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Morandi, Picasso e Braque: A Evolução do Cubismo, Resumos de Construção

Este documento discute a contribuição de picasso e braque na evolução do cubismo, com ênfase na produção de picasso na década de 1900. O texto explora as reações iniciais dos artistas e críticos às obras cubistas de picasso e braque, e analisa as diferenças formais entre a produção de cézanne e a evolução cubista. Além disso, o documento discute a influência da arte negra na obra de picasso e braque, e como morandi incorporou e ultrapassou o cubismo em sua produção artística.

O que você vai aprender

  • Quais foram as primeiras reações de artistas e críticos às obras cubistas de Picasso e Braque?
  • Como as obras de Cézanne influenciaram a evolução cubista?
  • Como Morandi incorporou e ultrapassou o cubismo em sua produção artística?
  • Qual foi a influência da arte negra na obra de Picasso e Braque?
  • Quais são as principais diferenças formais entre a produção de Cézanne e a evolução cubista?

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Morandi, e o Cubismo de Picasso e Braque
No ano de 1907, enquanto Morandi dava seus primeiros passos em direção
à Accademia, Picasso terminava uma tela de grandes dimensões que viria a se
tornar um dos marcos basilares da arte moderna. A trajetória de Les Demoiselles
D’Avignon, ao contrário do que se pode imaginar pela importância que esta
pintura adquiriu para os destinos do Modernismo, não teve uma recepção
tranquila. Poucos foram os que tiveram acesso à tela, que permaneceu guardada
durante alguns anos no ateliê de Picasso, mas para estes poucos e privilegiados
espectadores, quase todos figuras de destaque para o mundo da arte moderna, as
reações foram bastante significativas e esclarecedoras. Matisse, que nessa época já
era considerado um dos artistas mais avançados do Modernismo, achou que
Picasso estava debochando dos postulados modernos e saiu do estúdio do
espanhol jurando destruir sua carreira.
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André Salmon, amigo de Picasso e crítico
de arte, lembra de sua decepção diante do quadro em seu livro La jeune pinture
française:
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Derain profetizou que um dia Picasso seria encontrado enforcado atrás
da tela e D. H. Kahnweiler, comerciante de arte, teórico e um dos principais
entusiastas do Cubismo tão pouco pôde entender, neste primeiro momento, o que
se passava com a arte de Picasso. Finalmente Braque, o único artista a quem se
pode reputar o mesmo grau de importância na fundação e desenvolvimento do
Cubismo, ficou atordoado com a tela.
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Les Demoiselles D’Avignon certamente não é uma tela cubista em sentido
estrito, mas é considerada por quase todos os estudiosos do período como sua
obra seminal. A radicalidade da tela, as novas concepções artísticas foram tão
grandes que, mesmo as pessoas mais capacitadas a reconhecer os avanços
plásticos propostos pela tela foram incapazes de alcançar a plenitude de seu
significado. O quadro parecia inacabado e Kahnweiler
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faz menção de que, pelo
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Battcock, Gregory. A nova arte. Editora Perspectiva. São Paulo, p. 87
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La jeune Pinture Française, em Golding, John. Cubism A history and an analysis 1907-1914,
Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989. p. 43
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Golding, John. Cubism A history and an analysis 1907-1914, Harvard Univ. Press,
Cambridge, 1989, p. 33.
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A questão do não acabamento de Demoiselles d’Avignon foi motivo de um grande debate, ao
qual não vamos aqui reproduzir por não ser nosso objeto, mas que pode ser aprofundado com a
leitura de Leo Steinberg Philosophical Brothes e William Rubim Proof.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912299/CA
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Baixe Morandi, Picasso e Braque: A Evolução do Cubismo e outras Resumos em PDF para Construção, somente na Docsity!

Morandi, e o Cubismo de Picasso e Braque

No ano de 1907, enquanto Morandi dava seus primeiros passos em direção à Accademia , Picasso terminava uma tela de grandes dimensões que viria a se tornar um dos marcos basilares da arte moderna. A trajetória de Les Demoiselles D’Avignon , ao contrário do que se pode imaginar pela importância que esta pintura adquiriu para os destinos do Modernismo, não teve uma recepção tranquila. Poucos foram os que tiveram acesso à tela, que permaneceu guardada durante alguns anos no ateliê de Picasso, mas para estes poucos e privilegiados espectadores, quase todos figuras de destaque para o mundo da arte moderna, as reações foram bastante significativas e esclarecedoras. Matisse, que nessa época já era considerado um dos artistas mais avançados do Modernismo, achou que Picasso estava debochando dos postulados modernos e saiu do estúdio do espanhol jurando destruir sua carreira.^68 André Salmon, amigo de Picasso e crítico de arte, lembra de sua decepção diante do quadro em seu livro La jeune pinture française :^69 Derain profetizou que um dia Picasso seria encontrado enforcado atrás da tela e D. H. Kahnweiler, comerciante de arte, teórico e um dos principais entusiastas do Cubismo tão pouco pôde entender, neste primeiro momento, o que se passava com a arte de Picasso. Finalmente Braque, o único artista a quem se pode reputar o mesmo grau de importância na fundação e desenvolvimento do Cubismo, ficou atordoado com a tela.^70

Les Demoiselles D’Avignon certamente não é uma tela cubista em sentido estrito, mas é considerada por quase todos os estudiosos do período como sua obra seminal. A radicalidade da tela, as novas concepções artísticas foram tão grandes que, mesmo as pessoas mais capacitadas a reconhecer os avanços plásticos propostos pela tela foram incapazes de alcançar a plenitude de seu significado. O quadro parecia inacabado e Kahnweiler^71 faz menção de que, pelo

(^68) Battcock, Gregory. A nova arte. Editora Perspectiva. São Paulo, p. 87 (^69) La jeune Pinture Française, em Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914, Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989. p. 43 70 Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914, Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 33. 71 A questão do não acabamento de Demoiselles d’Avignon foi motivo de um grande debate, ao qual não vamos aqui reproduzir por não ser nosso objeto, mas que pode ser aprofundado com a leitura de Leo Steinberg – Philosophical Brothes e William Rubim Proof.

menos uma vez, Picasso se referiu a ele nestes termos.^72 No entanto, Picasso, que tantas vezes retomou outras pinturas, jamais teve a intenção de “acabar” a tela, o que é indicativo da característica processual da obra e da importância inerente deste não acabamento na veiculação da mensagem que ela buscava transmitir.

Posteriormente, quando o movimento já estava consolidado e estabelecido, havia certo consenso entre os artistas de que o Cubismo seguia as premissas da linhagem realista da arte francesa, que vinha de Courbet e tinha seu maior representante no final do século XIX em Cézanne. Por realismo entendia-se representar a realidade externa de maneira objetiva, distanciada das distorções provocadas pelos impulsos sentimentais ou juízos morais, que impediam a apreensão do real na integridade de seus dados concretos. Este também era o programa de Cézanne, que o mestre provençal desenvolveu com tanto afinco até os últimos anos de sua vida, finda menos de dois anos antes de Picasso começar a pintar Les Demoiselles D’Avignon. Formalmente a tela de Picasso pouco tem em comum com as naturezas-mortas de Cézanne e suas paisagens da Provença. A violência do tratamento, a rascante angularidade de suas formas, o grotesco das faces sem expressão, tudo levaria a aproximar a tela da tradição expressionista, e no entanto Matisse, o líder dos Fauves, ficou desconcertado diante dela.

Quando Picasso pintou Les Demoiselles D’Avignon , os objetivos programáticos desse realismo levado às últimas consequências ainda não estava estabelecido, e portanto não é justo cobrarmos sua ligação conceitual com as telas cubistas posteriores.

“Nem Braque nem Picasso estabeleceram para si este programa antecipadamente. Ele emergiu, isto sim, como algo implícito e inevitável no curso de seu esforço conjunto para preencher aquela visão de uma arte pictórica ‘mais pura’ que eles tinham vislumbrado em Cézanne, de quem eles também retiraram seus meios.”^73 No entanto nós, hoje, fazemos retrospectivamente a ligação de uma evolução formal entre a produção de Cézanne, passando por Les Demoiselles D’Avignon e chegando às telas cubista de Picasso e Braque. O elemento modificador da ordem, que impede uma leitura linear direta entre a produção

72 Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914, Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 36. 73 Greenberg, Clement. Arte e cultura. Colagem Editora Atica, São Paulo, 1996, p. 85.

“Picasso, por outro lado, enquanto estava indubitavelmente fascinado pelas propriedades formais e esculturais da Arte Tribal, também admirava intuitivamente por uma razão mais fundamental; por sua qualidade ‘ raisonnable ’ ou conceitual. Esta era a verdadeira ligação entre o Cubismo e a Arte Tribal. Assim, como a Arte Tribal, o Cubismo de Picasso e Braque era essencialmente conceitual. Mesmo nos estágios iniciais do movimento, quando os pintores ainda confiavam em grande medida nos modelos visuais, sua pintura não era tanto o registro das aparências dos dados sensórios de seus temas, mas expressões em termos pictóricos de suas ideias ou conhecimento delas. ‘Eu pinto os objetos como eu os penso, não como eu os vejo’, disse Picasso a Gomes de la Serna. E foi o elemento conceitual do Cubismo que permitiu os pintores de vários períodos se separarem das aparências visuais sem perder contato com o mundo material à sua volta.”^75 Em uma passagem um pouco anterior no mesmo livro, Golding relata outra declaração de Picasso sobre o efeito da Arte Negra:

“Trinta anos mais tarde, relembrando a revelação da Arte Tribal, Picasso falou sobre Demoiselles como seu ‘primeiro exorcismo pictórico’: ‘Para mim as máscaras não eram simples esculturas, elas eram objetos mágicos... Elas eram armas – para impedir que as pessoas fossem guiadas pelos espíritos, para ajudá- las a se libertarem.’ E foi indubitavelmente neste nível liberatório e atávico profundo que ele respondeu primeiro à Arte Tribal. Mas devemos lembrar que esta declaração foi dada depois de seu envolvimento com o Surrealismo e que esta não deve ter sido precisamente sua reação nos primeiros anos.”^76 O que podemos ver é que, ao longo dos anos e de acordo com as circunstâncias, a atribuição dada por Picasso sobre a importância da Arte Negra e ou Tribal e sua função vai se alterando. A Arte Tribal atua sobre a produção picassiana de diversas formas, de acordo com o momento e os interesses específicos que estão sendo trabalhados nas obras, alguns dos quais não tão originais, como o efeito liberatório dos padrões estéticos vigentes, que os Fauves já haviam antecipado, ou o caráter expressivo, que os alemães do Die Brücke já tinham percebido nas esculturas negras.

Porém antes de entrarmos decisivamente no estudo do Cubismo Analítico, vejamos como foi a contribuição de Braque, que desenvolvia seu trabalho concomitante a Picasso, para o encaminhamento do Cubismo nestes momentos iniciais, e cuja presença da Arte Negra só foi sentida algum tempo mais tarde.

(^75) Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914 , Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 51. 76 Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914 , Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 49-50.

Braque foi um dos poucos artistas a ver Les Demoiselles D’Avignon , e após absorver o choque provocado pelo primeiro contato com a obra, logo incorporou aspectos desta na sua produção. Um pequeno desenho, de três Mulheres, de 1907, hoje infelizmente perdido, do qual temos acesso apenas em reproduções fotográficas atesta esta influência. A posição de uma das figuras sentada sobre seus calcanhares, é uma inquestionável referência a figura representada agachada de costas na tela de Picasso. O desejo de mostrar a figura, não apenas por sua visão frontal, mas na sua integridade, ou seja, no máximo de ângulos possíveis, mostra a intuição de Braque das questões espaciais que se anunciavam em Les Demoiselles D’Avignon.

Braque sempre teve uma natureza mais comedida e estável, em contraste com o temperamento de Picasso, mais tempestuoso e instável e as duas obras refletem estes traços das personalidades dos dois protagonistas do Cubismo. O desenho de Braque não traz a pulsão expressionista de Les Demoiselles D’Avignon , mais controlado e analítico. O ano de 1907 marca a obra de Braque como um ano em que este decide abandonar o cromatismo Fauve e se aprofundar na pesquisa estrutural a partir de Cézanne. Na passagem de 1907 para 1908, Braque viaja para o Estaque, onde realiza algumas paisagens de influência marcadamente cezanniana. A efusão da cor Fauve dá lugar a uma palheta extremamente restrita de ocres, marrons, cinzas e verdes, as formas sofrem um processo de síntese descritiva que busca representar apenas a estrutura da paisagem e de seu casario, a observação direta cede espaço para uma construção mnemônica. Mais uma vez recorremos ao texto de Golding para esclarecer o processo de Braque:

“O débito deste tipo de pintura com Cézanne e claramente visível. Mas é quase óbvio que Braque começou a estudar Cézanne de um modo muito mais intelectual e atencioso, e que isso resultou na criação de um tipo de pintura inteiramente nova. Em primeiro lugar Braque se afastou das aparências visuais de modo muito mais decisivo do que Cézanne, que apesar de estar muito cônscio (se não instintivamente) do lado puramente formal ou abstrato da pintura, confiava entretanto em suas naturezas-mortas e paisagens, em um exaustivo estudo do ‘motivo’ como ponto de partida, apesar de Èmile Bernard mencionar em seus artigos que a visão de Cézanne ‘era muito mais em seu cérebro do que em seu olho’. No Estaque, Braque estava trabalhando a partir da natureza, mas sente-se que as formas em suas pinturas não foram sugeridas por paisagens particulares, mas antes, que ele impôs ao cenário natural sua própria forma de visão, austera, angular e quase geométrica. Neste sentido a pintura de Braque é, como os

“Entender Cézanne é antever o Cubismo. Nos nossos dias estamos justificados ao dizer que há apenas uma diferença de intensidade entre esta escola e as manifestações que a precederam.”^79 Esta visão, de certo ainda vigente por parte de muitos intérpretes, reduz tanto Cézanne quanto os Cubistas. Não há dúvidas de que as produções de Picasso e Braque são decorrentes da pesquisa cezanniana, mas não são apenas sua continuação. Há diferenças fundamentais, e entender a ambas as produções artísticas desta maneira leva inexoravelmente a um reducionismo inaceitável, e consequentemente a uma perda concernente à complexidade das questões propostas por todos os artistas envolvidos. Demarcar suas diferenças é um passo importante, uma vez que são as diferenças entre os artistas que ajudam a compreender melhor a originalidade de suas produções. Tendo Morandi, nos primeiros anos de sua formação artística, aderido rapidamente às questões cezannianas e logo depois, produzido algumas poucas telas de forte influência cubista, e finalmente, alguns anos mais tarde, após sua experiência metafísica, ter retornado às questões levantadas por Cézanne, torna-se inevitável e essencial, para o aprofundamento e melhor compreensão de Morandi, retraçar este percurso e as motivações de suas mudanças. Retomaremos esta questão em momento mais oportuno, por hora falta-nos ver como se desenrola a trajetória de Braque e como ele e Picasso desenvolvem o Cubismo Analítico, onde a meu ver as diferenças se intensificam.

Não há uma obra individual à qual possamos estabelecer como um divisor de águas, uma tela que demarque o começo de uma fase cubista analítica. A evolução do Cubismo se deu por paulatinos avanços, acréscimos e aquisições, realizadas pelos seus dois principais pintores, que trabalhando de um modo bastante singular na história da arte, foram incorporando as conquistas mútuas nas telas de um e de outro. A famosa metáfora dos dois alpinistas atados por uma corda galgando a montanha alternadamente é bastante ilustrativa do processo de trabalho de ambos, e através dela podemos entender como esta sintonia fina entre os dois pode produzir obras que, algumas vezes, são quase indiscerníveis entre seus autores. Cada pequeno progresso plástico era incorporado na tela consecutiva por seu parceiro que, por sua vez, produzia novos avanços e trazia novos

(^79) Du Cubism, p. 9-10, citado em Golding, John, Cubism – A history and an analysis 1907-1914 , Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 60.

questionamentos. Para que tal processo evolutivo pudesse ser acompanhado pelo companheiro, certamente ouve muita discussão sobre os interesses, buscas, concepções, questionamentos e direções nas quais as obras deveriam prosseguir, entretanto, temos pouca produção teórica por parte de seus protagonistas, apesar da clareza de intenções e pertinência das posições que podemos depreender nas esparsas declarações a respeito de suas produções.

Para melhor entendermos a evolução do Cubismo Analítico não devemos avaliar uma única obra, mas analisar a passagem de tela para tela dos pequenos ganhos que as separam. Infelizmente, apesar de desejável, esta aproximação teórica é demasiado ampla, e como nosso objetivo não é um estudo aprofundado do Cubismo, mas sim a obra de Morandi, vamos ficar em débito em relação a esta análise evolutiva mais detalhada, por causa da restrição de tempo e espaço na tese. Como alternativa a este processo mais longo, porém inviável de análise das diversas obras, proponho apontar alguns marcos evolutivos na configuração plástica que caracteriza o Cubismo Analítico e eventualmente referenciar algumas obras onde estes se mostram nítidos.

Paisagem do Estaque , descrita acima e pintada por Braque no ano de 1908, pertence ao período no qual o termo Cubismo começou a ser utilizado, fazendo referência às simplificações das estruturas representadas em formas geométricas elementares. No processo de sua execução ocorre uma mudança importante de enfoque utilizado por Braque, que até então seguia o expediente de observação direta do motivo, tal qual o método pós-impressionista de Cézanne, e de acordo com o procedimento que ele já vinha praticando desde quando integrava o grupo de artistas Fauves. Braque abandona a percepção direta da paisagem para começar a pintar de memória. O processo mnemônico tem como uma de suas peculiaridades a descrição geral, não se atendo a detalhes e marcas específicas. Conforme veremos mais tarde, esta ruptura com a percepção direta do motivo será particularmente importante para a distinção entre a abordagem de Morandi em comparação com o método dos cubistas. A tela de Braque também é importante por introduzir uma nova maneira de construção espacial, que inverte o método tradicional de construção da perspectiva, como cita Kahnweiler em seu Der Weg zum Kubismos :

definição de sua forma; a linha de Braque, tal qual a de Cézanne, é mais aberta e interrompida gerando uma interpenetração entre espaço e objeto, produzindo transições mais fluidas entre estes e consequentemente dotando suas telas de uma homogeneidade maior do que nas telas de Picasso.

Tematicamente as pinturas de Picasso e Braque compartilham dos mesmos interesses, basicamente paisagens e naturezas-mortas, ou talvez, me expressando melhor, a falta de interesse, uma vez que, ao menos inicialmente, é a falta de qualidades morais ou emocionais, mas exclusivamente formais, que credenciam estes motivos para serem pintados. Mais tarde, como mostrou Rosalind Krauss em seus Picasso Papers , veremos que há uma introdução de elementos temáticos com significativos componentes ideológicos nas colagens, mas por hora, no que concerne à seleção dos elementos representados, esta ainda se restringe as propriedades formais dos arranjos. No entanto Picasso, além das naturezas-mortas e das paisagens que compartilha com Braque, começa a produzir, a partir dos anos de 1908-09, algumas pinturas cubistas nas quais a representação da figura humana é o tema principal, quer sejam pinturas de corpo inteiro, como sua Baigneuse de 1910, quer sejam retratos, como já havia feito em suas fases anteriores ao Cubismo. Uma retrato de Fernande Olivie, então sua companheira, cujo título é La Femme aux Poires , mostra como este período foi extremamente fértil em inovações, e como em poucos meses as mudanças se sucederam. A referência imediata é Cézanne e seus retratos de Madamme Cézanne. A ideia de uma representação com ênfase nos princípios estruturais rege a organização das formas. Descartada qualquer evocação sentimental ou psicológica do retratado, parte do princípio que um rosto, antes de mais nada, são formas, e como formas devem ser tratadas. Alguns anos antes, Picasso havia utilizado um sistema parecido para separar em grandes volumes as diferentes partes do corpo na representação das figuras de sua fase negra, mas estas figuras tinham um critério de divisão mais esquemático do que analítico. Picasso nessa pintura articulou o volume a partir de uma análise minuciosa e do escrutínio dos elementos constitutivos do rosto e da cabeça da modelo. Vale dizer neste momento que, se dissemos que antes Braque e Picasso pintavam de memória, isso não é uma verdade absoluta; seria melhor afirmarmos que eles também pintavam de memória, mas não abdicando completamente da observação do modelo, de acordo

com a obra e suas determinações, o peso da observação direta do objeto podia ser mais intenso ou negligenciado. Na pintura da cabeça de Fernande, à uma aguda observação visual, se soma um rigoroso processo de filtragem intelectual, que visa isolar os elementos formais básicos que virão a constituir a face representada. Não quero aqui descrever, o que seria exaustivo e contraproducente, a série de planos através dos quais Picasso vai isolando, decompondo e reconstruindo a testa, os olhos, o nariz, as maçãs da face, o pescoço, para a construção da imagem, mas assinalar a crescente sensação escultórica que este facetamento produz, algo até então não alcançado nas pinturas cubistas desse primeiro período. Não por acaso, logo em seguida, Picasso esculpe uma cabeça em bronze muito similar morfologicamente a essa pintura. A questão do facetamento dos planos na escultura cubista é muito problemática, para não dizermos contraditória, uma vez que é natural à própria escultura este mostrar-se por completo, ambição à qual a pintura cubista almejava representar, mas esta não é uma questão para ser desenvolvida aqui e vamos deixá-la de lado.

Na obra de Picasso alternam-se produções paralelas, durante o período das pinturas negras, entre Les Demoiselles D’Avignon e a fase cubista analítica, a produção oscilava entre pinturas que tratavam a figura humana com ênfase em sua volumetria escultórica e outra parte da produção mais superficial e planar. A questão da alternância entre pinturas mais enfaticamente planares e outras mais volumétricas com ênfase na construção espacial, esse dilema entre a tendência a privilegiar a linguagem plástica ou a espacialidade, está no centro do problema das diferenças entre os cubistas e Morandi na retomada de Cézanne. Esta mesma oscilação entre uma preocupação com a volumetria e outra com a planaridade também ocorreu no período cubista, nos anos imediatamente posteriores à pintura de La Femme aux Poires , Picasso pinta uma série de retratos que vão se tornando cada vez mais superficiais e que vão culminar no Retrato de Kahnweiler. Na tela de 1910, Garota com Bandolim , também conhecido como Retrato de Fanny Tellier , pintura inacabada de Picasso, podemos perceber, auxiliados pelo estado intermediário em que a pintura se encontra, todo o processo de construção da pintura. As telas deste período, tanto de Picasso como de Braque, foram se tornando mais e mais abstratas. Na tela inacabada, Retrato de Fanny Tellier , a figura representada é mais facilmente reconhecível do que na maioria das obras do

retrato feminino a figura está projetada em um plano mais avançado em relação ao fundo, o que não acontece no retrato masculino, onde figura e fundo se interpenetram de maneira mais consistente, dotando a tela de uma unidade planar maior do que no retrato anterior. A volumetria da figura, embora presente em ambos, é menos acentuada em Uhde , favorecendo consequentemente a uma maior coincidência entre o espaço de representação e a superfície da tela. A abertura do contorno linear dos volumes impede uma delimitação precisa, o que favorece o efeito planar na tela mais acabada, ao passo que o inverso se verifica em maior grau em Fanny Tellier , onde os volumes são mais definidos e fechados. A comparação entre a tela acabada e a inacabada, e os diferentes estágios atingidos em ambas, nos leva a especular sobre o processo de construção das telas cubistas, ao menos nos ano de 1910. Supomos que, inicialmente, a figura é captada através de sua apreensão sensível e mediada por uma racionalização da qual se extrai os elementos básicos de sua estrutura. A imagem produzida na tela é decorrente dessa organização esquemática, gerando uma representação “escultórica”. Concomitantemente à sua construção esquemática e volumétrica, a imagem passa por um processo de incorporação ao plano da tela, através da análise de suas formas, que sofrem um achatamento obtido pela intensificação da decomposição, do fracionamento e interpenetração pelos sucessivos planos e faces. Portanto, tudo indica que há a interpenetração de um momento perceptivo concomitante a um processo intelectual e racional.

Se estou correto na minha especulação sobre o processo pictórico de Picasso, se este parte de uma volumetria de princípio sensível em direção à uma planaridade fundada em um processo de análise intelectual, este pode ser um importante ponto de partida para compararmos o método de Picasso com o processo de pintura de Morandi e assim estabelecermos suas diferenças, tanto nas suas relações mútuas, como nas apropriações individuais do legado de Cézanne.

As obras cubistas subsequentes a esse período tendem cada vez mais a valorizar o processo intelectual em detrimento da apreensão sensível.

“Naquela época, a planaridade tinha não só invadido, mas estava ameaçando submergir a pintura cubista. As pequenas facetas-plano que Braque e Picasso estavam decompondo tudo o que era visível eram agora postas paralelamente ao plano pictórico. Elas não eram controladas, seja no desenho seja na localização,

por uma perspectiva linear ou mesmo escalar. Cada faceta tendia a ser sombreada, além do mais, como uma unidade independente, sem passagens de legato , sem traços ininterruptos de gradação de valor de sua lateral aberta, para uni-la a facetas-plano adjacentes. Ao mesmo tempo o próprio sombreado tinha sido atomizado em partículas de luz e sombra que não podiam mais se concentrar nas bordas das formas com força de modelação suficiente para transformá-las de modo convincente em profundidade.”^82 No Retrato de Kahnweiler , Picasso parte de uma fotografia do marchand depois complementada com vinte seções diretas.^83 A fragmentação da superfície pictórica no Cubismo jamais havia chegado a este extremo, quer seja na sua própria obra, quer na de Braque. Uma labirinto de facetas se sucedem formando uma movimentação onde as mudanças tonais dos planos criam a ilusão de protuberâncias e depressões que se elevam e afundam na superfície da tela. O que se consolida dessa movimentação é a própria superfície da tela, que se assemelha a um baixo relevo muito raso. A fragmentação da superfície se adensa e se rarefaz nas diferentes áreas, concentrando-se na figura do marchand, e se diluindo no espaço ao redor dando a sensação de um espaço vazio. Intui-se a figura do marchand através de uma série de signos, que ajudam a reconstrução mental da figura no intelecto do espectador. Os olhos, as mãos, um botão da jaqueta, o nó da gravata, a corrente de um relógio de bolso, o bigode, uma mesa lateral com um pequeno frasco, todos representados de maneira bastante esquemática servem como ”pistas” referenciais, capazes de estimular mentalmente a associação da forma plástica com a aparência física do modelo, tudo mediado pela descrição do tema provida pelo título da tela.

“Já existia na obra de Braque uma diálogo entre os objetos e o espaço tátil no qual estas estão encerradas; agora na obra de Picasso e subsequentemente na de Braque, começa a haver um diálogo entre o tema e o modo altamente abstrato em que este é apresentado. Olhando os trabalhos desta segunda fase do Cubismo Analítico, nós estamos sempre conscientes da presença da imagem, mas muitas vezes ela se materializa apenas gradualmente de um complexo de planos transparentes interativos que a circundam e de fato a constituem, apenas para serem reabsorvidas no fluxo espacial total da pintura.”^84 Do mesmo ano do Retrato de Kahnweiler é o Retrato de Vollard , e ambos apresentam algumas semelhanças. Também no Retrato de Vollard temos uma

(^82) Greenberg, Clement. Colagem em Arte e Cultura. Editora Ática, São Paulo, 1996, p. 85. (^83) Kahnweiler, Daniel Henry – Marchand, Editeur, Ecrivain, Centre George Pompidou, Musée National d’Art Moderne, Paris, 1984, p. 103. 84 Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914, Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 85.

alguns casos a ausência de um único ponto de luminosidade pode ser vista como a consequência natural da ausência de um único ponto de vista.”^85 Ainda nas telas do Cubismo Analítico, dois elementos plásticos de extrema importância serão introduzidos por Braque e merecem um momento de nossa consideração, alguns elementos de trompe l’oeil como a representação convencional de um prego em algumas telas e a introdução das letras e números com estênceis.

A extrema fragmentação do espaço plástico, praticado nas pinturas do Cubismo Analítico, tinha como consequência imediata uma tendência abstratizante dos objetos representados, que eram absorvidos em meio à profusão de planos e face nos quais estes eram desdobrados. Em decorrência desta evasão dos objetos, a sensação de espacialidade promovida por estes também desapareceu, dando lugar a um plano, quase indiferenciado internamente, que tendia a coincidir com o plano da tela, eliminando todo o caráter “escultórico”, para usarmos o termo greenbergiano, do espaço representacional. Braque, em uma atitude quase perversa em natureza-morta com violino e jarro, de 1910, “espeta”, por assim dizer, um prego na parte superior da tela, pintando-o em um estilo convencional, totalmente anticubista. O prego, ou o cordão, em Homem com Violão , de 1911, que tem função semelhante, foram ambos postos estrategicamente em áreas pouco fragmentadas das telas, onde a ilusão de tridimensionalidade ficava ainda mais evidente. A introdução de objetos exógenos à ordem cubista vigente tinha dupla finalidade: explicitar a diferença entre o espaço pictórico de representação e a superfície material da tela e intensificar o contraste entre as duas ordens ou modos de representação espacial.

“O principal problema nesse momento tornou-se evitar que ‘o lado de dentro’ da pintura – seu conteúdo – se fundisse com o ‘lado de fora’– sua superfície literal. A planaridade pintada – ou seja, as facetas-plano – precisava ser mantida suficientemente separada da planaridade literal para permitir que uma ilusão mínima de espaço tridimensional sobrevivesse entre as duas.” 86 O artifício elaborado por Braque, no final das contas, tinha um efeito contraditório e duplo, e aí reside sua perversidade. Se por um lado, ao introduzir

(^85) Golding, John. Cubism – A history and an analysis 1907-1914 , Harvard Univ. Press, Cambridge, 1989, p. 90. 86 Greenberg, Clement. Colagem em Arte e Cultura. Editora Ática, São Paulo, 1996, p. 86.

um elemento que induz o espectador a projetar na tela uma ordem de representação espacial convencional, onde a sombra projetada do prego sobre a superfície da tela enfatiza a “brecha” espacial existente entre o plano de representação e o espaço ilusório, por outro lado ele também intensifica a percepção por parte do espectador da realidade física da tela e de sua superfície. O que no Renascimento era um jogo de ilusões, que visava ocultar a realidade material da pintura, fica agora declarado pelo modo de representação ilusório do prego em contraste com o restante da pintura, que se constituiu valendo-se de outro sistema de representação, a saber o sistema cubista, e por conseguinte por outra ordem espacial. O que antes era um estratagema para “enganar” a vista foi virado pelo avesso, revelando a realidade material da superfície da tela para o olhar.

“Foi nesta época, aparentemente, que ele descobriu que o trompe l’oeil podia ser usado tanto para revelar como para sonegar a verdade do olho. Ou seja, ele poderia ser usado tanto para declarar como para negar a superfície real. Se a realidade da superfície – sua planaridade física, verdadeira – pudesse ser indicada de forma suficientemente explícita em alguns lugares, ela seria diferenciada e separada de tudo mais que a superfície continha. Uma vez que a natureza literal do suporte era anunciada, tudo sobre ele que não fosse literalmente pretendido seria realçado e magnificado em sua não literalidade. Ou, para dizê-lo de outra forma: a planaridade pintada ocuparia pelo menos a semelhança de uma semelhança de espaço tridimensional, enquanto a planaridade bruta, não pintada da superfície, era salientada como algo ainda mais plano. 87 Na tela O Português , pintada na primavera de 1911, Braque insere as letras em estêncil BAL e alguns números. Em uma tela anterior, Le Pyrogène et ‘Le Quotidien , de 1910, Braque já havia inserido letras, mas estas tinham uma função diversa dessa tela que nos interessa, servindo apenas para representar um jornal. A colocação das letras seguindo a diagramação da folha do jornal reforçam a sensação de uma profundidade ilusória. Em O Português o efeito obtido é o oposto. As letras e os números colocados na tela frontalmente, em paralelo ao plano da tela, reforçam sua presença ao invés de dissimulá-la.

“Como parte de um desejo de me aproximar o máximo possível de certo tipo de realidade, em 1911, ao introduzir letras nas minhas pinturas (...) elas são formas que não podem ser distorcidas porque, por serem planas, elas existem fora do espaço e sua presença nas pinturas, por contraste, permite que se distinga entre os

(^87) Greenberg, Clement. Colagem em Arte e Cultura. Editora Ática, São Paulo, 1996, p. 86.

pintado. Em vez de ser enganado, o olho fica intrigado; em vez de ver objetos no espaço, ele vê nada além, de uma pintura.”^89 O dilema ao qual haviam chegado Braque e Picasso entre ilusão de profundidade e representação chegou a um limite. A fragmentação da superfície plástica já havia levado a um ponto em que o reconhecimento do objeto só era possível através de “chaves” ou ”pistas” muito esquemáticas, que auxiliados pelas sugestões do títulos das telas induziam ao espectador reconhecer os objetos de representação. Se nas telas do Cubismo Analítico ainda havia alguma dependência da percepção imediata e da observação direta do motivo, ainda que mediada por uma apreensão bastante intelectualizada e racionalizada, o dilema entre ilusão espacial e representação forçou uma escolha de um dos termos em detrimento do outro. A opção foi pela representação dos objetos, mas uma representação, que para ser coerente, só era possível se fosse destituída de seus atributos “espacializantes”, um tipo de representação imagética, muito esquemática e geral, que nada tem em comum com o processo de percepção e observação da realidade exterior, e cujo vínculo, entre a imagem representada e o objeto exterior, é construído exclusivamente por ligações simbólicas, pertencentes a uma estrutura e ordem diversa das ligações simbólicas promovidas pela representação da perspectiva tradicional, como nos mostra exemplarmente o artigo de Yve-Alain Bois, A lição de Kahnweiler , que mais adiante abordaremos. Este foi o dilema e a etapa fundamental que levou à passagem do Cubismo Analítico para o Cubismo Sintético:

“Foi então que Braque e Picasso se confrontaram com um dilema singular: eles precisavam escolher entre a ilusão e a representação. Se optassem pela ilusão só poderia ser uma ilusão per se – uma ilusão de profundidade, e de relevo, tão geral e abstrata quanto excluiria a representação de objetos individuais. Se, por outro lado, optassem pela representação, teria de ser a representação per se – representação como imagem pura e simples, sem as conotações (pelo menos, sem conotações mais do que esquemáticas) do espaço tridimensional no qual os objetos representados existiam originalmente. Foi a colagem que tornou claro os termos deste dilema: o figurativo só poderia ser restaurado e preservado sobre a superfície plana e literal, agora que a ilusão e o representacional haviam se tornado, pela primeira vez, alternativas mutuamente exclusivas.”^90 Vamos fazer aqui um retrocesso para tomarmos outra linha de argumentação que nos parece igualmente válida, e que pode nos propiciar alguns

(^89) Greenberg, Clement. Colagem em Arte e Cultura. Editora Ática, São Paulo, 1996, p. 87-88. (^90) Greenberg, Clement. Colagem em Arte e Cultura. Editora Ática, São Paulo, 1996, p. 92.

ganhos interpretativos. Vamos retomar a questão desde a interpretação da importância de Les Demoiselles D’Avignon para a formação da linguagem cubista, desta vez não apenas pela visão da crítica tradicional formalista de Golding e Greenberg, mas também pela leitura semiótica de Yve-Alain Bois, cujas bases teóricas estão apoiadas em Roland Barthes.

Yves-Alain Bois argumenta seguindo a interpretação de Daniel Henry Kahnweiler em “Rise of Cubism”, que a presença do elemento primitivo em Les Demoiselles D’Avignon pode ser plenamente explicada através do primitivismo das esculturas de Gauguin, e que este não difere substancialmente da utilização das esculturas ibéricas utilizadas como ponto de partida para o Retrato de Gertrud Stein e de seu Autorretrato. O que estaria em jogo, segundo Kahnweiler, seria apenas uma aproximação morfológica, não muito diferente da já realizada por outros artistas que também estavam envolvidos com a Arte Tribal.

“Com Les Demoiselles D’Avignon, e ao longo dos próximos dois anos, Picasso trabalhou com um tipo de relação morfológica iniciada por Gauguin. Se estes trabalhos são em si mesmos radicalmente novos, eles são as fontes dos ‘cânones deformantes’, em sua conotação, que é nova, mas não essencialmente no modo como usam o modelo. Isto é o que Kahnweiler quis dizer quando afirmou que a verdadeira influência da arte africana na obra de Picasso não aconteceu durante o período “Negro”, mas começou em 1912 depois da descoberta por Picasso da máscara Grebo previamente mencionada. A intuição de Kahnweiler, ao dizer que ‘a descoberta da arte [Grebo] coincide com o fim do Cubismo Analítico’ foi seu entendimento que daí em diante a imitação dos traços formais específicos de um objeto não era mais a questão, mesmo se de certo modo o Violão pareça a máscara Grebo. O que era mais importante era a compreensão de seus princípios, o que Picasso chamou de caráter ‘ raisonnable ’ das esculturas africanas Foram as máscaras [Grebo] que abriram os olhos destes pintores, escreveu Kahnweiler em relação a Picasso e Braque. (...) estes artistas se afastaram da imitação porque descobriram que o verdadeiro caráter da pintura e da escultura não era o de um ‘ script ’. Os produtos destas artes são signos, emblemas, do mundo externo, não espelhos refletindo o mundo exterior de maneira mais ou menos distorcida. Uma vez que isto foi reconhecido, as artes plásticas estão livres da escravidão inerente aos estilos ilusionistas. As máscaras [Grebo] testemunham a concepção, em toda sua pureza, de que a arte busca a criação de signos. A face humana ‘vista’, ou melhor, ‘lida’, não coincide com todos os detalhes do signo, cujos detalhes, por outro lado, não têm significados se isolados. O volume da face que é ‘vista’, não é especialmente encontrado na verdadeira máscara, que apresenta apenas o contorno da face. O volume é visto em algum lugar antes da máscara real. A epiderme da face que é vista existe apenas na consciência do espectador, que, ‘imagina’, que cria o