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2 HENRY BERGSON, O FILÓSOFO DO TEMPO, Notas de estudo de Lógica

Ele tentou explicá-las, entendê-las, conceitua-las ao longo de toda sua obra literária e filosófica. Henry Bergson foi um filósofo francês (nasceu em Paris em ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Carioca85
Carioca85 🇧🇷

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HENRY BERGSON, O FILÓSOFO DO TEMPO
“Foi a análise da noção de tempo que perturbou todas as minhas idéias.”27
Henry Bergson
A fotografia é a mídia do tempo. Nosso foco nesse trabalho é justamente
as fotografias de Hiroshi Sugimoto e esse diálogo íntimo que ele faz entre suas
obras fotográficas e a questão do tempo e da memória. Mas o que é o tempo,
como explicá-lo? Estamos aqui falando do tempo, das diferentes maneiras de
entender o tempo, das diferentes questões referentes ao tempo mas, na verdade,
descrever o tempo, defini-lo em conceito é extremamente difícil. Nós temos uma
experiência constante do tempo através das mudanças dos estados da nossa
consciência e do mundo exterior. No entanto, esse tempo é de alguma maneira
preenchido por fenômenos e em conseqüência nos apresenta fenômenos
temporais e não o tempo em si. Expor o tempo e conceituá-lo é uma tarefa muito
complexa e espinhosa. Encontramos no caminho inúmeras dificuldades, pois o
tempo é imaterial, universal e infinito. Sua natureza é fugidia e de difícil
tradução, nós que queremos conceituar o tempo estamos mergulhados nele. Como
relatou tão bem Santo Agostinho em suas Confissões:
O que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o
poderá apreender, mesmo com o pensamento, para depois nos traduzir por
palavras o seu conceito? (...) Quando dele falamos, compreendemos o que
dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O
que é, por conseguinte, o tempo?28
Proponhamos uma definição geral para tentar contornar essas
dificuldades: o tempo é a dimensão universal, necessária e mensurável da
sucessão irreversível dos fenômenos. Essa definição associa claramente a idéia de
tempo à idéia de sucessão, pois o tempo pressupõe mudanças, e a mudança se
define como uma sucessão de estados. A idéia de sucessão pressupõe a idéia de
diferença. Graças a nossa recordação e experiência, a nossa percepção (como o
27 BERGSON, 1991, pg. 1561.
28 Santo Agostinho, Confessions, L. XI, cap. XIV. Paris: Garnier – Flammarion, 1964.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710579/CA
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HENRY BERGSON, O FILÓSOFO DO TEMPO

“Foi a análise da noção de tempo que perturbou todas as minhas idéias.”^27 Henry Bergson A fotografia é a mídia do tempo. Nosso foco nesse trabalho é justamente as fotografias de Hiroshi Sugimoto e esse diálogo íntimo que ele faz entre suas obras fotográficas e a questão do tempo e da memória. Mas o que é o tempo, como explicá-lo? Estamos aqui falando do tempo, das diferentes maneiras de entender o tempo, das diferentes questões referentes ao tempo mas, na verdade, descrever o tempo, defini-lo em conceito é extremamente difícil. Nós temos uma experiência constante do tempo através das mudanças dos estados da nossa consciência e do mundo exterior. No entanto, esse tempo é de alguma maneira preenchido por fenômenos e em conseqüência só nos apresenta fenômenos temporais e não o tempo em si. Expor o tempo e conceituá-lo é uma tarefa muito complexa e espinhosa. Encontramos no caminho inúmeras dificuldades, pois o tempo é imaterial, universal e infinito. Sua natureza é fugidia e de difícil tradução, nós que queremos conceituar o tempo estamos mergulhados nele. Como relatou tão bem Santo Agostinho em suas Confissões : O que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? (...) Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? 28 Proponhamos uma definição geral para tentar contornar essas dificuldades: o tempo é a dimensão universal, necessária e mensurável da sucessão irreversível dos fenômenos. Essa definição associa claramente a idéia de tempo à idéia de sucessão, pois o tempo pressupõe mudanças, e a mudança se define como uma sucessão de estados. A idéia de sucessão pressupõe a idéia de diferença. Graças a nossa recordação e experiência, a nossa percepção (como o (^27) BERGSON, 1991, pg. 1561. (^28) Santo Agostinho, Confessions , L. XI, cap. XIV. Paris: Garnier – Flammarion, 1964.

que soa aos nossos ouvidos, ou o que vemos diante de nossos olhos) no presente confronta-se com o latente: o que virá confronta-se ao explícito e ao latente no momento presente. Aquilo que está soando adquire significação por contraposição à recordação da memória, e o produto dessa confrontação presente antecipa, por uma espécie de lógica do sentido, o que virá e o que atua, também, presentemente. Outra questão do tempo é sua irreversibilidade, ou seja, a impossibilidade de inverter a direção do tempo e de reproduzir um acontecimento passado. Essa é a essência da temporalidade e, em função deste princípio, cada acontecimento é único apesar das semelhanças superficiais da experiência. Essa irreversibilidade é própria do tempo, em contraste com a memória que pode ir e vir em qualquer direção. O vivenciado, no tempo, não volta jamais. A medição é outro aspecto que está intimamente associado à idéia de tempo. É na elaboração racional e tecnológica dos instrumentos de medida do tempo que se produz o elemento mensurável. Aristóteles definia o tempo como “a medida do movimento.” 29 Realmente, estabelecer uma unidade de tempo, compará-la a outros segmentos temporais de acordo com uma quantidade calculável é também indissociável da experiência do tempo. Isso se deve muito aos ritmos naturais, facilmente observados a todo o momento na natureza: os dias e as noites, as estações, os deslocamentos dos planetas, os ciclos lunares, o movimento dos astros, por exemplo. Lendo textos de Platão, Aristóteles e Homero, podemos perceber que a Antiguidade clássica grega era uma época que subordinava o tempo a essa percepção exterior dos ciclos naturais. Nós não podemos conceber a supressão do tempo, assim como do espaço, pois a temporalidade coincide com o movimento de nossas vidas, com as mudanças externas do mundo, com a própria existência. Existe uma conceituação de tempo racional e mensurável ligada à idéia de sucessão aristotélica, de percepção exterior ou de um conceito de tempo orientado e irreversível. Mas o tempo não é só medição lógica, o tempo dito real não pode (^29) ARISTÓTELES. Física. Livro IV.

movimentos exteriores a nós.”^31 Essas simultaneidades, continua ele, traduzem nossa incapacidade de exprimir a natureza do tempo real, elas são “simples visões mentais, que balizam com paradas virtuais a duração consciente e o movimento real.”^32 O tempo real é aberto, fluido, não compreende limites, não compreende instantes, não se detém, escoa infinitamente, perpetua mudanças contínuas. Diante dessas dificuldades e dessa tendência que o tempo tem de nos escapar, tentamos ordenar o instável, é uma necessidade para nós, uma espécie de sobrevivência. É importante para nosso corpo e para nossa ação, “traçar divisões na continuidade da extensão, cedendo às sugestões da necessidade e aos imperativos da vida prática.”^33 “A inteligência humana, que é uma faculdade dirigida para a ação, tende a procurar o estável, a construir um campo de estabilidade em que possamos agir para a vida.” 34 Ou seja, traçamos uma divisão entre o tempo real, que é de difícil acesso, sempre fugidio, em mutação, extremamente inconstante e que Bergson dá o nome de duração e que seria o tempo “em que agimos”, e o tempo da vida prática, necessário para nossas ações cotidianas, útil para nosso conhecimento usual e científico, próprio a nossa constituição intelectual e que ele chama de tempo “ em que nos vemos agir.”^35 Esse tempo objetivo, útil e natural, é um tempo ligado ao espaço, como diz Bergson, um movimento aplicado contra um espaço percorrido. O que fazemos é simplesmente coincidir a trajetória com o trajeto. E esse trajeto, inserido no espaço, é uma malha divisível e controlável, mas fácil de entendimento, compreensão e apreensão. Com isso objetivamos o tempo, e inserindo-o no espaço, o tornamos científico. A geometrização do espaço ou “matematização” do universo permite concebê-lo como uma escrita de caracteres matemáticos. Porém, esse método só ajuda a explicar o que se produz mecanicamente, de jeito sempre igual, e no fundo, acaba sendo uma realidade abstrata. A realidade das ciências não vive, como podemos dizer, por exemplo, de uma obra artística, que está sempre em movimento. Bergson quer justamente pensar o que escapa à ciência, ou seja, ele quer pensar a realidade viva, em (^31) BERGSON, 2006, pg. 67. (^32) Idem, Ibidem, pg. 71. (^33) Idem, Ibidem, pg. 246. (^34) PINTO, 2004, pg. 59. (^35) BERGSON, 2006, pg. 217.

constante transformação e mudança. É o caso de substituir um pensamento instrumental por um pensamento vivo, a vida não está susceptível a leis e quantificações matemáticas a que está um objeto material. A filosofia de Bergson seria uma filosofia da vida, que casaria com o real sem que nenhuma mediação diminua a intimidade. Como diz a teórica Ana Maria Baptista, o homem “é um ser exilado em seu próprio tempo.”^36 Apesar de sua utilidade prática, Bergson critica o tempo dos cientistas, o tempo objetivo mensurável, pois para ele esse tempo não seria o tempo real, mas um tempo esquemático e espacial, incompatível com o tempo que é o próprio tecido do real, ou seja, o tempo que Bergson, como já dissemos antes, define como sucessão, continuidade, mudança e criação: o tempo subjetivo. Esse tempo não é espaço, ele escapa às matemáticas e às medições, ele é passagem, mudança, transformação, devir. Mais uma vez, em seu ensaio Duração e Simultaneidade , Bergson se utiliza de uma comparação entre o tempo subjetivo e a melodia musical. A música é mais do que apenas fragmentos de notas, ritmos e métricas, é mais do que instantes separados na partitura para facilitar a ação do músico, ela é obra ativa na sua performance - móvel, dinâmica e viva - e mantém uma interação com o ouvinte, também ativo, com sua consciência e sua memória. Uma melodia que ouvimos com os olhos fechados, pensando apenas nela, está muito perto de coincidir com esse tempo que é a própria fluidez de nossa vida interior; mas ainda tem qualidades demais, determinação demais, e seria preciso começar por apagar a diferença entre os sons, e depois abolir as características distintivas do próprio som (...) para encontrar por fim o tempo fundamental. Assim é a duração (...).^37 Chamamos de temporalidade subjetiva uma temporalidade vivida através das mudanças sucessivas da consciência interior. Henri Bergson acredita que a noção de tempo não se dá fora da consciência, e, se o tempo é um dado imediato da consciência, sua objetividade é de ordem subjetiva: uma duração interior. O que ocorre é que, em qualquer instante da vida, esse ser que antecipa o futuro concomitantemente conserva o passado (...). Se olharmos com atenção o que se passa na nossa relação com o real, verificamos justamente que algo se passa, isto é, estamos sempre diante de algo que está se passando, portanto é passado, já (^36) BAPTISTA; PEREIRA, 2007, pg. 305. (^37) BERGSON, 2006, pg. 52.

prolongamento contínuo do passado no presente que penetra no futuro, um fluxo substancial da vida e do espírito, uma realidade movente, una e simples. A duração é instável, misturada de tempos vividos, imóvel, subjetiva. Em contraposição ao instante que seria uma criação facilitadora, calcado na divisibilidade do espaço, e que amenizaria a duração. A duração, qualitativa, descontínua, apreendida como dado imediato da consciência, se opõe a um tempo espacializado, estável, quantitativo, lógico e possível de reconstrução artificial pela inteligência. Temos o verdadeiro tempo da consciência como um tempo não intelectualizado e externo, mas solto, livre e interno. Bergson não quer ser espectador de seu pensamento, mas ator. É real não o que uma inteligência concebe, mas tudo que é percebido e perceptível: um fato real é um fato experimentado ou vivenciado por uma consciência. Mas um fato vivenciado antes dos conceitos ou dos símbolos, pois os conceitos não permitem jamais apreender um real original. A inteligência, e com ela, a linguagem, não dá conta de abranger o real. Bergson demonstra ao longo de sua obra que a inteligência está ligada à percepção e ao corpo, e a percepção seria um processo de recorte do real com a finalidade de orientar o nosso corpo para a ação. Mas a realidade ultrapassa a percepção e essa ação que se dá no âmbito dos objetos materiais não abarca a totalidade da duração. Ou seja, a inteligência é um pensamento calcado na matéria, está destinada ao conhecimento da dimensão material do universo e aplica-se perfeitamente aos fenômenos físicos de nossas ciências positivas, mas a ciência não explica o real, o simboliza. Enquanto o pensamento imediato é o pensamento das coisas, o pensamento simbólico é apenas uma duplicação. “A inteligência é um produto da evolução, e só por isso já se mostraria incompleta para dar conta do movimento evolutivo como um todo.”^41 Precisamos então de uma certa ingenuidade, de uma consciência “não prevenida”, de uma intuição que nos permita esgotar de novo o real da sua essência. Bergson define metaforicamente a intuição como um tipo de simpatia espiritual na qual nos transportamos para dentro do objeto para apreender o que a (^41) PINTO, 2004, pg. 50.

inteligência é incapaz de exprimir. “Pela intuição entra-se no objeto (...). Assim, esse objeto nos fala de sua realidade e não daquela que se quer que ele tenha.” 42 A experiência intuitiva nos leva para dentro do objeto e de seu élan vital , outro termo importante no sistema de idéias de Bergson. Élan Vital seria o princípio de todas as coisas, o movimento criador. Para Bergson, o método intuitivo seria uma espécie de percepção mais alargada, mais próxima da temporalidade pura, mais em contato com a realidade em si. A arte, por exemplo, seria um meio capaz de nos fazer ver o que é essa intuição da vida que se dá como duração verdadeira (não tempo espacializado, ou linha do tempo, mas tempos misturados – passado, presente, futuro – e tempo vivido). Santo Agostinho, filósofo que também discutiu muito sobre as questões do tempo, dizia: Mas talvez fosse próprio afirmar que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.^43 O tempo como vemos não é estático e previsível, ele vai se configurando, móvel e ativo. Ele não se repete e não poderá haver dois momentos iguais. E o trabalho do filósofo é ir mais longe, desconfiar dos símbolos imaginativos e das normas do senso comum, mergulhar intuitivamente e desvendar o tempo real, a duração real no domínio da vida e da consciência. Bergson afirma “que deve haver um empenho no sentido de seguir a realidade em todas as suas sinuosidades e de adotar o próprio movimento da vida interior das coisas.”^44 (^42) AMORIM; HABITZREUTER, 2008, pg 4. (^43) Santo Agostinho, 1980, pg. 222. (^44) SEINCMAN, 2001, pg. 31.