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Um discurso pronunciado pelo professor da faculdade de ciências econômicas e administração de empresas da federação braz cubas de mogi das cruzes, em 1979. O texto discute a relação entre economia política e administração, destacando as semelhanças e diferenças entre ambas. O autor aborda a importância da administração na produção e distribuição de bens em cada unidade econômica organizada, bem como a evolução histórica de ambas as disciplinas.
Tipologia: Notas de estudo
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Luis Carlos Bresser Pereira * *
*Este trabalho corresponde basicamente ao discurso de patrono que o autor pronunciou para os formandos da Faculdade de Ciências Econômicas e Administração de Empresas da Federação Braz Cubas de Mogi das Cruzes, em 20 de abril de 1979.
**Professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração (PAE) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas.
Rev. Adm. Emp .•
Não é por acaso que a economia e a administração são, geralmente, ensinadas em uma mesma escola su- perior. As duas áreas de conhecimento estão muito próximas, seja porque, em um nível mais geral de abstração, seu objeto é comum, seja porque a prática profissional a que conduzem é muito semelhante. En- tretanto é possível distinguir, com relativa clareza, a economia política da ciência da administração. Em um nível um pouco mais baixo de generalização, seu obje- tos são diversos. Por outro lado, o momento histórico em que foram inicialmente desenvolvidas foi diferen- te. Em conseqüência, independentemente de poderem servir de instrumento de ação sobre a realidade para todas as classes, desempenham historicamente um pa- pel de legitimação ideológica para classes sociais dis- tintas.
A economia e a administração têm como objeto co- mum o estudo da produção, circulação e distribuição de bens econômicos. Ambas são ciências que têm co- mo preocupação fundamental os bens econômicos ou os recursos existentes em uma sociedade. Ambas con- centram sua atenção no trabalho, como produtor de riqueza, e nas formas pelas quais se coordena o traba- lho, se assegura a circulação dos bens produzidos pelo trabalho, e se determina a distribuição desses bens en- tre trabalhadores diretos, administradores e pro- prietários dos meios de produção.
Entretanto a ciência econômica ou economia, que preferimos chamar pelo seu nome original - econo- mia política - tem sempre uma visão global desses problemas. Ainda que na teoria econômica se distinga uma micro de uma macroeconomia, a preocupação fundamental é sempre analisar a sociedade como um todo. Também para a microeconomia, o que interessa é sempre o funcionamento do sistema econômico na sua inteireza. A economia política é a ciência que estu- da a produção, circulação e distribuição de bens ao nível universal, ao nível de cada estado nacional, e, no máximo, ao nível de cada região. As unidades econô- micas individuais - os produtores autônomos, as em- presas, os diversos tipos de organização não-lucrativa, o Estado - só interessam enquanto seu comportamen- to influencia o sistema econômico global.
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Já a administração é a ciência que estuda a produ- ção e a distribuição de bens, ao nível de cada unidade econômica organizada de forma burocrática, bem co- mo a circulação, no mercado, dos bens produzidos ou demandados em cada organização ou empresa; A administração, entretanto, aproxima-se de estudar a sociedade como um todo, quando seu objetivo é a organização burocrática estatal e esta, no modo tecno- burocrático ou estatal de produção, tende a se confun- dir com a sociedade.
A economia política define-se historicamente como autônoma, no momento em que o capitalismo compe- titivo, já de base industrial, torna-se o modo de produ-
Rio de Janeiro. 19(4): 39-43 out./dez.^1979
Economia e administração mercado e poder
ção dominante nas formações sociais européias e, par- ticularmente, na Inglaterra, em seguida à formação dos estados nacionais no período mercantilista. Na verdade, a formação dos estados nacionais e, princi- palmente, a predominância do capital industrial com- petitivo, a partir da segunda metade do século XVIII, eram duas condições essenciais para o desenvolvimen- to da economia política como ciência. A partir desse momento, os sistemas econômicos nacionais, além de possuírem um princípio estrutural básico comum a to- dos os modos de produção - o valor-trabalho como determinante básico dos preços - passavam a ter um princípio de coordenador fundamental: o mercado, a competição.
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De fato, todos os modos de produção têm em co- mum o fato estrutural, segundo o qual só o trabalho produz riqueza. Em conseqüência, a quantidade de trabalho, incorporada de forma direta ou indireta em cada bem, determina basicamente o preço pelo qual es- tes bens serão trocados. Os bens de produção ou bens de capital são sempre trabalho acumulado. Excedente ou trabalho-excedente são os bens que, em virtude do aumento da produtividade do trabalho, excedem ao consumo necessário dos trabalhadores. É o excedente que poderá ser apropriado pela classe dominante e, em seguida, utilizado em consumo de bens de luxo, ou na construção de templos e palácios, ou na acumulação de produção, ou nas despesas militares. Nos modos de produção anteriores ao capitalismo, a aplicação do ex- cedente em gastos militares é mais importante do que qualquer outrapara a classe dominante porque é a for- ça militar direta, o potencial de violência dos senhores, que vai garantir sua participação privilegiada na ren- da. Em termos mais simples, é o poder das armas que assegura a apropriação do excedente pela classe domi- nante nas formações pré-capitalistas.
Com o capitalismo e com o processo de generaliza- ção da mercadoria, ou seja, de transformação de todos os bens, inclusive a própria força de trabalho, em mer- cadorias para serem vendidas no mercado, o princípio de coordenação do sistema econômico e, particular- mente, de distribuição da renda deixou de ser direta- mente o poder das armas, a violência dos senhores ou dos príncipes, para se tornar a competição no merca- do, a chamada lei da oferta e da procura. Esta lei, ob- viamente, não derrogava o princípio estrutural do va- lor-trabalho a determinar basicamente o preço dos bens, mas o complementava por um princípio de coordenação automático, representado pelo mercado competitivo. Este fato novo irá permitir aos grandes economistas clássicos - Smith, Quesnay, Ricardo, Saye principalmente Marx - desvendar a natureza do funcionamento econômico do sistema capitalista.
Mas uma ciência social, como a economia política, não é apenas a formulação de proposições e leis a res- peito de uma determinada realidade objetiva. É também um compromisso com a prática: uma forma por meio da qual o cientista social se insere em sua própria realidade histórica e procura modificá-la. E nesse processo em que a formulação teórica é uma prática teórica, em Que teoria e prática estão intrinse- camente associadas no processo do conhecimento
Revista de Administração de Empresas
científico, é óbvio que os valores pessoais do cientista social e, conseqüentemente, seus compromissos de classe terão um papel fundamental a desempenhar. Não é possível querer modificar o mundo (ou conser- vá-lo como está), sem referência a um sistema ideológico qualquer.
Nossos economistas clássicos não fugiram à regra. Se seu trabalho é um monumento científico, na medi- da em que nos permitiu um conhecimento muito mais aprofundado do capitalismo, é também um monumen- to ideológico, na medida em que pretendeu legitimar a classe dominante nascente: a burguesia.
Até hoje, por mais que alguns economistas falem em
continua a ser um instrumento ideológico fundamental da classe dominante. Como instrumento científico é provável, inclusive, que ela tenha perdido um pouco de seu valor, em virtude das enormes transformações pelas quais passaram os sistemas econômicos nestes dois últimos séculos. A contribuição dos economistas contemporâneos, e principalmente de Keynes, sem dúvida permitiu uma grande atualização da teoria eco- nômica neste século, mas não parece que tenha sido suficiente para recuperar o valor explicativo da econo- mia política, na medida em que sua base - o mercado
Como instrumento ideológico a serviço da burgue- sia, entretanto, a economia política continua plena- mente atuante. Seus principais postulados são muito claros. A livre iniciativa é o bem fundamental; a con- corrência garante automaticamente desenvolvimento, estabilidade e justa distribuição de renda; a liberdade política é função da liberdade econômica; o salário é um pagamento proporcional à produtividade do traba- lho, corresponde ao esforço e à capacidade de trabalho de cada indivíduo; os lucros são a remuneração da poupança prévia e do risco; a mobilidade social é a forma meritocrática de se garantir a justiça social; a inflação é o resultado da incompetência do governo; a estatização é um mal em si. São esses, entre outros, os fundamentos ideológicos da burguesia, os quais têm como base os ensinamentos da economia política. Es- tes fundamentos continuam a ser ensinados em todas as escolas de economia, estão presentes em todos os li- vros-textos, transparecem em todos os discursos da burguesia ou de seus representantes.
É claro que, com a contribuição de Marx, surge uma economia política que, partindo dos postulados dos economistas clássicos, irá se transformar em um siste- ma capitalista. Apesar da crescente importância dessa crítica, entretanto, é claro que seu alcance é ainda limi- tado. Em todos os países capitalistas, a teoria econô- mica ortodoxa ou oficial continua a ser absolutamente dominante.
Já a administração define-se, historicamente, como ciêncía autônoma no fim do século passado, quando o
serviços, a ciência política e a ciência econômica abrem espaços para o surgimento de uma nova área de conhe- cimentos: a ciência da administração. Esta, portanto, fica a meio caminho entre a economia política e a ciên- cia política. É economia política na medida em que es- tuda a produção; é ciência política na medida em que tem, como critério fundamental de coordenação, o po- der.
Por outro lado, neste momento fazemos uma distin- ção entre administração de empresas e administração oolítica, que até agora estávamos deliberadamente evitando. Se a administração em geral está a meio ca- minho entre a economia política e a ciência política, is- to é ainda mais verdadeiro em relação à administração pública. Pois se esta deixa de dar prioridade à raciona- lidade do aparelho burocrático estatal e passa a se preocupar com as políticas públicas, a serem desenvol- vidas pelo governo, entendido este como a cúpula diri- gente do Estado, é claro que a administração pública se transforma em visão teórica, orientada para a prática da ciência política. E ao se aproximar da ciên- cia política, a administração pública aproxima-se também da economia política, na medida em que esta se preocupa com as formas de intervenção do Estado no sistema econômico.
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Da mesma forma que a ciência econorruca surge com o capitalismo competitivo e a generalização da mercadoria, a ciência da administração ganha autono- mia teórica com o capitalismo, monopolista e o domínio da organização burocrática ao nível da produção. Do mesmo modo que a economia política é, ao mesmo tempo, um poderoso instrumento de análise da realidade e uma arma ideológica fundamental da burguesia, a ciência da administração será, também, um instrumento teórico, essencial para a gestão das grandes empresas e do Estado moderno, e uma arma ideológica para legitimar a tecnoburocracia nascente.
Os elementos ideológicos da ciência da administra- ção são muito claros: a maximização da eficiência ou a racionalidade transforma-se no bem supremo; a prática administrativa moderna é considerada a forma por excelência de se alcançar esse objetivo; o adminis- trador, em vez do empresário, é o novo herói do siste- ma; planejar ,organizar e controlar deixam de ser me- ras estratégias administrativas, para assumirem o pa- pel de princípios ordenados do universo; o poder rece- be os nomes de autoridade racional legal e de lideran- ça; democracia é identificada com descentralização e participação; a manipulação dos trabalhadores recebe o nome de relações humanas; a manipulação dos con- sumidores torna-se um capítulo privilegiado da merca- dologia, sob os títulos de propaganda e promoção de vendas; a concorrência de preços entre os oligopólios é
da organização e a multiplicação dos cargos bu- rocráticos são consideradas objetivos fundamentais, na medida em que se garante, assim, uma maior participação dos tecnoburocratas na divisão do exce- dente; quanto maior for o número de administradores profissionais em uma empresa e quanto mais elevados
Revista de Administração de Empresas
considerada.
Observe-se, entretanto, que, no plano ideológico, enquanto a economia política se constituía em uma
superestrutural de uma formação social, onde o modo capitalista de produção era amplamente dominante, a ciência da administração é uma ideologia mista, na medida em que é fruto de uma formação social também mista: o capitalismo monopolista. De fato, o capitalismo monopolista é uma forma de transição en- tre o modo de produção capitalista e o tecnobu- rocrático. A tecnoburocracia, que emerge nas grandes empresas e no Estado moderno, está, ao mesmo tem- po, a seu próprio serviço e a serviço da burguesia, a quem primeiro serve, depois se alia, e afinal domina.
Por essa razão vemos ainda, na ciência da administração, um grande número de velhos elemen- tos da ideologia burguesa, ao lado das características
não é condenado, mas afirma-se que ele deixou de ser o critério único do sistema capitalista, sendo agora mais importante a expansão da organização. O em- presário é ainda uma figura respeitável, ainda que os herdeiros sejam desprezados e o administrador profis- sional seja o novo herói do sistema. O mercado e a concorrência são ainda valores legítimos, ainda que tu- do se faça para substituí-los pelo planejamento da produção e pelo controle das variáveis mercadológicas que afetam a empresa.
Em síntese, a ciência econômica está associada ao ca- pitalismoe ao processo de generalização da mercado- ria, ocorrido no fim do século XVIII. Tem como obje- tivo a produção, a circulação e a distribuição de bens, e, como princípio de coordenação, o mercado e a con- corrência. Enquanto ideologia, está a serviço da bur- guesia que, no início do século XIX já assumira plena autonomia como classe, já era uma classe para si. Já a ciência da administração está associada ao capitalismo monopolista e ao controle da produção pelas organiza- ções burocráticas, a partir do início do século XX. Tem também como objetivo a'produçãc, circulação e distribuição de bens, mas ao nível de cada empresa, ou de cada organização burocrática e seu princípio de coordenação não é o mercado, mas o poder. Enquanto ideologia, a ciência da administração tem caráter mis- to: está a serviço da tecnoburocracia, mas, ainda, ou subordinada ou associada à burguesia.
A administração de empresas distingue-se da administração pública, na medida em que a primeira se interessa pelas unidades produtivas, enquanto que a segunda tem como objeto o aparelho do Estado, do qual devem ser excluídas as empresas estatais. A administração pública, por sua vez, pode concentrar sua atenção no aumento da racionalidade interna do aparelho burocrático estatal, ou pode orientar-se para o estudo das políticas públicas definidas pelo governo, ou seja, pela elite dirigente do Estado. Nesse momen-
Economia e Administração