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Guias e Dicas
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Pesquisa sobre brinquedos artesanais no Brasil, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Este documento relata uma pesquisa sobre brinquedos artesanais no brasil, sua produção, materiais utilizados, distribuição por sexo e região, e sua relação com a cultura e a infância. A pesquisa envolveu a coleta de brinquedos, contatos com artesãos e especialistas, e a análise de catálogos e textos sobre o tema. Os resultados mostram que a produção artesanal de brinquedos está voltada principalmente para as representações do cotidiano, e que a grande maioria dos brinquedos é de cunho representativo, sem marcação rígida de regras.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Tapioca_1 🇧🇷

4.6

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3 Panorama do brinquedo popular no Brasil
3.1. Introdução
Quem não conhece a bola de meia, mané-gostoso, ônibus de lata, caminhão
de madeira, bruxinha de pano, pião? São ícones das brincadeiras do universo
infantil, muitas vezes identificado ao passado e à cultura das cidades do interior.
No Brasil, esses brinquedos nunca deixaram de ser fabricados, principalmente nas
regiões onde há produção artesanal, em Estados onde o artesanato é meio de
subsistência da
população. É grande
a variedade desses
brinquedos, e todos
são encontrados nas
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prima utilizada e a
diversidade de
brinquedos
dependem da criatividade do artesão. Carrinhos, por exemplo, podem ser
confeccionados em lata, madeira ou até a partir de tubos de PVC. Os brinquedos
populares variam de região para região, e estão sujeitos a constantes renovações,
incorporando às técnicas e saberes herdados de gerações passadas, novos
materiais, estratégias e temáticas. O brinquedo, nesse caso, relaciona o passado e
o presente.
Com o advento da industrialização, o brinquedo sofreu grandes
modificações tecnológicas. Diminuiu a demanda artesanal, e a sociedade passou a
consumir os brinquedos industrializados, com novas formas e roupagens que
fugiram da realidade social das crianças das classes média e baixa. Mas, apesar de
todas as circunstâncias desfavoráveis, o brinquedo artesanal continua mantendo
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3 Panorama do brinquedo popular no Brasil

3.1. Introdução

Quem não conhece a bola de meia, mané-gostoso, ônibus de lata, caminhão de madeira, bruxinha de pano, pião? São ícones das brincadeiras do universo infantil, muitas vezes identificado ao passado e à cultura das cidades do interior. No Brasil, esses brinquedos nunca deixaram de ser fabricados, principalmente nas regiões onde há produção artesanal, em Estados onde o artesanato é meio de subsistência da população. É grande a variedade desses brinquedos, e todos são encontrados nas feiras livres, mercados, mercearias e museus. A matéria- prima utilizada e a diversidade de brinquedos dependem da criatividade do artesão. Carrinhos, por exemplo, podem ser confeccionados em lata, madeira ou até a partir de tubos de PVC. Os brinquedos populares variam de região para região, e estão sujeitos a constantes renovações, incorporando às técnicas e saberes herdados de gerações passadas, novos materiais, estratégias e temáticas. O brinquedo, nesse caso, relaciona o passado e o presente. Com o advento da industrialização, o brinquedo sofreu grandes modificações tecnológicas. Diminuiu a demanda artesanal, e a sociedade passou a consumir os brinquedos industrializados, com novas formas e roupagens que fugiram da realidade social das crianças das classes média e baixa. Mas, apesar de todas as circunstâncias desfavoráveis, o brinquedo artesanal continua mantendo

sua identidade cultural, atraindo as crianças de todas as gerações e classes sociais, ricas e pobres. Neste capítulo, será feita uma abordagem da configuração do brinquedo popular artesanal no Brasil, a partir das fontes extraídas na bibliografia disponível (abrangendo áreas de estudo como antropologia, história e arqueologia) e também dos resultados das pesquisas e estudos já realizados por instituições que se dedicam a investigar a cultura popular, mais especificamente o artesanato de brinquedos no Brasil. Na segunda parte deste capítulo será apresentada uma pesquisa de campo realizada em 2003, na Escola Estadual de Ensino Supletivo Dr. Cócio Barcellos, onde leciono a disciplina de artes plásticas, envolvendo aproximadamente 120 alunos, estudantes adultos do ciclo noturno da quinta, sexta e oitava séries do ensino fundamental. Teve como meta conhecer, na prática, as técnicas de fazer os brinquedos populares por meio da memória de infância de trabalhadores brasileiros migrantes, vindos de diversas partes do País. Foi assim, por meio da lembrança e da prática de fazer brinquedos, que diversas técnicas vieram à tona, como a de fazer caminhão de flandres, bola de meia, boneca de pano... O desenvolvimento deste trabalho esteve ancorado na leitura de textos de diversos autores que tratam da memória, identidade e fluxo criativo associados à prática de uma oficina de construção de brinquedos realizada junto com os alunos da escola durante o mesmo período. Esse projeto resultou na preparação de uma monografia para o curso “Tempo e História: Memória, Identidades e Escritas Autobiográficas”, do Departamento de Pós-graduação em História, ministrado pela professora Margarida de Souza Neves, além da gravação de um DVD intitulado “Brinquedo

  • Memória Popular”.

3.2. O brinquedo popular artesanal brasileiro

A constituição e a consolidação de técnicas artesanais no Brasil são o resultado de transculturações entre índios, negros e brancos ocorridas ao longo de quatro séculos. A partir do século XIX, a imigração européia trouxe também para a cultura nacional novas influências, como a dos italianos, alemães, poloneses, que, junto aos outros grupos étnicos de japoneses, sírios e libaneses, incorporaram ao cotidiano muitas práticas culturais que se refletiram em inúmeros e diferentes

caçador.Entre algumas tribos, as mães faziam para seus filhos brinquedos de barro cozido, representando figuras de animais e de gente, estas ‘predominantemente do sexo feminino’” , nota o etnólogo Erland Nordenskiold, em estudos entre tribos do norte do Brasil. O que parece, entretanto, é que essas figuras de gente e de animais não são simples brinquedos, mas elementos de religiosidade. Koch-Grunberg (1979, p. 135) afirma que as meninas de tribos de Roraima não possuem bonecas com formas humanas. Quando o pesquisador oferece uma boneca de louça, as crianças indígenas chamam-na de Tupana, ou seja, “santo”, e utilizam-na como instrumento de adoração, cantando canções sacras que aprendem com os missionários. A tradição indígena das bonecas de barro não se transfere à cultura brasileira. Prevalece a boneca de pano, talvez de origem africana. (Kishimoto, 2002, p. 60) Um dos aspectos da tradição indígena que ficaram no brasileiro foi o gosto pelos jogos e brinquedos imitando animais. Diz Freyre (1963, p. 14) que o próprio jogo do bicho, tão popular no Brasil, tem suas origens neste resíduo animista e totêmico da cultura indígena, reforçado, posteriormente, pela africana.

O gosto da criança por brinquedos de figuras de animais é ainda de traço característico da cultura brasileira. A prática de utilizar aves domésticas como bonecos, bem como o uso do bodoque e do alçapão para pegar passarinhos e depois criá-los são tradições que permanecem na infância brasileira. (Freyre, 1963, p. 14)

Muitos brinquedos indígenas são usados por todas as crianças brasileiras até hoje, como a cama de gato, feita com um fio da palmeira do buriti para formar figuras ligadas à cultura deles, como morcegos, gaivotas, peixes, cobras, entre outros. Também o pião, que hoje é produzido em larga escala em madeira ou alumínio, é confeccionado nas tribos com frutos rígidos e ocos, nos quais se coloca um furo em um pequeno pedaço de pau fixado com cera negra, soltando o pião sobre uma cesta plana onde rodopia, produzindo um som seco. A peteca, para a maioria dos autores, tem suas origens nas tribos brasileiras, sendo confeccionada com uma base de palha ou couro recheada com areia ou folhas de algodão, e na qual são enfiadas penas de vês. Sua origem é também atribuída a à China, Japão e Coréia de 2 mil anos atrás.

A perna de pau, também muito conhecida, é feita entre os indígenas em casca de embira, onde são fixados dois pedaços de madeira para apoio dos pés. A bola de látex, que aos europeus pareceu, a princípio, feita de uma madeira leve, é usada em um jogo de cabeçadas, rebatida com as costas e, às vezes, com as pessoas deitadas de bruços.Também as miniaturas de canoas, que são vendidas hoje como souvenir em lojas de artesanato (ver neste mesmo capítulo “Barcos de Mamanguá”), são confeccionadas pelas crianças utilizando uma só casca. Nelas, sempre junto dos adultos, elas pescam, muitas vezes apanhando com as mãos os peixes à vista, ou usando seus pequenos remos ou flechinhas. Em relação à influência da cultura africana, Tizuko M. Kishimoto indica a dificuldade de especificar a contribuição detalhada de cada elemento étnico no folclore brasileiro, “uma vez que os negros primitivos misturaram-se ao cotidiano do período colonial, nos engenhos, nas plantações, nas minas, nos trabalhos das cidades do litoral, dificultando a separação do que é específico da população africana e suas adaptações” (Kishimoto, 2002, p. 26-27). As observações do folclorista Câmara Cascudo, no livro Superstições e costumes (1958, p. 50-57), coincidem com as de Kishimoto, quando ele afirma que os jogos e brinquedos africanos são difíceis de detectar pelo desconhecimento dos brinquedos dos negros anteriores ao século XIX. Câmara Cascudo questiona se as crianças africanas do século XVI, que chegaram ao Brasil juntamente com as suas mães escravizadas, tiveram ambiente para repetir as brincadeiras do continente africano, ou se aceitaram e adotaram as locais, vividas por outros meninos. Para o folclorista, a criança africana aceitava depressa a ludicidade que o ambiente lhe permitia. Servia-se do material mais próximo e brincava, talvez conservando a técnica africana ou adotando a local. Câmara Cascudo foi um dos primeiros pesquisadores a estudar o brinquedo como relevante objeto da nossa cultura material. Para citar um exemplo de um dos brinquedos pesquisados por Cascudo, que é resultado da influência africana, temos a espingarda de talo de bananeira. Para confeccioná-la, basta fazer uma série de incisões no talo da bananeira, deixando os fragmentos presos pela base. Ao levantar todos esses pedaços, seguros por uma haste, e ao passar a mão ao longo da haste, fazendo-os cair, eles soltam um ruído seco e uníssono, simulando o tiro da espingarda. Segundo Gilberto Freyre e Machado de Assis, um hábito bastante comum nas casas-grandes era o de colocar à disposição do sinhozinho um

brasileiras de jogar bola de gude chegou até aqui trazida pelos portugueses por vias bem interessantes:

Em Vitória, Espírito Santo, Renato José Costa (1950) identifica o personagem papão, em jogo de bolinha de gude. O jogo de papão consiste em fazer três buracos no chão, formando um triângulo de uns três metros de lado. O jogador que conseguir dar as três voltas será o papão, dispondo de poderes para matar seus adversários e tendo a vantagem de possuir ainda todas as imunidades. O folclore de bolinhas de gude, criando uma variante que recebe a denominação da figura temida, do poderoso papão, comedor de criancinhas, capaz de matar todos apenas com um toque. ( Jogos infantis , p. 22)

Foi principalmente por meio de lendas das cucas, bichos-papões e bruxas, divulgadas pelas avós portuguesas aos netinhos e pelas escravas, amas de sinhozinhos, que a maioria dos jogos e brinquedos chegou até nós. Muitos deles, até hoje, acompanham a infância brasileira.

3.2.1. Pesquisa realizada pelo Sesc (Serviço Social do Comércio) sobre brinquedos artesanais

O brinquedo popular artesanal apresenta caráter local e tem profunda ligação com as questões de identidade, tanto do indivíduo quanto do grupo social, tendo suas raízes no campo.

A produção artesanal de brinquedos sempre terá um lugar importante em qualquer sociedade, pois é concebida e realizada na sua totalidade por homens, num ritmo humano, como produto da habilidade manual, da fantasia e da capacidade criadora de cada um. Na sociedade em que vivemos há desde o brinquedo feito pelo artesão profissional altamente qualificado, com a marca peculiar do gênio criativo, até aqueles conhecidos brinquedos, também chamados “artesanais”, porém produzidos em verdadeira escala semi-industrial. No primeiro caso situam-se os verdadeiros artistas, que fazem do seu trabalho um modo de sustento e um meio de expressão cultural. No segundo caso, está aquilo que poderia ser designado como industrianato, ou seja, uma produção manufaturada de brinquedos, dominada pela uniformidade (cores e modelos), pela repetição (produção organizada fundamentalmente para atender a uma demanda de mercado). A maior parte, todavia, dos brinquedos artesanais não provém da aquisição. Ou é adulto que se dedica por lazer à confecção de brinquedos com e para seus familiares, ou a própria pessoa que usa o brinquedo é quem o faz. (Paulo Salles Oliveira. O que é o brinquedo , p. 14-15)

Partindo da idéia de que as migrações internas no sentido campo–cidade, principalmente na direção Centro–Sul, trouxeram problemas, entre eles o rompimento por vezes drástico com todas as manifestações tipicamente rurais, o brinquedo artesanal, que é principalmente fabricado nas cidades do interior do Brasil, tem sido alvo de crescente desvalorização. Apesar disso, ainda existem brinquedos artesanalmente construídos

de indiscutível riqueza expressiva, quer em função de sua concepção estética quer em função de seu significado no contexto sócio-cultural em que é produzido. Vale lembrar, igualmente, que essa produção artesanal não é exclusiva de regiões tradicionais; além de existir no mundo rural, ela se processa também em núcleos industrializados e urbanizados como é o caso da Grande São Paulo. (In: Brinquedos tradicionais brasileiros. Sesc, p. 62)

Em 1983, o Sesc (Serviço Social do Comércio) realizou uma pesquisa nacional que teve como foco saber quem eram as pessoas que faziam brinquedos, por que se dedicavam a tais atividades, se eram práticas de lazer ou ditadas pela imposição profissional, que tipo de brinquedos produziam, de que modo, com que nível de criatividade. As reflexões que resultaram dessa pesquisa, tanto sobre o brinquedo quanto sobre quem o faz, se basearam em informes prestados pelos artesãos, e foi “sob sua ótica que foi conduzida a pesquisa”.

Esta pesquisa sobre brinquedo permitiu, além de pesquisar, de adquirir brinquedos artesanais, captar, nesse tipo de atividade manual, a construção de brinquedos, sua peculiaridade cultural, seus autores e seus produtos. ( Brinquedos tradicionais brasileiros , p. 62)

Realizada há mais de 20 anos, essa pesquisa representou um passo pioneiro para qualquer trabalho do gênero. Embora antiga, ainda representa uma contribuição única. Contudo, seus resultados e sua própria metodologia de investigação em que compara o brinquedo artesanal produzido na Grande São

d) adquirir, sempre que possível, os brinquedos mais significativos; e) providenciar registros por meio de documentação fotográfica; f) estabelecer contatos com especialistas, ligados ou não a instituições culturais; g) coligir dados e informações bibliográficas.

Resultados da pesquisa e comentários

Os dados a seguir se subordinam ao conjunto de brinquedos e artesãos encontrados e pesquisados, sem ir além do grau de generalização permitido pelo conjunto estudado. De acordo com a distribuição regional da produção de artesãos, os brinquedos que disputam primeiro lugar na produção dos artesãos são os veículos e as bonecas. Há, porém, variações regionais: enquanto na Grande São Paulo as bonecas se acham representadas por 28% do total dos brinquedos, podendo essa cifra se elevar para 32%, se computarmos também acessórios e/ou vestimentas a elas destinados, os veículos somam apenas 24%. Já em Estados considerados conjuntamente, a relação se inverte: são 30% de veículos e apenas 13% de bonecas (ou 17%, se acrescentarmos os acessórios). Outro lugar de destaque é ocupado pelos bichos, que representam 19% dos brinquedos artesanais encontrados em São Paulo e imediações, e 12% nos demais Estados. São, essencialmente, bichos domésticos. Os brinquedos que representam a vida doméstica (somando-se sob esse rótulo móveis e utensílios miniaturizados) foram 27% dos brinquedos coletados na Grande São Paulo e 35% dos brinquedos localizados em outros Estados.Com esses dados, pode-se concluir que a produção artesanal de brinquedos é voltada principalmente para as representações do cotidiano (casas, pessoas, veículos), recriando-se sob formas lúdicas as diversas representações de pessoas e de coisas que convivem no cotidiano de cada um. Apenas 1% (na Grande São Paulo) e 2%

(nos demais Estados) dos brinquedos encontrados entram na categoria de brinquedos bélicos, o que faz com que se conclua que esses tipos de brinquedos não são da preferência dos artesãos. Outro aspecto importante levantado nessa pesquisa atesta ser grande a penetração dos meios de comunicação de massa, que acabam definindo os padrões da produção artesanal.

Conteúdo e regulamentação da prática segundo a região

Quanto ao conteúdo dos jogos que utilizam o brinquedo, houve incidência do conteúdo de caráter figurativo de diversas situações recriadas. O mesmo se pode dizer da ausência de regras, inteiramente dominante no panorama da pesquisa sobre o brincar regulamentado. Resulta que 94% do conteúdo da totalidade dos brinquedos pesquisados foram de cunho representativo, enquanto 95% dos jogos e brincadeiras que utilizam brinquedos artesanais são conduzidos sem a marcação rígida das regras.

Distribuição dos brinquedos por sexo segundo as regiões

Os informes sobre a estratificação por sexo no uso dos brinquedos dão conta do senso comum, que constatou uma rígida divisão: existem os brinquedos para meninas sendo a boneca o maior exemplo – e os brinquedos para meninos – entre os quais os carrinhos têm lugar de maior destaque. Então, nesse caso, os resultados foram: 22% do total dos brinquedos foram considerados exclusivamente masculinos, e 30%, femininos; brinquedos de uso comum a ambos os sexos obtiveram 48% dos casos pesquisados.

Os artesãos

A pesquisa teve a abrangência de investigar também a atividade do artesão, fazendo distinção entre artesão amador e profissional, separando aquele que faz brinquedos por uma obrigação profissional, por necessidades econômicas, dos que fazem brinquedo por lazer, seguindo uma habilidade pessoal. Também foi aberta a questão de “por que o artesão se dedica a fazer brinquedos”. No rol de respostas obtidas na tabulação, foram decodificadas inúmeras justificativas dadas pelos entrevistados em três categorias: trabalho, lazer e trabalho/lazer (isto é uma indistinção de traço dominante, presença de traços de trabalho e de lazer, sem uma relação de predominância). Percentualmente, foram obtidas as seguintes cifras, colhidas na Grande São Paulo: em 50% dos entrevistados, os motivos se subordinam às dimensões do lazer; em 41%, aos motivos de obrigação; e em 9% aparecem características misturadas, tratadas como trabalho/lazer. Entre os que se declararam “profissionais”, em 70% dos casos, os motivos que condicionam a prática estão mais ligados a imposições socioeconômicas; mesmo assim, 9% da categoria são motivados a fazer brinquedos por razões em que o lazer está presente, embora não exclusivamente, e 21% declararam motivações vinculadas diretamente aos valores do lazer. Em relação aos amadores, 31% apresentaram motivos ligados a diferentes tipos de motivações; 24% apresentaram motivos com características híbridas; e 45%, motivações de lazer. Pelos dados citados, não há dúvida de que a presença do lazer é muito maior do que o senso comum poderia supor. Já é possível questionar se, com base nesses dados, o artesanato de brinquedos populares é uma atividade puramente econômica. Quanto à distribuição dos artesãos por sexo, a pesquisa revelou que no artesanato de brinquedos, em geral, existe o predomínio do público masculino: 63% na Grande São Paulo e 68% nos demais Estados. A faixa etária é variável,

predominando, na Grande São Paulo, a idade superior a 50 anos, abrangendo 44% dos entrevistados. Em relação ao grau de instrução dos artesãos segundo a região, a maioria dos entrevistados tem instrução primária, 54% na Grande São Paulo e 57% nos demais lugares do Brasil, o que revela um ponto de identidade. As variações maiores ocorreram com relação ao analfabetismo, registrando-se 30% nos outros Estados e 5% na Grande São Paulo. Com relação ao grau de instrução secundária: 33% nos outros Estados e 5% na Grande São Paulo. Com relação ao grau de instrução secundária: 33% na Grande São Paulo e apenas 9% em outros Estados. Um outro ponto de identidade que foi detectado pela pesquisa em todo o Brasil foi o fato de 74% dos artesãos, na Grande São Paulo, e 75%, nos outros Estados, terem declarado que suas criações são originais e não resultantes de qualquer recurso à cópia. O mesmo se pode dizer da maneira como cada um aprendeu a confeccionar brinquedos. O pressuposto de uma forte incidência de linhagem familiar, a produzir sucessivas gerações de artesãos, é absolutamente gratuito e ilusório. Tanto em São Paulo como em outros Estados, verificou-se uma idêntica percentagem de artesãos, dos quais 64% declararam ter aprendido sozinhos a fazer brinquedos; e são realmente insignificantes tanto as influências familiares quanto as provenientes de qualquer tipo de ensino formalizado. Com a realização desse trabalho e sua divulgação, o Sesc atuou no sentido de incentivar as pessoas que, por lazer ou ofício, têm a atividade de produzir brinquedos, acreditando ser essa uma atividade que enriquece e diversifica nosso patrimônio lúdico-cultural. Além disso, contribuiu para fornecer aos estudiosos um panorama muito pouco conhecido, que é o da recuperação e criação de brinquedos, seja de inspiração tradicional (brinquedos do passado), seja sob inspiração moderna (brinquedos de hoje). Como conclusão, a pesquisa apontou para o fato de que, embora haja diversos fatores que atuam desfavoravelmente em relação às atividades artesanais de fazer brinquedos, nem por isso se conseguiu anular o seu significado cultural.

Ou, tampouco, conseguiram impedir que a cultura infantil ou adulta, expressa na renovada produção de brinquedos artesanais – é possível recuperar a identidade cultural e histórica da produção feita com as mãos. Incorporando no presente as criações do passado, é possível alçar-se, conscientemente, às obras realmente originais. Basta encarar essas práticas, como de resto as atividades de lazer em

Nota: Esses catálogos não representam de forma alguma um panorama geral dos brinquedos populares produzidos no Brasil, porém são indícios valiosos em uma área tão carente de estudos e bibliografia.

Catálogo no^ 102, ano 2002: Os brinquedos que vêm do Norte

Nesse catálogo, o antropólogo Ricardo Gomes Lima (1987), responsável por sua pesquisa e organização, analisou o brinquedo artesanal no contexto do Círio de Nazaré. Na sua pesquisa em Abaetetuba/PA, o miriti, palmeira nativa de áreas alagadiças encontradas no Norte brasileiro, é matéria-prima especialmente relevante na confecção dos brinquedos. Tradicionalmente, os brinquedos de Abaetetuba preenchem e colorem as ruas de Belém na época do Círio de Nazaré, a maior festa religiosa de todo o território nacional. Os grandes muritizais da região ficam localizados nas ilhas que circundam a sede do município, e é lá que os nativos vão buscar a matéria-prima para recortar os brinquedos. A partir daí começa a transformação da palmeira que “para tudo serve” em brinquedos que fascinam crianças e adultos e fazem lembrar o Pará. Os artesãos perpetuam a tradição de fazer brinquedos tornando essa atividade um oficio, por meio da transmissão de uma geração para outra, no qual os mais experientes transmitem os seus conhecimentos aos mais novos. Esse aprendizado se dá pelo próprio ato de fazer brinquedo. É durante o tempo do fazer que são ensinadas todas as técnicas e etapas necessárias à sua fabricação. No catálogo da exposição realizada em 2002, na Sala do Artista Popular, Ricardo Gomes e Luciana Gonçalves de Carvalho descrevem o processo de construção e concepção de brinquedos:

A primeira etapa da confecção dos brinquedos consiste no corte de pedaços da polpa do miriti. Por ser matéria macia e porosa, muitas vezes referida como isopor natural, pouca resistência oferece às facas afiadas dos artesãos, que nela podem talhar as mais diversas formas. Feito “de olho”, geralmente sem o auxílio de moldes ou riscos, o corte exige bastante atenção e bom domínio da faca. Tanto que a tarefa só costuma ser executada pelos homens habilidosos e muito experientes, sendo raros os jovens e mulheres que se mostram aptos para tal. Como conseqüência, cortar o miriti torna-se a tarefa mais importante de todo o processo de confecção de brinquedos. ( Os brinquedos que vêm do Norte , p. 16)

Ainda nesse catálogo os antropólogos relatam o processo artesanal de montagem dos brinquedos nas seguintes etapas:

  1. Corte inteiriço ou em partes separadas do miriti.
  2. Todas as partes são lixadas e pintadas separadamente.
  3. As partes são encaixadas e fixadas umas às outras, com cola branca e palitos feitos da própria casca do miriti.
  4. Novos cortes e aparas são feitos com o objetivo de dar o acabamento.
  5. Os brinquedos podem ser pintados quando ainda não estão montados, ou quando já estão acabados. A pintura é realizada por homens, mulheres e jovens especialistas. Os brinquedos de miriti podem, também, ser encontrados à venda, sem pintura, “brancos”, como dizem, para serem posteriormente pintados em Belém.

É principalmente através da pintura que é possível observar as modificações no artesanato de brinquedos de miriti de Abaetetuba, nos últimos 30 anos. Isso aconteceu em função do aumento da oferta de produtos como tintas, massas de revestimento, pincéis industrializados, que têm levado à substituição de antigos materiais e instrumentos de trabalho improvisados. As etapas de produção são realizadas por artesãos específicos, embora todos conheçam e saibam executar a maioria das etapas da produção. Existe uma hierarquia entre os artesãos, na qual o responsável pelo corte é identificado como o artesão principal, sendo ele responsável pela organização do grupo.

A unidade de produção entre os que, como que por passe de mágica, transformam pedacinhos de miriti em barcos, cobras, tatus, peixes, pássaros, macacos, casinhas, aviões, soca-socas, marionetes, dançarinos, bonecos caboclos e ribeirinhos (que até se mexem!), entre tantas outras peças que expressam praticamente o imaginário da população local. ( Os brinquedos que vêm do Norte , p. 16)

acessórios. Vestidos, blusas, saias, paletós, gravatas surgem sempre de material reciclado, aparecendo também jóias e relógios. É obrigatório esmalte nas unhas.

Os caminhões de Itabaiana

Itabaiana, cidade localizada no interior do Estado da Paraíba, era, antes da colonização, habitada pelos índios Tupis. O povoado foi fundado por um jesuíta e, em 1881, transformado em vila, recebendo o nome de Itabaiana do Pilar. Em 1864, criou-se uma feira de gado, na qual se homenageia a padroeira, Nossa Senhora da Conceição, que propiciou o desenvolvimento da cidade, atraindo comerciantes e compradores de várias localidades vizinhas e de outros Estados. A feira, realizada até hoje às terças-feiras, é atração na região, com grande variação de produtos: carnes diversas, tecidos, redes, fumo, artesanato em cerâmica, couro, brinquedos populares. Os artesãos locais iniciaram a produção e a venda de caminhões de brinquedo, com o objetivo de vender na Feira de Itabaiana. A reciclagem tem muito destaque para a confecção desse tipo de caminhão em Itabaiana. São latas de óleo, refrigerantes, restos de câmara de ar e de antenas de televisão e plásticos diversos: tubos de cloro, bolas, garrafas de bebidas. O processo de confecção do caminhão é bastante lento; cada peça tem suas medidas e acabamento próprio. As ripas de madeira (angico, timborana, melanceiro) são compradas em madeireiras locais e usadas para fazer a carroceria. Todas as peças, antes de serem pregadas, são bem fixadas, a fim de garantir a qualidade da pintura, etapa final. O lastro é feito de aproveitamento de caixas de madeira (usadas para acondicionar alho ou fruta), de cuja parte mais grossa recortam-se as rodas. Para a cabine do caminhão, usam-se latas de óleo e madeira: limpa-se a lata com solvente e, a partir do molde, corta-se com a tesoura. Pinta-se sempre em cores brilhantes: amarelo, vermelho, azul ou branco. Faróis e faroletes também são de madeira pintada; na cabine, a direção e o câmbio são de arame, e os bancos, de madeira. As rodas, depois de cortadas também segundo moldes, são recobertas com restos de câmara de ar e de pneu de trator ou caminhão, conseguidos em

borracharias da cidade. São feitos, então, os chassis, como nos modelos “de verdade”, e acrescenta-se o tanque de óleo, em madeira. Inspirando-se em desenhos reais, o grupo cria o acabamento do brinquedo. Na carroceria, motivos geométricos se repetem, formando faixas; um caquinho de espelho transforma-se em retrovisor; restos de antena de televisão, em cano de descarga e antena do rádio; fundos de lata de bebidas, em calotas. Para completar a fidelidade ao original, as lameiras são decoradas com paisagens ou listras coloridas. Os agricultores, hoje também artesãos, gostam da atividade e participam de projetos de oficinas de comercialização e organização de trabalho associativo. A maioria das vendas é feita nas feiras de Itabaiana, Cajá, Goiana, Itambé, Timbaúba, municípios próximos de Lagoa do Rancho.

Catálogo no^ 84, ano 2000: Veja, ilustre passageiro. Bondes de Getúlio Damado

Getúlio Damado, mineiro de ascendência italiana, escolheu o bairro carioca de Santa Teresa para montar sua banca-oficina. Nascido na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, herdou da família de oleiros e marceneiros o dom de artesão. Sua banca, na Rua Leopoldo Fróis, uma ladeira paralela à Rua Almirante Alexandrino, é um ponto estratégico, pois fica em frente do único supermercado do bairro, garantindo, portanto, freguesia certa para seu ofício de funileiro, dado o entra-e-sai das donas de casa do bairro. Do seu ponto via passar o bonde ladeira acima, ladeira abaixo. Com a imagem dos bondinhos amarelos, decidiu reproduzi- los como brinquedos, em escala reduzida. Essa produção de brinquedos é realizada junto com seu oficio de funileiro. Passou a fazer brinquedos em quantidade cada vez maior, e assim foi aprimorando seus projetos, sempre feitos com reaproveitamento de material que