ). Dadas as marcantes e reconhecidas diferenças, o que é comum nestas práticas escolares?Podemos falar em um habitus escolar típico de cada escola ou em conjuntos de disposições adquiridas em contextos familiares mais ou menos conformes às exigências escolares? Dreeben (2000) em um trabalho que analisa os “efeitos estruturais” na educação faz uma retrospectiva histórica sobre o tema na sociologia, enfatizando a importância de se considerar a organização escolar, na medida em que o impacto (^17) Todo o trabalho de campo e entrevistas foi realizado em dupla. Tal prática pôde proporcionar pôr em cheque algumas de nossas afirmações e perspectivas sobre o trabalho realizado nestas escolas e sobre a participação das famílias e alunos na construção da qualidade de ensino. (^18) Escola três e escola sete, respectivamente. O trabalho de campo nestas escolas será analisado neste capítulo.
da escolarização dos indivíduos acontece em um ambiente organizacional específico. A complexidade do que está envolvido nesta análise aparece nos problemas que o autor aponta como envolvidos neste processo: compreender o trabalho dos professores; dos agentes escolares e dos estudantes; as possibilidades e restrições advindas dos tempos, hierarquias e arranjos escolares, currículos, interesse e participação das famílias, entre tantos outros aspectos. Dreeben (2000) lembra que o foco nas influências da organização escolar que propõe, não necessariamente negligencia os efeitos de origem social na escolarização. Assim, descreve vários trabalhos que abordam a influência da origem social e do tipo de organização escolar nas aspirações individuais, desde o conceito de fato social , evocado no estudo sobre suicídios em Durkheim (1897) (e a consideração das variáveis sociais, diferenças encontradas entre católicos e protestantes, entre indivíduos com filhos e sem filhos), passando pela Columbia Tradition (do qual Merton e Lazersfeld são os maiores representantes) e os estudos baseados em análises contextuais (efeitos estruturais) da educação^19 até chegar aos estudos de Coleman e os que derivaram deste. Sobre a grande pesquisa realizada por Coleman et al^20 (1966), Dreeben ressalta o quanto no referido estudo foi levado em conta aspectos da organização escolar (em particular o clima), ainda que este não tenha sido o principal ponto ressaltado por muitos de seus leitores. A principal crítica de Dreeben ( idem , p. 128-29) é a vulnerabilidade na argumentação sobre os efeitos estruturais na educação, que por um lado pode enrijecer a estrutura e o processo social e de outro incentivar a construção de “medidas de conveniência” por meio do resultado dos grandes surveys, por exemplo. Nosso esforço em pesquisar as diferentes realidades das escolas consideradas de excelência na cidade do Rio de Janeiro veio na demanda de crítica semelhante sobre os resultados de pesquisas de desempenho e dos rankings divulgados, entendendo que as influências macroestruturais no processo educacional precisam ser analisadas no contexto dinâmico das experiências dos agentes escolares, das famílias e dos estudantes. Nossa participação na observação de algumas situações cotidianas nestas escolas e nas famílias, mesmo que em um “breve período de tempo” (Goffman, 2011) tem oferecido indícios importantes. (^19) Merton reconhecia os constrangimentos causados pelas instituições, mas evocava ‘modos de adaptação individual’ (conformismo, inovação, ritualismo, rebelião, etc.), sugerindo uma tipologia sobre a variedade dos comportamentos individuais ( apud Dreeben, 2000, p. 110-11). (^20) Equality o fEducationa lOportunity (1966).
As tabelas acima representam uma tentativa de sistematizar os produtos de nossa observação, que culminou com a produção de dados sobre as rotinas da escola, as percepções dos agentes escolares, os projetos institucionais, com informações sobre as relações pedagógicas e interpessoais. Ao longo deste subitem vamos caracterizar tais aspectos à luz das rotinas e valores ‘ensinados’ por diferentes meios e perceptíveis em alguns comportamentos e disposições que apresentaram alunos, pais, professores e outros profissionais. Todas as observações ampliam os dossiês sobre estas duas escolas, iniciados por outros integrantes do SOCED, os quais também serão utilizados nesta investigação. Ao longo deste estudo poderemos criar um ‘diálogo’ entre os produtos do survey aplicado em 2009 e os variados dados qualitativos, resultados de visitas a estas escolas durante os anos de 2010 e 2011. Alguns aspectos iniciais são importantes a fim de caracterizar o trabalho de campo. Observa-se que o número de horas foi diferente nas duas escolas, sendo menores tanto as horas de entrevista, quanto as horas de observação na unidade pública. Acreditamos que esta diferença ocorreu em parte devido à grande distância existente entre a infraestrutura destas escolas. Com isso, enfrentamos certa indisponibilidade em vista do volume de trabalho e acúmulo de funções dos profissionais da escola pública. Já apontamos tal abismo, observado em outras escolas que fizeram parte do mesmo projeto de pesquisa (Brandão, Canedo e Xavier, 2012) e que, exercem influência no trabalho pedagógico realizado. A escola pública foi fundada em 1935, mas seu prédio foi construído em 1908 , onde funcionava um pavilhão do exército, e que depois foi doado para a construção da escola. Em entrevista feita com a diretora em 2009, ela nos conta um pouco do caminho trilhado em busca da melhoria da qualidade, analisando a clientela atendida pela escola: Diretora escola pública: Essa escola já estava meio caidinha na sua estrutura [...] então nós resolvemos começar a procurar de que forma a gente podia primeiro melhorar a aparência da escola. Difícil porque aqui não é um bairro comercial. Segunda dificuldade é que isso aqui é um bairro de elite, e uma escola pública aqui não é muito... Foi difícil a gente se impor aqui [cita nome do bairro], entendeu? A [cita nome de outra escola municipal da região] era a escola que, digamos, todo mundo queria estudar [...]. Nós ficávamos com o que sobrava de alunos que vinham pra cá. Então nossa clientela era de padrão socioeconômico bem baixo mesmo, a gente não tinha rendimento muito bom, por isso. Não tinha também uma assistência muito boa e tudo que a gente começava e quisesse conseguir tinha que ser pelo nosso próprio esforço.
Nesta escola e em outras unidades da rede pública, as reuniões de pais são agendadas previamente pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro – SME e sem consultas aos diretores e professores. Tais reuniões contam com professores voluntários, que não recebiam pelo trabalho realizado nestes encontros e que tinham que lidar com algumas atividades, que podem ser consideradas da alçada do assistencialismo social, acompanhando a participação dos pais em programas como o cartão família carioca^21. Diretores, professores “que se ofereciam para ajudar” e apenas um coordenador pedagógico se revezavam na recepção e orientação aos pais de diferentes turmas do segundo segmento do ensino fundamental e no trabalho diário com cerca de oitocentos alunos, divididos nos turnos da manhã e tarde. Esta estrutura, aliada ao número reduzido de pessoal, influenciaram a quantidade de reuniões e encontros com pais ao longo do ano. Os atendimentos individuais às famílias e alunos, apesar de rotineiros, apresentaram sempre um caráter de improviso, ocorrendo muitas vezes nos corredores da escola e na sala de professores (que funcionava em um espaço aberto, anexo à entrada). Veremos que apesar destas características, pais e alunos da instituição pública elogiavam a interação com a diretora e coordenador pedagógico. Na escola privada, observamos reuniões mais longas e que contavam com o apoio de diferentes profissionais (professores, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, psicólogos, inspetores e porteiros). Do mesmo modo como ocorreu na escola pública, estas reuniões aconteceram aos sábados, com a finalidade de obter a maior participação dos pais. Um encontro particular desta escola é uma reunião para os pais conhecerem o trabalho dos professores. Cada professor do nono ano apresentou sua proposta de curso, estilo de aula e avaliação, discutindo posteriormente as dificuldades de cada aluno com os pais, que pegavam ‘senhas’ para conversar em privacidade com cada professor. Nas reuniões e encontros pudemos observar a forma como a escola se apresentava às famílias, expondo preceitos filosóficos, política e objetivos. A apresentação dos projetos institucionais em cada escola também ofereceu alguns (^21) O Cartão Família Carioca é um programa que oferece uma renda mensal complementar às famílias cadastradas no programa Bolsa Família do Governo Federal. O valor do benefício varia de acordo com a renda e o número de pessoas de cada família. O programa também poderá pagar benefício adicional no valor de cinquenta reais em cada bimestre, conforme o desempenho escolar das crianças e adolescentes. Para não perder o benefício, as famílias precisam garantir que os alunos tenham 90% de presença em cada bimestre e comparecer a todas as reuniões de pais (Fonte: http://www.rio.rj.gov.br).
prevaleceu nas recomendações foi a postura da escola em não admitir que os alunos frequentassem as aulas com o uniforme incorreto. As orientações para as meninas a respeito do uniforme ocorreram em tom mais severo. As bermudas e shorts muito curtos parecem um problema na rotina escolar. A diretora comentou o que acontecia quando as alunas subiam as escadas com trajes muito curtos, dizendo que “os meninos agradeciam a visão”. Outros comentários a respeito do vestuário das meninas nos pareceram ‘mais duros’, além das roupas curtas, as reclamações giraram em torno da forma das meninas se apresentavam, vindo de chinelos para mostrarem “as unhas feitas no final de semana”. Segundo a diretora, os alunos usavam uma série de desculpas para “burlarem” o uniforme. Entre as desculpas mais comuns, constavam que as roupas estavam lavando ou que os dedos foram machucados na manicure. O respeito ao patrimônio da escola também foi ressaltado, com comentários sobre danos causados aos ventiladores e computadores principalmente. A diretora pediu aos pais que ajudassem na disciplina dos adolescentes. A reclamação principal foi de que os alunos danificavam ventiladores, jogando objetos e brincando com os mesmos. Neste momento um dos pais fala a respeito da instalação de ar condicionado, que vinha acontecendo em algumas escolas públicas. A diretora respondeu que não tem ideia de quando esse benefício chegaria à escola e que, por isso mesmo, pedia aos pais que incentivassem os filhos na preservação do patrimônio da escola. As outras manifestações das famílias giraram em torno de preocupações práticas: a nova computação da presença através do Rio Card, por exemplo, o material escolar que receberiam e outras questões afins. Mais tarde, nas reuniões bimestrais vimos que alguns pais tinham uma postura ativa no acompanhamento do trabalho dos professores, interferindo concretamente em aspectos do ensino^23. No que se refere ao ensino, a diretora (sempre como principal condutora da reunião) relacionou os alunos aprovados nas boas escolas públicas de ensino médio (CAP UFRJ, CEFET, Pedro II e outras escolas privadas). Para o Pedro II, a escola havia encaminhado no ano de 2010, trinta e um estudantes do nono ano e seis estudantes do sexto ano do ensino fundamental. A diretora apresentou estas aprovações aos pais como “os frutos da escola”, dizendo que se os alunos se (^23) No próximo capítulo analisaremos outras formas de participação dos pais e sua relação com as rotinas e disposições dos alunos.
dedicassem, a escola poderia ajudar. Algumas explicações são dadas a respeito da forma de avaliar implementada na escola, que era feita por conceitos (excelente; muito bom; bom; regular e insuficiente) e não por notas. A diretora completa dizendo que “R” (regular) é considerado um conceito insuficiente naquela escola e se direciona aos alunos presentes para que se dedicassem nos dois primeiros trimestres, a fim de “não acumularem matéria”, garantindo, tão logo, pelo menos cinquenta por cento da media anual. A diretora da escola pública é uma líder, que mescla autoridade e afeto nas relações com os agentes escolares. Percebemos na forma como a escola se apresentou no início do ano letivo, o reconhecimento da sociabilidade juvenil sem perda do tom disciplinador com pais e alunos. Ao final dessa reunião e em muitos momentos ao longo do ano presenciamos pais elogiando a postura da direção e agradecendo pelo “encaminhamento dos filhos” e as diferentes formas de ajuda recebidas. Na relação da direção com os alunos, presenciamos interações amistosas, marcadas pelo conhecimento da linguagem e interesses dos jovens. Vimos também que atitudes de recusa de autoridade por parte dos adolescentes eram severamente repreendidas. Outra característica marcante observada na relação com as famílias e os jovens é uma perspectiva de valorização do aluno da escola pública. Muitas vezes, ouvimos a diretora dizer que “os alunos não são coitadinhos”, sugerindo aos pais e professores que os meninos e meninas não deveriam nunca ser tratados como carentes ou incapazes. Em uma reunião com objetivo semelhante na escola privada, também identificamos a presença de um líder influente, representado pelo diretor geral, que é Padre. Em uma primeira conversa com uma das coordenadoras pedagógicas^24 (em 09/02/2011), ouvimos algumas impressões sobre os “meninos maiores”, que estando “voltados demais para a sociabilidade” tinham muitas dificuldades em lidar com a rotina e com as normas, chegavam atrasados e muitas vezes não faziam o deveres de casa. Neste momento, a coordenadora comparou os alunos do nono ano com os menores, afirmando que os pequenos lidavam melhor com a rotina escolar. Ela não adjetivou desta forma, mas expressou em diferentes momentos o quanto considerava os pequenos como mais dóceis. (^24) Uma senhora que já trabalhava há muitos anos nesta escola e que ocupava uma função de chefia, uma espécie de coordenação geral de ensino.
sugere que estes aspectos são instintivos entre meninos e meninas, que precisam ser educados pelos mais velhos, na perspectiva dos valores e da ética: “Nossos alunos devem estar em condição de ajudar os outros, diz ele: devem ser mais para ajudarem as pessoas”, diz. E argumentou com os pais e mães presentes: “Os meninos e meninas estão falando cada vez mais alto. E por que falam alto?” Ele mesmo responde: “Porque os pais não escutam, porque a televisão está muito alta e chega a aumentar sozinha durante os comerciais para que continuemos a ouvir de qualquer lugar da casa.” Ele conclui dizendo que “o aluno deve ser capaz de modificar seu comportamento pelos outros.” Esta perspectiva é presente na forma como o diretor exige o cumprimento de regras escolares, especialmente quando seu referiu ao horário de entrada e uso do uniforme. Na prática, os alunos que chegam atrasados podem entrar na escola, não importando se se trata do primeiro ou último tempo de aula. Segundo o diretor, a mensagem que a escola deve passar para os alunos é a de “estar sempre de portar abertas”, tendo em vista que outros ambientes (nem sempre saudáveis!) podem recebê-los neste mesmo horário. Do mesmo modo, o aluno que porta o uniforme incorreto não tem a entrada impedida. Em conversas que tivemos com a coordenadora geral foram reiterados tais preceitos, alguns estando assumidamente em contradição com a expectativa de muitas famílias. A maior parte dos comentários relativos a estes aspectos estava relacionada aos pais e alunos do nono ano. Pareceu-nos que os pais tem exigido uma postura mais rígida da escola em relação à disciplina, ao cumprimento de horários, uso correto do uniforme, entre outros assuntos. A coordenadora deixou claro que a escola pretende manter “uma linha de trabalho mais voltada para a conscientização do que para a punição.” A opinião que alguns pais expressam nas reuniões é que os alunos que chegam sempre atrasados devem voltar para casa, servindo de exemplo para outros não repetirem esta conduta. Na escola privada, a dificuldade em respeitar o uniforme entre os alunos do nono ano também é comum. Para a coordenadora isto é um problema, principalmente no que se refere às alunas, que usam shorts muito curtos, o que muitas vezes causa burburinho entre os meninos, assim como observamos na escola pública. A escola pediu aos pais uma postura de controle do que os filhos vestiam, por sua vez, as famílias pediram que a escola atuasse de forma mais rígida, punindo aqueles que não portassem o uniforme apropriado. Esta questão se configurou como um verdadeiro embate que parecia prejudicar a rotina escolar. Uma opinião desta
representante da escola é que eram “os pais que compravam estas roupas junto com os filhos”, devendo ser os mesmos a aconselharem o uso de um vestuário mais condizente ao ambiente escolar. O diretor finalizou a reunião de início de ano pontuando aos pais os principais problemas que a escola tem enfrentado nos últimos anos, pedindo a colaboração das famílias. Sobre o dever de casa, disse que os alunos teriam poucas tarefas nas séries iniciais e pediu às famílias que auxiliassem os filhos a terem um espaço de trabalho reservado e que ajudassem nesta rotina: “Se isso não funcionar logo no início, a batalha estará perdida”, disse. Sobre o horário de chegada, o diretor pediu aos pais que fizessem os filhos chegar um pouco antes e que a pontualidade e assiduidade dos alunos são concebidas em uma perspectiva de “valorização da presença”: todos os alunos fazem falta e sempre serão lembrados. Em relação a outros valores apresentados na reunião, houve uma discussão interessante sobre os jogos e a prática de esportes na escola. O diretor criticou o comportamento dos pais, que estimulavam demasiadamente a competição entre os meninos e meninas: “Não estou preocupado com a competição, mas com a competência”, enfatizava. Ele comparou a diferença positiva no comportamento esportivo dos alunos desta escola quando em competição com alunos de outras instituições privadas de ensino da cidade. Os principais problemas da rotina escolar foram referenciados por quatro valores: Respeito ao Outro ; Valorização da Presença , Construção do Conhecimento (usado para associar o momento das tarefas de casa) e Competência. Para atingir esta proposta de formação ele disse ser necessária a participação dos pais. “Os alunos não são mercadoria, e eu não sou um mercador” foi a frase que sintetizou sua perspectiva de educação em resposta a uma crítica sobre uma relação comercial que pode se estabelecer nas escolas privadas. O diretor pediu, ainda, que os pais fizessem um esforço para acordarem seus filhos pela manhã, que tomassem o café com eles e olhassem suas mochilas. Ele enfatizou o peso de livros e cadernos que muitos alunos carregam e informou que a escola possui armários e que estes podem ser alugados a preço simbólico. Ao final da reunião, os pais receberam um documento de quatro páginas para fazerem um relatório biográfico dos filhos. Junto a este documento, pedia-se para serem anexados exames de acuidade visual e auditiva (com validade de um ano). Os
de qualidade nestas escolas não concebem esta excelência enquanto aspecto instrutivo exclusivamente, mas também em outras circunstâncias que atuam na sua potencialização: capacidade crítica, reflexão e participação dos jovens e de suas famílias. Os critérios de seleção e enturmação do nono ano eram diferentes nas duas escolas. Nos quadros 25 e 26 podemos visualizar o número de alunos inscritos em cada ano na escola pública e na escola privada^25. A escola pública contava com cerca de oitocentos alunos em meados de 2011 e a escola privada tinha em torno de 1540 alunos. A enturmação na escola pública era feita por faixa etária e, segundo a diretora, os grupos de alunos atrasados costumam ser diluídos entre as turmas, para garantir a diversidade na composição social das turmas. Sobre este aspecto há intenção explícita da direção em colaborar com o trabalho dos professores. Os alunos na escola privada estavam divididos em quatro turmas por série/ano. No Ensino Médio, a alocação costuma mudar um pouco, sendo quatro turmas de primeiro ano, três de segundo e três de terceiro ano. Muitas séries existiam apenas em um dos turnos, em um esquema no qual a primeira funciona na parte da manhã, a segunda série no período da tarde e assim por diante. No nono ano, todos os alunos costumam passar para o turno da manhã a fim de conviverem com os alunos do ensino médio. Quando questionamos esta forma de organização, uma das coordenadoras nos comunicou que tinham adotado esta divisão devido à falta de espaço físico na escola. O prédio, apesar de não ser muito pequeno, comporta poucas salas de aula. Perguntamos se isto causava incômodo para as famílias e se os alunos reclamavam, e nos foi informado que este assunto era algo bem resolvido na escola e que esta era a melhor forma de oferecer conforto aos alunos. (^25) Números coletados em agosto de 2011.
Quadro 25: Alunos matriculados na escola pública três Quadro 26: Alunos matriculados na escola privada sete ESCOLA PÚBLICA TRÊS Séries do Ensino Fundamental Número de turmas Número de alunos 1º ano 2 57 2º ano 2 54 3º ano 2 59 4º ano 2 65 5º ano 2 67 6º ano 3 105 7º ano 4 129 8º ano 3 92 9º ano 3 93 Aceleração (9º ano) 1 36 TOTAL 23 757 ESCOLA PRIVADA SETE Segmentos da Educação Básica Número de alunos Ensino Fundamental (1º ao 8º ano) 910 Turmas de 9º ano 901 35 902 34 903 32 904 34 Ensino Médio 365 EJA 134 TOTAL 1544 Fonte: Elaboração própria. No survey de 2009, verificamos que a maior parte dos alunos matriculados no nono ano possuía uma trajetória longa na escola^26 (Quadros 27 e 28). No entanto, identificamos também que o ingresso de alunos novos no nono ano era 14,3% maior em comparação ao conjunto de escolas públicas pesquisadas. Este movimento de ingresso pode ser sustentado pela fala do coordenador pedagógico, quando disse que: “O nono ano tem safras” e que por conta disso, muitos problemas apareciam. Na visão do coordenador, a fama de boa qualidade no ensino traria para a escola pública muitos alunos com dificuldades: Coordenador Pedagógico: É assim, a gente tem uma realidade aqui, que a escola vive de uma fama que foi construída ao longo de anos e tal, e a clientela mudou bastante. Muito. Para o coordenador, a fama de qualidade é “sustentada por um grupo reduzido de alunos interessados” e que coexistem três níveis de alunos na escola: “Aluno interessado, o aluno desinteressado e o aluno regular”. Muitos estudantes não apresentavam altos interesses nos estudos, bem como suas famílias que tinham escassa participação ou se ausentavam totalmente, segundo muitos profissionais da (^26) Nas tabelas, quando mencionamos “rede pública” ou “rede privada” nos referimos ao conjunto de escolas pesquisadas.
infantil do bairro e arredores. Através das entrevistas, identificamos que algumas famílias reconheciam a qualidade da escola e tinham planos para que os filhos estudassem ali desde o início da escolarização. Nas escolas privadas o ingresso de alunos no nono ano é menor (Quadro 28 ). O segmento do ensino de jovens e adultos era oferecido e mantido gratuitamente pela escola privada sete. Como nas outras escolas deste setor, os alunos apresentaram uma trajetória longa na mesma instituição, chamando atenção a entrada maior de alunos no sexto ano. A escola privada não possui educação infantil, mantem um convênio formal com dez instituições de ensino da região^27 e costuma receber muitos alunos ao término desta etapa de ensino, bem como no fim do primeiro segmento do ensino fundamental. Em vista disso, não há prova escrita para os alunos que irão iniciar no primeiro ano. Segundo a coordenadora acadêmica, a escola assume “uma perspectiva de não seleção”. Os alunos das escolas conveniadas costumam passam um dia de convívio^28 na instituição: participam de algumas atividades, assistem a aulas com os outros alunos e conhecem todas as dependências da escola. O procedimento para a matrícula destes alunos é uma entrevista com os pais e uma análise da trajetória escolar (histórico escolar). Alguns alunos são recusados no início, geralmente por em razão do “amadurecimento”, segundo a coordenadora de ensino. As matrículas são feitas por ordem de inscrição no primeiro e segundo anos. A seleção nas demais séries é feita por prova, dinâmica de grupo e entrevista com os pais. Ainda que o aluno não obtenha êxito nesta prova, nas palavras da coordenadora, “o contexto é levado em consideração”. Ainda assim, há recusa de alunos que tenham um potencial de “inadaptação” à rotina da escola, no entanto, destaca-se que isto é uma “situação rara”. A coordenadora nos contou, ainda, uma situação interessante a respeito do encaminhamento de alunos que tinham apresentado problemas em outras escolas. Psicólogos e outros profissionais costumam recomendar esta escola privada como boa opção para esses alunos. A escola, então, vem adquirindo uma fama de conseguir “contornar casos difíceis”.Critérios de seleção como os descritos, já nos levaram a sugerir em outros trabalhos que estas escolas selecionam seus alunos de forma mais ou (^27) Trata-se de escolas de bairros próximos na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, Cosme Velho, Laranjeiras, Botafogo. (^28) Há também um dia de convívio previsto no calendário, considerado tradicional e com a finalidade de que todos conheçam a escola.
menos arbitrária, configurando uma espécie de “jogo concorrencial” entre os estabelecimentos privados de ensino na cidade do Rio de Janeiro (Waldhelm, 2009 e Felipe, 2010). A carga horária semanal observada apresentou diferença entre as escolas pesquisadas. Na escola pública os alunos entram às 07h00min e saem às 11h50min. Na escola privada, os alunos do nono ano entram às 7h30min e saem 12h30min. Nas duas escolas as aulas são de quarenta e cinco minutos e o intervalo de recreio dura vinte minutos. Esquematizamos (Quadros 29 e 30) exemplos de horários semanais de algumas turmas de nono ano na escola pública e na escola privada. Na escola privada, as disciplinas apresentam mais subdivisões (português/literatura/redação) e com isso, os alunos convivem com maior número de professores, que podem dedicar-se exclusivamente a cada abordagem. Acrescido a isso, podemos destacar a dinâmica da educação física na escola pública, que por não possuir pátio, oferece aulas aos alunos em espaços do bairro (campos de universidades próximas e praças). Estas duas aulas são considerados ‘tempos vagos’ na grade horária. Por este motivo a frequência às aulas tornou-se não obrigatória para os alunos e muitos deles entregavam atividades escritas para obterem nota nesta disciplina. Ao considerar tais aspectos e observando as rotinas ficou evidente que os alunos da escola privada tinham aulas a mais por semana em comparação aos alunos da escola pública. Quadro 29: Exemplo de carga horária semanal na escola pública Disciplinas Tempos de aula Geografia 3 História 3 Ciências 3 Matemática 5 Português 4 Artes 2 Inglês/Espanhol 2 Educação Física 2 TOTAL 24 Fonte: Elaboração própria.
A hipótese que se instaura é a de que estas perspectivas na escola ajudam a delinear o habitus dos estudantes, pois representam as práticas valorizadas e os limites eleitos para as rotinas escolares. Tudo isso marca a forma como os estudantes experimentam a escolarização, que tanto exerce influências sobre outras esferas da vida social, profissionalização, casamentos, participação política, etc. 4. A coordenação pedagógica nas escolas de qualidade A estrutura institucional e hierarquia profissional em cada escola investigada guardam semelhanças comuns a maior parte das instituições de ensino fundamental. Algumas discrepâncias, entretanto, são notáveis, como em relação às equipes pedagógicas disponíveis, por exemplo. Na escola privada é notável a presença de inspetores e inúmeros coordenadores pedagógicos (todos são pedagogos ou psicólogos), o que acarreta em uma divisão demarcada de atribuições, com influência na vida dos estudantes, professores e famílias. Na escola pública havia um diretor geral, um diretor adjunto e um coordenador pedagógico^29 (sem formação específica) para toda a escola e um pessoal de apoio, composto por um agente administrativo e um agente educador. Existiam dois professores readaptados por problemas de saúde (que não podem dar aula) e que ajudavam na parte administrativa, bem como merendeiras e familiares voluntários, que tomavam conta da entrada e saída dos alunos, cuidavam das cadernetas escolares e de serviços afins. Na escola privada existe, um diretor geral, um diretor financeiro, uma coordenadora acadêmica (espécie de coordenação geral), e outros profissionais que trabalham em diferentes tipos de coordenação. Existem coordenadores por série, coordenadores de disciplina (inspetores) e coordenadores por disciplina, somente em Língua Portuguesa e Educação Física e um serviço de orientação educacional. Fomos informadas que antes havia coordenadores de cada disciplina do currículo, tendo este esquema mudado há algum tempo. (^29) Quando iniciamos o trabalho de campo na escola pública não havia coordenador pedagógico trabalhando na escola, mas um professor de espanhol que atuava intensamente auxiliando a direção. Mais tarde, este mesmo professor assumiu a função de coordenador pedagógico, tendo desistido do cargo antes do término do ano letivo.
Apesar das diferenças tão marcantes na atuação destes profissionais, nosso objetivo não é o da simples confrontação do público-privado, mas perceber a forma como estes agentes, concebidos como indivíduos que possuem uma visão integral das rotinas e valores ensinados, exercem influências nas disposições dos alunos. Nesta seção, analisaremos as impressões dos agentes escolares, especialmente dos coordenadores pedagógicos. Durante as entrevistas percebemos que as direções e coordenações das escolas (pública e privada) estão propensas a um movimento de conhecer a vida social do aluno para além do contexto escolar: na unidade particular observamos iniciativas para investigar o uso do tempo fora da escola, com atividades diversas (preenchimento de fichas e dinâmicas de grupo) a fim de conhecerem mais sobre as rotinas dos alunos e as maneiras como gerenciam o estudo em casa. Na escola pública este movimento também foi notado, no entanto, as conversas informais deram o tom desta propensão para conhecer o universo dos meninos e meninas. Observamos diretores e coordenador pedagógico conversando com alunos pelos corredores, ligando para as famílias e interagindo com os pais em horários de entrada e saída. Outras ações indiretas e pontuais, como fazer perguntas a alunos sobre colegas faltosos, foram observadas. Dadas as dificuldades infraestruturais, pudemos observar algumas iniciativas do coordenador pedagógico na escola pública, como a elaboração de um programa de tutoria, envolvendo alunos do oitavo e nono anos para darem aulas de reforço aos alunos mais novos, dinâmicas de grupo, conversas com os alunos durante os períodos vagos e atendimento aos pais. Em conversa com os alunos do nono ano, estes descreviam como achavam interessante esta atividade de monitoria, dizendo que aprendiam enquanto ensinavam e que acabavam por reforçar conteúdos básicos importantes de anos anteriores, os quais “cairiam nas provas” de seleção para os colégios federais e privados de ensino médio. A relação com a coordenação pedagógica é evocada nos depoimentos dos alunos de forma diferente, levando-nos à percepção de uma relação mais próxima na escola pública. Na escola privada percebemos uma atuação diluída com a coordenação pedagógica do nono ano, mas uma proximidade com a orientadora educacional em conversas nos corredores e em iniciativas dos alunos para consultas e conselhos.