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Este documento discute o conceito de governança global e suas implicações para as organizações internacionais, economia política e relações sociais. O texto aborda a importância de entender as dinâmicas globais como uma estrutura de poder que gera práticas políticas distintas e mudáveis. Além disso, o documento explora a relação entre espaço e poder, a história da globalização e a importância de incorporar elementos fundamentais para as dinâmicas da economia política global que não se esgotam no nível estadocêntrico.
Tipologia: Exercícios
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A globalização é, ao mesmo tempo, um brado de guerra, um enigma e um teste de Rohrshach Joseph Nye, Jr & John D. Donahue
Um tema de extrema relevância para as Relações Internacionais^1 diz respeito à relação entre ordem, hierarquia e mudança (Palan, 2007). Contudo, em larga medida devido à influência perene da obra canônica de Kenneth N. Waltz (1979), tal temática tem sido historicamente negligenciada. Desde que Waltz apresentou uma teoria estrutural que buscava explicar a continuidade e as repetições – e não as exceções – e definiu o princípio ordenador de tal estrutura como sendo a anarquia, duas questões são recorrentes no centro dos debates: (1) negligência do estudo das variações na hierarquia^2 ; (2) negligência dos estudos sobre mudanças sistêmicas^3. Apesar de tal negligência, o estudo de tal temática se mostra cada vez mais relevante, principalmente quando as atenções são voltadas para um contexto no qual proliferam os estudos sobre a globalização, as mudanças associadas a esta e as discussões sobre o impacto e a dimensão do poder estadunidense – em suma, discussões sobre aspectos fundamentais do ordenamento mundial de meados dos anos 1970 até os dias de hoje. Neste sentido, o presente capítulo busca revisar, a partir de uma perspectiva crítica, a forma como as questões da ordem e da hierarquia têm sido
(^1) Ao longo do texto, a expressão “relações internacionais” concerne a um setor da realidade social, o daquelas relações humanas que se caracterizam por sua qualidade de “internacionais”; já a expressão “Relações Internacionais” concerne à consideração científica sobre a natureza e as consequências de tais relações. 2 A despeito de argumentos como o de John M. Hobson e J. C. Sharman. Segundo estes autores, ao contrário do normalmente se afirma, desde 1648 o sistema internacional continua sendo caracterizado por relações hierárquicas bem como anárquicas. Para maiores detalhes, ver Hobson & Sharman, 2005. 3 Cumpre destacar que, fora do mainstream , o estudo das mudanças sistêmicas permaneceu. Como será visto mais à frente, vide, por exemplo, Wallerstein e a perspectiva do sistema-mundo. Para um livro já clássico no campo que reúne algumas críticas importantes que tocam na negligência de Waltz e do neo-realismo com relação à questão da mudança, cf. Keohane, 1986.
incorporadas em parte dos debates contemporâneos das Relações Internacionais. Para tal, será seguida a seguinte ordem: (a) apresentação de quatro abordagens distintas que tentam lidar com a relação entre hierarquia e mudança na economia política global contemporânea: governança global, sistema mundo, novo imperialismo e pós-modernos (sendo que estes serão vistos a partir de duas perspectivas distintas: (i) a ideia de Império, desenvolvida a partir da obra de Michael Hardt e Antonio Negri; (ii) a ideia de governamentalidade, ligada a uma releitura deste conceito foucaultiano nas Relações Internacionais); (b) definição do termo globalização e, à luz de tal conceito, posterior reflexão crítica sobre o potencial analítico das supracitadas abordagens.
Desde o fim da Guerra Fria proliferam discussões sobre a configuração da ordem mundial então emergente. Surgem assim leituras do ordenamento mundial que, percebendo a ocorrência de certas mudanças na política mundial, passam a incorporar a ideia de hierarquia, o que se contrapõe ao que era a tendência das Relações Internacionais desde 1979 (Waltz, 1979; Lake, 2008): o estudo das relações anárquicas no sistema internacional. Inicialmente, aparecem discussões sobre o surgimento de uma nova ordem mundial caracterizada por uma “governança sem governo” (Rosenau & Czempiel, 2000). O que emerge neste contexto é uma literatura sobre a governança global que é vista, em geral, como um processo caracterizado por transformações nas esferas de autoridade em escala global, pelo aparecimento de uma sociedade civil global, pela atuação de elites transnacionais, e pelo desenvolvimento de comunidades epistêmicas. Não obstante, com o passar do tempo o otimismo pós-Guerra Fria começou a se esvair ao ponto de alguns autores afirmarem que os anos 1990 foram um momento conjuntural cujas mudanças não alteraram as estruturas fundamentais da política internacional (Rosenberg, 2005). Além disso, discussões sobre a pertinência da ideia de império têm despontado nas Relações Internacionais nos últimos anos, principalmente em decorrência do poder estadunidense. A invasão e a ocupação do Iraque e do Afeganistão por coalizões lideradas pelos Estados Unidos são certamente as causas mais imediatas da retomada do conceito de império nos debates teóricos. Assim, tanto
mudanças globais os autores entendem uma série de fenômenos como o fim da Guerra Fria, a intensificação dos processos de globalização econômica, o aumento da difusão de informação em escala global, a reformulação do papel de organizações internacionais, bem como o aparecimento de novos atores que alteraram de maneira significativa as características e relações no sistema internacional. Mudanças concernentes à revolução tecnológica, à ascensão da globalização e ao fim da Guerra Fria, embora distintos acerca de suas características e implicações, teriam contribuído significativamente para a emergência de novos problemas de governança assim como de novos atores na política mundial – como corporações transnacionais, ONGs, movimentos sociais transnacionais e redes transnacionais de ação cívica. Assim, na medida em que os sistemas de governança internacional até então existentes não seriam capazes de lidar com tais questões, surge o conceito de governança global como instrumento para explicar essa nova realidade de mudanças globais (Brühl & Rittberger, 2001; Young, 1999). Em outras palavras, a questão que se coloca neste período não é se a globalização será governada, mas sim como ela será governada (Keohane & Nye Jr., 2000). Neste sentido, são três os diferentes usos identificados por Hewson & Sinclair (1999) dessa incipiente teoria da governança global. O primeiro uso identificado tem relação direta com os debates sobre a globalização econômica – também emergentes na década de 1990. Enquanto as discussões sobre globalização econômica têm seu foco centralizado nas transformações contemporâneas da relação entre Estado e mercado, o conceito de governança global adota uma perspectiva mais ampla a respeito dos mesmos fenômenos de mudança global. Hewson e Sinclair apontam aqueles que seriam os quatro elementos constitutivos dessa abordagem:
a. O primeiro deles é o que Rosenau e Czempiel (1992) identificam como alterações dos repositórios de autoridade entre múltiplos níveis e áreas. Uma das características das mudanças globais seria a redefinição das esferas de autoridade. Essas transformações seguiriam padrões de integração e fragmentação, dispersas sobre diferentes níveis (individual, local, nacional, regional, global), e nas mais diversas áreas específicas; b. O segundo elemento destacado pelos autores é a emergência de uma sociedade civil global. Os mesmos fenômenos de mudanças globais permitiram o estabelecimento de vínculos transnacionais entre organizações não-governamentais e da sociedade civil que passam a se
organizar em escala global. É nessa sociedade civil global que reside o embrião de uma governança global humana para autores como Richard Falk (1995), ou de uma democracia cosmopolita como defende David Held e outros (Archibugi, et. al., 1998); c. Em terceiro lugar Hewson e Sinclair apontam para a formação de elites transnacionais como característica dos processos de mudança global. Assim, ressaltam a possível emergência de uma classe capitalista global composta por parcelas de elites intelectuais, políticas e econômicas. Mesmo que de maneira descentralizada e não coordenada, essas elites transnacionais promoveriam uma agenda liberal no sistema internacional; d. O último elemento relacionado pelos autores é o fortalecimento de comunidades epistêmicas associadas ao conhecimento técnico-científico. Tal fato é devido ao desenvolvimento e predomínio de novas tecnologias de conhecimento econômico emergente, em especial às tecnologias da chamada revolução informacional.
O segundo uso de uma teoria da governança global é proveniente da teoria de regimes nas Relações Internacionais. Na verdade, haveria uma ampliação das abordagens focadas em regimes internacionais em áreas específicas para a idéia de um sistema internacional de governança. O conceito de um sistema de governança explora a existência de regimes múltiplos e sobrepostos, expandindo assim as possibilidades da teoria de regimes. Trabalhos como os de Oran Young (1990) sobre os regimes de meio- ambiente, de Ernst-Otto Czempiel (1992) sobre conflitos internacionais e corrida armamentista, e de Karl Holsti (1992) sobre a longa paz na Europa, são exemplos de articulações amplas de sistemas internacionais de governança. Todavia, a abordagem da teoria de regimes dá preferência à utilização de sistema internacional de governança em detrimento do conceito de governança global. Além de indicar seu foco específico em determinados atores e processos no sistema internacional, a teoria de regimes não aborda a possibilidade do conjunto total de regimes internacionais constituir um sistema internacional de governança. Por fim, o terceiro uso dessa teoria da governança global advém dos impactos das mudanças globais nas organizações internacionais. Com relação às organizações internacionais, três processos teriam gerado expectativas em torno de uma emergente governança global:
Figura 2. Elementos da Governança Global Emergente
associada com conhecimento^ Autoridade epistêmica profissional
Instituições com
Tecnologias infraestruturais associadas com conhecimento econômico emergente
Fonte: Hewson & Sinclair, 1999, p. 18
Tais autores são claros ao apontar que o terceiro uso do conceito de governança global por eles identificado é, sem dúvida, o mais difundido de todos. A idéia de governança global tem cada vez mais sido relacionada às práticas das diversas organizações internacionais que regulamentam de alguma maneira as diferentes esferas do sistema internacional. Todavia, tal vinculação entre organizações atuando em escala global e padrões de governança não é tão simples (Wilkinson, 2002). Em primeiro lugar, não são apenas as grandes organizações governamentais de ampla projeção internacional como ONU, FMI e OMC que produzem padrões de governança. Instituições menores, de menor projeção, públicas ou privadas, e das mais variadas estruturas também são fontes de governança. Em segundo lugar, a interação entre as diversas instituições fontes de governança se desenvolve por meio de novos tipos de relações antes inexistentes. Além da emergência de novos atores no sistema internacional, a interação entre essas instituições ocorre de maneira descentralizada, através de múltiplos níveis, englobando diferentes áreas específicas.
Dessa forma, a governança global pode ser vista como os vários padrões nos quais os atores globais, regionais, nacionais e locais combinam para governar áreas particulares. A governança global, então, não é definida simplesmente pela emergência de novos atores ou de pontos de autoridade; em lugar disso diz respeito a uma crescente complexidade na forma na qual os atores interagem e inter-relacionam ( Ibid ., p. 2). A governança global não é estática e bem delimitada; ela é mais bem entendida como um processo dinâmico e ainda emergente. Ainda, é possível identificar níveis variados de institucionalização da governança entre as diversas áreas específicas. A existência ou não de instituições e práticas amplamente difundidas e consideradas legítimas varia de acordo com a área analisada. É comum utilizar-se a área econômica como exemplo de uma esfera do sistema
internacional na qual a governança global encontrar-se-ia altamente desenvolvida, contando com a presença de proeminentes organismos internacionais e conhecimento técnico especializado. É preciso ressaltar também que os tipos de instituições envolvidas nas práticas da governança global variam tanto quanto as áreas específicas em que atuam. Em determinadas áreas, normas e tratados internacionais são partes integrantes da governança em igual ou maior medida que organizações internacionais propriamente ditas. O direito internacional, normas ambientais ou padrões trabalhistas, por exemplo, são elementos integrantes da governança global juntamente com organizações internacionais com sedes físicas e burocracias estabelecidas. Alguns exemplos da diversidade de instituições que influenciam processos dessa emergente governança global são: as diversas agências do sistema ONU, o Banco Mundial, a OMC, o FMI, instituições como o sistema G7/8 e o Fórum Econômico Mundial em Davos, associações privadas como a Câmara Internacional de Comércio, agências de classificação risco, grandes oligopólios nas áreas de seguros, contabilidade, consultoria de alta tecnologia, escritórios de direito internacional, conglomerados de mídia e telecomunicações, organizações não-governamentais como a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional, o Greenpeace e a WWF, Oxfam, ou as manifestações do Fórum Social Mundial, bem como representações de movimentos religiosos, e associações políticas em escala global (Wilkinson, 2002). Em suma, com o fim da Guerra Fria pode-se perceber o surgimento de uma “nova ordem mundial” caracterizada por um processo emergente de institucionalização de padrões e práticas nas diversas esferas do sistema internacional, por meio de novas formas de interação múltiplas entre atores novos e tradicionais em nível local, nacional, regional, e global. Na medida em que tais padrões de interações e processos ocorrem cada vez mais em níveis não estatais, faz-se fundamental percebê-los como uma espécie de “governança sem governo”, ou seja, como uma governança global na qual outros critérios não-estatais de ordenamento passam a prevalecer. É neste sentido que as abordagens da governança global podem ser vistas como distintas das teorias de relações internacionais assim como do direito internacional (Porter, 2009): as primeiras seriam capazes de ver os espaços transnacionais como contendo algo relevante para a governança, mais propriamente do que apenas um lugar no qual os Estados interagem.
economia-mundo conter em seus limites não um, mas múltiplos sistemas políticos. Na verdade, apenas o sistema-mundo moderno desenvolveu uma estrutura política composta por unidades políticas autônomas, Estados ditos “soberanos” em uma delimitada área geográfica, estrutura política esta que garante a continuidade de uma lógica de mercado parcialmente livre – que é a condição sine qua non para a acumulação do capital em escala sistêmica. É fundamental perceber, neste ponto, que tal ênfase no papel dos Estados não implica, necessariamente, uma contradição com a crítica feita por Wallerstein às abordagens estadocêntricas. O foco da análise do sistema-mundo é a negação do Estado como unidade de análise – o que não significa a exclusão dos Estados como sendo instituições do moderno sistema-mundo (Arrighi, 1996a). Assim, a economia-mundo capitalista e o sistema moderno de Estados não são inovações históricas separadas que se articulam: ambos se desenvolveram simultaneamente, sendo a existência de um dependente da existência do outro (Wallerstein , 1996b). Consequentemente, os capitalistas ganham uma capacidade de articulação e mobilidade que tem uma base estrutural, o que possibilitou a expansão econômica e geográfica constante do sistema mundial moderno para além de suas fronteiras europeias iniciais. Neste processo, foram incorporados novas áreas e povos em sua divisão do trabalho até que, por volta do final do século XIX, seus processos de acumulação e reprodução cobriam todo o mundo, sendo assim o primeiro sistema-mundo na história a atingir esta condição – apesar da distribuição desigual de seus frutos ( Idem, 1990; 1996b; 2004a). Tal distribuição desigual deriva de uma das características definidoras de um sistema-mundo, a saber, sua divisão do trabalho. Assim, é possível perceber, no caso do sistema-mundo moderno, a existência de “(...) um todo espaço- temporal (grifo do autor) cujo escopo espacial coincide com o eixo da divisão social do trabalho que integra as suas partes constituintes” (Mariutti, 2004, p. 97). As atividades mais lucrativas tendem a se concentrar geograficamente em certas áreas reduzidas da economia-mundo, chamadas de centro. Já as atividades de menor lucratividade tendem a ser mais dispersas geograficamente. Estas áreas são chamadas de periferia. Neste sentido, percebe-se que a divisão do trabalho que ocorre na economia-mundo capitalista diz respeito a uma hierarquia de tarefas que dependem de níveis distintos de qualificação e capitalização, o que tem impacto significativo na lucratividade e, por conseguinte, implicam a transferência de mais-valia da periferia para o centro ( Ibidem ).
Contudo, há um elemento extremamente significativo que contribui para a complexificação deste processo, a saber, a semiperiferia. Trata-se de
“(...) um elemento estrutural necessário numa economia-mundo. (..) São pontos colectores ( sic ) de qualificações vitais, com freqüência politicamente impopulares. Estas áreas intermédias desviam parcialmente as pressões políticas que os grupos localizados primariamente nas áreas periféricas poderiam noutro caso dirigir contra os estados do centro e os grupos que operam no interior e através dos seus aparelhos de Estado. Por outro lado, os interesses localizados basicamente na semiperiferia acham-se no exterior da arena política dos estados do centro, e é-lhes difícil prosseguir os seus fins através de coligações políticas que poderiam abertas para eles se estivessem na mesma arena política” (Wallerstein, 1990, p. 339).
Assim, percebe-se que a semiperiferia, na medida em que atua, ao mesmo tempo, como área periférica com relação ao centro e como área central em relação à periferia, contribui para a perpetuação do sistema-mundo moderno reduzindo a tensão existente entre os extremos. Além disso, também exerce um papel dinamizador, uma vez que, em períodos de contração econômica, alguns Estados semiperiféricos podem obter vantagens e, em função de sua constituição híbrida, ameaçar o centro do sistema (Wallerstein, 1996b; Mariutti,
(^4) Para uma análise detalhada do conceito de semiperiferia, sua relação com os conceitos de industrialização e desenvolvimento bem como com o processo de estratificação da economia-mundo, ver Arrighi & Drangel, 1986 e Arrighi, 1990. 5 Consequentemente, para Wallerstein as relações de produção são determinadas por sua posição da estrutura centro-periferia. É interessante neste ponto notar a discordância entre Wallerstein e Arrighi: para este, seria possível, em uma mesma localização periférica, encontrar três padrões distintos de desenvolvimento que se
militar – a despeito da relevância desta em tal processo – mas a primazia em termos de eficiência produtiva na economia-mundo (Wallerstein, 1996b). Ou seja, um Estado se torna hegemônico a partir da eficiência de suas ações durante os processos de expansão competitiva em comparação com os demais Estados. Nestes processos, as ações realmente eficientes são apenas um reflexo das propriedades estruturais do sistema-mundo moderno ( Ibidem ). De acordo com Arrighi (e Silver), este seria um limite de Wallerstein:
“(...) foi com base nisso que consideramos falho o modelo de Wallerstein. É que nossa investigação revelou que a ascensão das nações hegemônicas no mundo moderno não foi um mero reflexo de propriedades sistêmicas. As propriedades sistêmicas agem, de fato, como forças coercitivas e ordenadoras na escolha dos Estados que se tornam hegemônicos. Mas, em todos os casos, a hegemonia também implicou uma reorganização fundamental do sistema e uma mudança de suas propriedades” (Arrighi & Silver, 2001, p. 35).
A partir de tais constatações, e a despeito de tais divergências, tanto Wallerstein quanto Arrighi identificam uma mudança sistêmica em curso no sistema-mundo moderno. De acordo como Wallerstein, desde os anos 1970 os Estados Unidos tem perdido força como potência global, sendo a resposta dada aos ataques terroristas de 11/09/2001 apenas um elemento de aceleração deste processo. Neste sentido, o êxito dos Estados Unidos no século XX levou a sua afirmação como potência hegemônica no período pós-II Guerra Mundial mas também criou as condições para que essa hegemonia fosse, ao longo do tempo, minada. Neste processo, seria possível perceber três fases na geopolítica do sistema-mundo: de 1945 aos anos 1970, houve um período de hegemonia dos Estados Unidos, que começou a declinar na segunda fase, de 1970 a 2001. Neste período o declínio foi amenizado pelas políticas adotadas pelos Estados Unidos neste sentido. Desde então, na terceira fase, os Estados Unidos tem buscado recuperar sua hegemonia no sistema através da adoção de políticas unilaterais, o que tem tido um efeito contrário, de acelerar e aprofundar a crise da hegemonia dos Estados Unidos (Wallerstein, 2006). Tal crise contemporânea se deve ao fato do contexto atual ser o de término do longo ciclo hegemônico (1873-2025/2050). Como visto, o ponto de transição para tal crise ocorreu na transição da primeira para a segunda fase, entre 1967 e 1973: este período se caracterizaria por ser o pico de duas curvas cíclicas: em primeiro lugar, de um ciclo mais curto, de Kondratieff, de 1945 aos anos 1990; em segundo lugar, do longo ciclo hegemônico supracitado (Hopkins & Wallerstein, 1996).
competitivas que tem promovido e sustentado a transformação capitalista do sistema-
Quatro símbolos podem ser usados para capturar tal declínio: (1) guerra do Vietnã; (2) revoluções de 1968; (3) queda do muro de Berlim em 1989; (4) ataques terroristas de 11/09/2001. Todos estes eventos, vistos em seu conjunto, remetem à situação dos Estados Unidos nos dias atuais: “uma superpotência solitária à qual falta um verdadeiro poder, um líder mundial que ninguém segue e poucos respeitam, e uma nação perigosamente à deriva, imersa em um caos global que não pode controlar”; em suma, as origens de tal declínio da hegemonia estadunidense se explicaria pelo fato de que “os fatores econômicos, políticos e militares que contribuíram para a hegemonia dos Estados Unidos são os mesmos fatores que produzirão (seu) iminente declínio” (Wallerstein, 2004b, p. 25; 21). Segundo Arrighi, a ideia de ciclos sistêmicos de acumulação seria capaz de captar este processo, em especial no que diz respeito à identificação das fases de expansões financeiras sistêmicas como “(...) momentos de transformação estrutural do moderno sistema de Estados nacionais soberanos”. Além disso, fazendo alusão a Braudel, “como ‘outono’ dos grandes avanços capitalistas, as expansões financeiras são também o outono das estruturas hegemônicas em que se inserem esses avanços” (Arrighi & Silver, p. 41; 42). Tais fenômenos seriam perceptíveis na atual conjuntura do sistema-mundo moderno, o que apontaria, segundo o autor, para a existência de uma transição da hegemonia estadunidense 7.
Após os ataques de 11/09/2001, é possível perceber a multiplicação de reflexões buscando entender os processos subjacentes ao imperialismo estadunidense e seus desdobramentos 8. Partindo de uma inspiração marxista,
mundo eurocêntrico” (Arrighi, 1996a, p. 6). 7 Neste contexto, segundo Arrighi (em dois artigos nos quais o autor busca se engajar no debate sobre o resgate dos termos império e imperialismo – Arrighi, 2005a e 2005b) a invasão ao Iraque seria resultado de um cálculo equivocado por parte dos neoconservadores estadunidenses; como conseqüência, ao invés de contribuir para a manutenção da hegemonia dos Estados Unidos, tal curso de ação acabou por comprometer tal hegemonia. Para o autor, “a China é a verdadeira vencedora da Guerra Contra o Terrorismo” e a débâcle do projeto do Novo Século Americano “provavelmente marca o fim inglório da longa luta de sessenta anos dos Estados Unidos para se tornar o centro de organização de um Estado mundial” (Arrighi, 2005b, p. 115). 8 Na verdade, certas preocupações teóricas acerca de um “novo” imperialismo são anteriores aos ataques de 11/09/2001. Em primeiro lugar, o volume 40 do Socialist Register, que traz uma série de artigos tratando especificamente da temática do “novo” imperialismo, “(...) foi originalmente concebido na primavera de 2001, consideravelmente antes do 11 de setembro de 2001, e muito mais da invasão do Iraque em 2003”. De acordo com seus editores, “parecia-nos que uma limitação cada vez mais séria do
uma base nacional e a consequente intensificação da competição em uma escala mundial entre os capitais nacionais (Brewer, 1990). A principal contribuição de Rudolf Hilferding para a teoria do imperialismo se deu através do conceito de capital financeiro. Para o autor, o desenvolvimento dos monopólios e dos cartéis levou a um novo tipo de protecionismo que buscava limitar ou eliminar a concorrência estrangeira no mercado interno. Não obstante, os preços de monopólio, via de regra, tendem a diminuir as vendas internas. Assim, as exportações passam a ser cada vez mais importantes para a manutenção e extensão da produção em grande escala. Concomitante a este processo nota-se o surgimento de um novo tipo de expansionismo a partir da exportação de capital, que amplia a região econômica e a escala de produção, desenvolvendo a produção em áreas onde o trabalho é muito barato e ajuda a manter uma taxa de lucro elevada. Ora, tal expansão requereria o apoio e a intervenção estatal para a aquisição e a manutenção do controle sobre as novas áreas econômicas, o que acarreta em políticas expansionistas nacionais e na intensificação do conflito entre as potências capitalistas (Hilferding, 1985). Lênin em seu panfleto sobre o imperialismo caminha, por sua vez, mais próximo dos argumentos de Bukharin (1984) que desenvolve a análise de Hilferding a partir da percepção de duas tendências em operação no mundo da época: por um lado, a tendência ao monopólio e à formação dos grupos identificada por Hilferding; por outro, a aceleração da expansão geográfica do capitalismo pelo mundo. Em conjunto, tais tendências levavam a uma competição na qual a anexação e a guerra eram instrumentos possíveis na relação entre os Estados capitalistas. A partilha do mundo entre as maiores potências capitalistas acirraria, assim, a rivalidade entre elas levando ao conflito entre tais potências. Em suma,
“O imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo à partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências capitalistas” (Lênin, 1979, p. 88).
As teorias marxistas clássicas do imperialismo seriam inspiradoras na medida em que levantaram importantes questões para serem respondidas a partir do arcabouço desenvolvido por Marx, como por exemplo questões concernentes ao nacionalismo, à questão nacional, às alianças de classe, ao papel dos monopólios, à relação entre formações sociais não-capitalistas e o processo de acumulação primitiva, dentre outras (Callinicos, 2009). Contudo, a
resposta dada pelos teóricos clássicos seria insatisfatória para muitos autores contemporâneos. Para se entender os impérios em geral deve-se identificar como se dá a combinação específica dos seguintes elementos: “(...) organização territorial, modos de criação e distribuição de riqueza e dinâmicas de auto-entendimento cultural específicas de cada experiência imperial” (Colás, 2007, p. 5). Sendo assim, de acordo com Ellen Wood, as teorias clássicas tiveram seu valor na época em que foram desenvolvidas; hoje, em um contexto no qual o capitalismo se tornou um sistema econômico mundial, se faz necessário uma nova teoria do imperialismo, que seja capaz de lidar com o “novo” imperialismo. David Harvey concorda com a inadequação contemporânea dos clássicos apontada por Wood, mas acrescenta que tais autores não foram capazes de apresentar respostas convincentes nem mesmo para seus contextos, sendo incapazes de lidar com as dinâmicas espaço-temporais constitutivas do sistema imperialista global (Harvey,
(^9) Neste caso, Alex Callinicos se aproxima do argumento levantado por Harvey na medida em que vê o fenômeno do imperialismo a partir da interseção entre duas lógicas distintas de poder – a competição econômica e a competição geopolítica – que ainda operariam contemporaneamente (Callinicos, 2009). 10 De acordo com os autores, “se os capitalistas se voltaram para a exportação de capitais e para o comércio em mercados estrangeiros, não foi tanto devido ao fato de a centralização e concentração do capital terem anunciado uma nova etapa marcada pela queda da taxa de lucro, pela sobreacumulação e/ou pelo subconsumo. Pelo contrário, dado o processo que anteriormente havia permitido às unidades individuais de capital sair de suas locações originais em determinados povoamentos ou cidades, foi mais a aceleração das pressões competitivas e das oportunidades, acompanhada pelas estratégias e pelas capacidades emergentes dos capitalismos em desenvolvimento, o que deu impulso, e facilitou, o expansionismo internacional do final do século XIX e início do século XX. (...) O imperialismo capitalista, portanto, precisa ser compreendido mediante uma extensão da teoria do estado capitalista e não como uma derivação direta
interesses. Contudo, a posterior ascensão da Alemanha e do Japão, o abandono dos acordos de Bretton Woods a partir dos anos 1970 e a subsequente crise de sobreacumulação colocavam a necessidade de reconfiguração de tal ordem imperial. Desta forma, algo significativamente radical ocorreu no capitalismo global após os anos 1970. Os processos de transição trazidos à tona pelo neoliberalismo no período em questão – e que se consolidaram nos anos 1990 ao redor do “Consenso de Washington” – são assim, fundamentais neste processo de construção de um “novo” imperialismo a partir dos anos 1970, que buscava assim pôr abaixo quaisquer barreiras à acumulação do excedente em uma escala mundial. Neste processo, os Estados Unidos tiveram um papel ímpar. Através da articulação da volatilidade os Estados Unidos buscaram preservar sua posição de destaque no capitalismo global, auferindo os benefícios da ordem global internacional enquanto distribuem os custos entre os demais países (Gowan, 2003). O imperialismo estadunidense contemporâneo seria, assim, parte do ordenamento internacional pós-II Guerra Mundial que foi construído tendo os Estados Unidos como potência capitalista central. Com o colapso da União Soviética, as elites estadunidenses viram a oportunidade de reordenar de maneira unilateral os mercados de energia, as estruturas políticas e o equilíbrio estratégico a favor dos interesses estadunidenses – por meios pacíficos quando isso foi possível e pela força quando foi necessário. Conforme as teorias do “novo” imperialismo, os resultados de tais políticas serão provavelmente contraditórios e de consequências dolorosas tanto para os Estados Unidos quanto para o mundo. Em suma, a despeito das divergências acima elencadas, é possível perceber pontos comuns aos “novos” imperialistas (Sutcliffe, 2006): em primeiro lugar, os autores que tem trazido à tona esse debate concordam que a política mundial contemporânea é qualitativamente distinta daquela que inspirou as discussões e derivações analíticas das teorias marxistas clássicas do imperialismo. Por outro lado, em segundo lugar, tais autores não concordam que tal mudança da política mundial contemporânea com relação ao período que vai do final do século XIX ao início do século XX implique o surgimento de uma política mundial na qual os Estados perderam sua importância e poder, conforme afirmam Hardt & Negri (2001) em o Império. Cumpre oportuno, assim, voltar as
em andamento, substituirei a seguir esses termos pelo conceito de ‘acumulação por espoliação’” (Harvey, 2004, p. 121).
atenções neste momento para tais autores e seu conceito de Império – bem como para outros autores que também se inspiram em fontes pós-estruturalistas para a construção de seu raciocínio.
Nos últimos anos é possível perceber a proliferação de abordagens inspiradas pelo pós-estruturalismo nos estudos internacionais. Em especial, com a publicação de Império , de Michael Hardt e Antonio Negri (2001), muitos estudiosos das relações internacionais passaram a dar uma atenção para os conceitos foucaultianos de biopoder e governamentalidade. Contudo, nem todos os que resgatam tal aparato teórico-conceitual para o entendimento das Relações Internacionais compartilham da visão desenvolvida por Hardt e Negri, sendo assim possível perceber a existência de duas amplas e distintas abordagens de inspiração foucaultiana nas Relações Internacionais: a ideia de Império, elaborada por Michael Hardt e Antonio Negri, e a releitura da ideia foucaultiana de govenamentalidade.
Uma das releituras contemporâneas mais instigantes, importantes e controversas do conceito de império é a de Michael Hardt e Antonio Negri. Império (2001) e Multidão (2005) são obras extremamente ambiciosas, que buscam lidar com diversos temas concernentes às ciências sociais e às humanidades de maneira geral 12. Império, em especial, foi, no início dos anos 2000, ovacionado como uma das principais obras vinculadas ao movimento altermundialista – a despeito de não se tratar de um produto do movimento nem de uma leitura corrente entre os ativistas deste meio (Camfield, 2007). Segundo tais autores, um dos elementos fundamentais associados à modernidade concerne às práticas materiais e imanentes da multidão que refundam, de uma maneira radical, questões relacionadas ao conhecimento e à autoridade. Em última instância, a modernidade se constitui pela rejeição do
(^12) Multidão “(...) é a continuação de (...) Império (grifo dos autores), que tratava da nova forma global de soberania. ( Império ) tentava interpretar a tendência (grifo dos autores) da ordem política global em seu período de formação, ou seja, identificar como, a partir de toda uma série de processos contemporâneos, vem surgindo uma nova forma de ordem global que chamamos de Império” (Hardt & Negri, 2005, p. 10).