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Este documento aborda a questão do princípio da legalidade no código penal brasileiro de 1940, com ênfase nos crimes políticos e nas leis especiais que os regulavam durante o governo de getúlio vargas. O texto examina a violação desse princípio na usurpação de poderes, na supressão de garantias constitucionais e na tratamento de crimes políticos fora do código penal, permitindo a elaboração de legislações repressivas que atendessem às ansiões políticas do executivo.
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Manuela Bittar Horn^1
Resumo: O presente estudo analisa a aplicação do princípio da legalidade no Estado Autoritário de Getúlio Vargas, verificando a tendência normativa do direito penal neste período, ou seja, durante o Estado Novo brasileiro. Explica-se como o princípio da legalidade se fez presente durante este governo, em que medida houve ou não sua violação, e se o aumento de normas, com tipos penais abertos, proporcionado pelo tecnicismo jurídico, influenciou nessa transgressão. A apreciação abordará as leis extravagantes e a estruturação do respectivo Código Penal. Palavras-chave: Princípio da Legalidade. Direito Penal. Lei de Segurança Nacional.
Abstract: This study examines the application of the principle of legality in the Authoritarian State of Vargas, checking the tendency of criminal law rules in this period, ie during the Brazilian Estado Novo. Explains how the principle of legality was present during this government, to what extent there was or not their violation, and the increase in standards, with open criminal types, provided by legal technicality, influenced this transgression. The assessment will address the extravagant laws and the structuring of their Penal Code. Key-words: Principle of Legality. Penal Code. National Security Law.
Introdução Código elaborado durante a vigência de um governo autoritário, o Código Penal brasileiro de 1940 incorpora o princípio da reserva legal; a pluralidade das penas privativas da liberdade (reclusão e detenção); e, o sistema do duplo binário – divisão bipartida – com penas e medidas de segurança (FRAGOSO, 2006, P. 78-79). Fragoso mencionava que o código teve evidente inspiração no Código italiano de 1930 para inúmeras soluções adotadas. Neste sentido, Alcântara Machado, redator do anteprojeto do Código Penal de 1940, explicava que a obra deveria consultar a verdade jurídica e as condições do meio em que deveria atuar, não podendo ser um Código puramente científico – teria de estabelecer uma relação lógica e necessária entre as circunstâncias políticas e sociais do momento e o seu conteúdo (MACHADO, 1938). Explicando, ainda, que não existiam motivos para acusar o projeto de ser imitação do Código italiano de 1930, em verdade, seria apenas manifesta a influência exercida em seu espírito pela então vigente codificação italiana. Uma vez que diante de tantos elogios ao Código Rocco, não poderia uma legislação penal ficar alheia a tal obra. Louvor dado especialmente à sua perfeição técnica e ao mérito de não se ligar a nenhuma escola jurídica penal (MACHADO, 1939). Entretanto, tão trabalho recebeu severas críticas. Nelson Hungria expôs que: O ilustre projetista já nos dá notícias de uma próxima edição modificada do seu trabalho e daqui lhe faço um fervoroso apelo, para que não continue estaticamente genuflexo ante o
(^1) Graduada em Administração Pública pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2009), em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011), Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Ius Commune - Grupo de Pesquisa em História do Direito UFSC/CNPq.
Código que ele tomou por modelo – o Código fascista, emanado do autoritarismo científico dos juristas de BENITO MUSSOLINI, dentro de um ambiente de opressão ao pensamento, em que até ENRICO FERRI, o genial vexilário da Escola Positiva, teve de repudiar idéias com que servira ao patrimônio cultural da Humanidade. O prestígio do Código Rocco não pode ir ao extremo de fazer abstrair os erros que o afeiam. E ninguém duvida que o Sr. Alcântara Machado, como artista de talento, saberá disfarçar na tela as falhas de estética do modelo (HUNGRIA, 1939, p. 22). Antes de ser posto em vigor o projeto de Machado , uma comissão revisora nomeada pelo Ministro de Justiça, Francisco Campos, foi formada para explorar minuciosamente os institutos a serem codificados, composta por Roberto Lyra, Vieira Braga, Nelson Hungria, Narcélio de Queiroz e com a supervisão externa de Antônio José da Costa e Silva. Então, em 31 de dezembro de 1940 é publicado o novo Código Penal, fortemente caracterizado pelo tecnicismo jurídico de Nelson Hungria, que como explica Ricardo Sontag:
No momento em que se discutia a reforma penal, se estava passando, exatamente, pelo processo de recepção do tecnicismo jurídico-penal no Brasil. Tecnicismo cujas matrizes remontam ao final do século XIX na Alemanha (ANDRADE, 2003, p. 169 e seg.; 2008, p. e p. 5-6), e que chegam ao Brasil, principalmente, por via de penalistas italianos como Arturo Rocco. Um ponto crucial para o tecnicismo é fazer da lei positiva estatal o objeto de estudo exclusivo da ciência do direito penal em sentido estrito (SONTAG, 2009, P. 69). Observa-se, assim, que com o tecnicismo jurídico permaneceram pontos de influência da legislação penal italiana no Código Brasileiro, vez que este também adotou o tecnicismo jurídico para a reconstrução dogmática do sistema jurídico penal, procurando recuperar uma segura estabilidade, adequando-se ao que mais objetivavam os governos autoritários: ser o direito penal o direito do Estado.
O Princípio da Legalidade no Direito Penal Brasileiro (1937-1945) Desde sua independência a legislação brasileira prevê o nullum crimen, nulla poena sine lege como um princípio constitucional e uma norma de direito penal. A constituição do Império (1824) preceituava em seu art. 179, n. II que “ninguém será sentenciado senão por autoridade competente e em virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita”. Com pequenas alterações foi tal artigo reproduzido nas Constituições de 1891, 1934, 1937 e 1946 (HUNGRIA, 1949). Menciona Hungria que pela década de 30 o princípio da legalidade e a consequente proibição da analogia foram objeto de grande controvérsia doutrinária, provocada por penalistas de tendência política anti-individualista; mas a opinião preponderante continuava sendo pela sua prevalência. Tanto que no Código Penal de 1940 foi tal princípio rechaçado em seu primeiro artigo: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (HUNGRIA, 1949). Na opinião do historiador do direito Ricardo Sontag: Porém, se é verdade que o código penal de 1940 manteve o princípio de legalidade e que o aumento do rigor penal não foi uniforme para todos os crimes, o discurso da necessidade de
O Decreto-Lei de 1938 trouxe o agravamento das penas e o reaparecimento da pena de morte ao ordenamento jurídico brasileiro. Os crimes punidos com pena capital estavam dispostos no art. 2.º, que enumerava diversas condutas, entre elas: tentar submeter o território da Nação, ou parte dele, à soberania de Estado estrangeiro; atentar, com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; insurreição armada contra os poderes do Estado, assim considerada ainda que as armas se encontrassem em depósito; atentar contra a vida, a incolumidade ou a liberdade do Presidente da República. Diante de tais leis esparsas, questão a ser analisada é a preservação dos crimes políticos fora do Código Penal e a implantação do Tribunal de Segurança Nacional. Quanto ao último item, com a Lei n. 244 de 1936 foi ele criado, subordinado à Justiça Militar, investido de julgar os crimes designados pela Lei de Segurança Nacional. Por sofrer diversas críticas este novo órgão teve que ser legitimado pela Constituição Federal de 1937 em seu art. 122, inciso 17^3. Típico tribunal de exceção, o TSN era composto por juízes militares e civis, diretamente escolhidos pelo Presidente da República, devendo ser ativado sempre que o país estivesse em “estado de guerra”, julgava não só militantes e comunistas de esquerda, como também integralistas e políticos liberais que se opunham ao Estado Novo (DAL RI JUNIOR, 2006). Conforme Raul Machado, juiz deste tribunal, em 1938, um ano após o efetivo início de seus trabalhos, o TSN tinha julgado 3.423 acusados que figuravam em 437 processos, excluídos dessa contagem os julgamentos de apelação, os habeas corpus e revisões criminais (MACHADO, 1940). Ou seja, o TSN foi instaurado conforme os anseios governamentais, tinha uma justiça autônoma, as decisões não saiam da esfera dos magistrados designados pelo Executivo, o que permitia garantir a estabilidade do regime e suas instituições (NUNES, 2010, p. 137). Tudo isso a ponto de Machado afirmar que a época era propicia a uma justiça evolutiva, já que o dinamismo era rápido, devendo ter um judiciário que a acompanhasse - circunstâncias políticas que determinaram o avanço dos métodos judiciários, com a instalação do TSN e suas formas de processo (MACHADO, 1940). Forma de processo que o mesmo juiz menciona ser “desentravado de fórmulas inúteis e impeditivo de chicanas” (MACHADO, 1940, p. 51). Assim, o fato de não se ter um contraditório, ampla defesa, imparcialidade judicial – garantias do processo ordinário, que violados são um afronte ao princípio da legalidade^4 – era tido
(^3) Art. 122, XVII: Os crimes que atentarem contra a existência, segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular serão submetidos a processos e julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir. 4 Art 122, C.F/1937 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
como algo positivo, que demonstrava a rápida capacidade de trabalho do TSN, sua processualística simples e sem entraves protelatórios. E, no que se refere ao fato dos crimes políticos serem estabelecidos em legislações especiais, sem serem colocados no Código Penal, Francisco Campos explicou tal eliminação declarando que estes delitos já estavam bem regulados por meio das leis especiais, em um sistema que não deveria ser quebrado, pois já tinha uma lógica própria. Visivelmente, uma lógica mais apropriada à perseguição política (NUNES, 2008, p. 63): Seria mais fácil mudar as leis referentes a esse tipo de crime conforme as contingências políticas se elas estivessem fora do código, pois, desta forma, tais mudanças não influiriam na sistemática da codificação, maculando a sua estabilidade, o que é sempre causa de desconforto para os juristas no processo de aplicação das leis (CAMPOS, 2001, p. 142). Entre os crimes que não foram apreciados pelo Código estão os que se configuram contra a guarda e o emprego da economia popular, equiparados aos crimes contra o Estado pelo art. 141 Constituição Federal de 1937^5 ; os crimes militares; e, os de responsabilidade do Presidente da República e dos Governadores ou Interventores (SIQUEIRA, 1950). O que, como coloca Sontag, não passava de uma estratégia para salvaguardar a repressão imposta ao crime político: Embora se tratasse de salvar a imagem de estabilidade do código, já não entrava em jogo salvar os conteúdos de memória iluminista. Uma opção tão estratégica que talvez possamos falar, inversamente, em salvamento do sistema das leis especiais (e não única e exclusivamente salvamento do código), pois o objetivo era garantir a eficácia da repressão do crime político, que, enquadrado na armadura sistemática de um código correria o risco de ficar demasiado engessado, atrapalhando as pulsões repressoras do governo autoritário de Vargas (2009, p. 69). Diante disto, verifica-se que em certa medida estava sendo atendido formalmente o princípio da legalidade, disposto no art. 1º do C.P^6 , visto que tudo estava disposto em lei. Todavia, como bem coloca Siqueira: “Com as exclusões notadas (...) continuamos com a nossa legislação penal retalhada e seus conseqüentes malefícios – a semicodificação efetuada e as leis especiais, que já vão em crescendo nada animador”(SIQUEIRA, 1950, p. 18). Por tais legislações especiais, percebe-se que o governo usurpou a função legislativa, começando pela Lei de 1935 onde o Presidente da República atuou como “o chefe supremo, restringindo a atuação do Poder Legislativo, sendo ele o árbitro entre todos os poderes, imiscuindo- se nos demais assuntos e cargos estatais” (NUNES, 2010, p. 63). As novas disposições legislativas e
Com tal Lei e suas designações, observa-se que a lógica que procurava salvaguardar o Código em verdade buscava evitar a interferência neste, criando subsistemas externos que geravam um aumento no número de leis, acréscimos legislativos essenciais para existência e perpetuação de um governo autoritário (SONTAG, 2009, p. 68). Ponto central para a análise do princípio da legalidade no Código Penal brasileiro é o arbítrio concedido ao juiz na aplicação da pena. Ao aliar a idéia de justiça à política de defesa social, o código abandonou o modelo objetivo e adotou o sistema utilitário, buscando realizar a fórmula de retribuir o mal causado pelo crime com o mal real da pena, aplicada concretamente na personalidade do criminoso (ARARIPE, 1944). Assim, conforme juristas da época, apreciadores de tal medida, consagrou o Código o arbítrio temperado, dando uma poder discricionário ao magistrado para que este pudesse realizar a justiça concreta. Hungria já mencionava em 1938 que o projeto de código de processo penal procuraria evitar formalismos, para que não houvesse empecilhos que atrapalhassem a apreciação do conjunto probatório com regras a priori de avaliação, bem como garantiria poderes ao juiz para produzisse as provas que julgasse necessária (1938, p. 223). No mesmo sentido, o Ministro Campos ao expor sobre o novo código penal enfatizava o papel basilar dos juízes na aplicação da pena, e, conseqüentemente, na inteira consecução da defesa social: Fugindo à rigidez e à indeterminação da pena, o novo Código adotou o compromisso da individualização da pena, dando, assim, ao juiz uma larga margem de apreciação das circunstancias e dos motivos do crime, bem como da personalidade do criminoso. (...) O traço (...) que situa melhor o Código Penal no domínio da justiça é o grande credito que ele abre à capacidade intelectual e moral dos juízes, confiando à retidão da sua inteligência e do seu caráter todo o mecanismo repressivo e preventivo da criminalidade. A pena a ser aplicada depende do juiz. Não há uma pena rígida. Entre o mínimo e o máximo o juiz determinara a pena adequada ao criminoso. O destino deste Código é o que lhe derem os juízes. Maior não podia ser a confiança do governo na Justiça do Brasil. (...) Alem disto, o Código Penal se deve em grande parte à Justiça. Os colaboradores do Governo na obra de codificação foram buscados na Justiça. (CAMPOS, 1941, p. 216) (grifo próprio).
Com isto, o Estado Novo atribuiu ao juiz “um largo arbítrio, evidente que se tornou a impossibilidade de se conterem nos quadros explícitos e exemplificativos da lei as numerosíssimas manifestações das reações criminosas, que, pela polimorfia de seus aspectos, transbordam dos textos apriorísticos”(QUEIROZ, 1941, p. 277-278). Interessante neste sentido colocar o que mencionava o revisor do ante-projeto a respeito da dosimetria da pena: O exame do art. 42^9 do no Código Penal dá bem a idéia de quanto vai agora longe o arbítrio judicial. Saímos do regime da dosimetria penal, do sistema de uma verdadeira aritmética penal, para um plano muito mais complexo, no qual será examinado caso por caso, tendo-se
(^9) Art. 42. C.P: Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime: I - determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II - fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.
em consideração, para a escolha da qualidade da pena e da quantidade dela, principalmente a personalidade do criminoso. Isso impossibilitará a formação de certos critérios, na verdade cômodos, mas nem sempre justos, tal como o que a jurispredencia atual, com inegável oportunidade e reais benefícios para a estabilidade na orientação dos julgados, elaborou com relação ao regime de pesos e contrapesos das agravantes e atenuantes (QUEIROZ, 1941, p. 278). O que mais uma vez demonstra que pontos negativos da política criminal de Vargas eram colocados como algo sensacional, que melhoraria o sistema penal, deixando-o mais igualitário e eficiente. Ora, isso seria pouco perto do que realmente poderia fazer um juiz. Nessas condições a imparcialidade, o contraditório, a segurança jurídica e o próprio princípio da legalidade eram violados, vez que os critérios fixados para que o magistrado determinasse a pena eram puramente subjetivos^10 , podendo facilmente motivar suas decisões com argumentos inexistentes, vagos ou indeterminados, sem que fosse possível a averiguação da veracidade dos fatos expostos. Ademais, verifica-se que o sistema permitia que as decisões judiciais tivessem um caráter compromissório com o governo, do mesmo modo como efetivamente ocorreu com relação aos magistrados fascistas. Arbítrio, este, aplicado também nas medidas de segurança. O Código adotou ao lado das penas as medidas de segurança, que ao invés de terem um caráter repressivo e intimidante, eram preventivas e destinadas à segregação, à reeducação, à vigilância e ao tratamento de indivíduos perigosos, ainda que moralmente irresponsáveis. Nestes casos, o magistrado não ficava obrigado a um critério “aritmético” na graduação, mas usava de uma grande latitude de apreciação, fixando a quantidade da medida conforme a personalidade e os antecedentes do criminoso, conforme lhe parecesse adequado ao caso concreto. Igualdade liberdade tinha para escolher entre as medidas, impondo-as cumulativamente, alternativamente, ou ainda para deixar de aplicar qualquer delas (CAMPOS, 1940). A periculosidade era declarada pelo juiz com fundamento nos critérios definidos pelos arts. 44, 45 e 46 do Código, ou seja, personalidade do réu e circunstâncias comuns, vez que o Código não procurava separar nitidamente as penas das medidas de segurança. Elas foram codificadas de maneira mitigada, isto é, colocadas como complemento da pena, não como um mecanismo substitutivo, como consideravam os positivistas ao colocarem que as penas tenderiam a ser substituídas por medidas de segurança e estas deveriam ser aplicadas autonomamente (HUNGRIA, 1944).
(^10) Para formar juízo sobre a personalidade do agente deverá o julgador (art. 44) ter em atenção a idade, a educação, a situação econômica, os precedentes judiciários e penais, as condições de vida individual, familiar e social, o comportamento e estado de animo antes, durante e depois do delito, e tudo quanto contribua para o conhecimento do caráter e temperamento do delinqüente. POZZO, Carlos Umberto. O Projeto de Código Criminal Brasileiro. Revista Forense : Rio de Janeiro, março 1940, p. 34.
Do mesmo modo, o Decreto-Lei n.º 431/1938, que reproduziu integralmente o art. 22 § 2º^14 , não especifica de modo claro o que seria a ordem política e a ordem social, a ponto de deixar um espaço de arbítrio ao julgador. Preceitua os dois elementos de forma genérica, meramente conceitual, discutível sob o ponto de vista teórico, e principalmente, no tocante à aplicação do direito - percebendo-se, pois, a incongruência desses dispositivos (NUNES, 2010). Desta forma, no exame ao Código Penal, o princípio da legalidade previsto no art. 1º resulta formalmente violado tanto na legislação especial como no Código Penal, principalmente em relação ao arbítrio judicial. Tendo-se a convicção de que um código para melhor garantia a “defesa social”^15 , deveria assegurar a discricionariedade da magistratura, bem como a inserção dos crimes políticos em lei esparsa, onde o que prevalecia era “o grau de elasticidade da norma para acolher determinada conduta dentro do universo dos crimes políticos” (NUNES, 2010, p. 153).
Conclusão Diante do exposto, observa-se que a expressa menção do princípio da legalidade no Código Penal brasileiro garantiu uma interpretação autoritária da lei, permitindo que a legalidade fosse empregada do modo arbitrário, de maneira a se tornar um pressuposto para a construção da ordem do Estado Novo - muitas vezes ele era usado de forma a burlar o sistema e obter as chancelas repressivas do governo. E, mesmo com sua designação na codificação penal, ainda assim os tipos penais abertos e genéricos permitiam sua violação, assegurando penas severas aos vários crimes que feriam o Estado, delitos que muitas vezes não correspondiam com o especificado no artigo da lei. O amplo arbítrio concedido ao juiz e as diversas normas que permitiam uma ampliação interpretativa faziam com que o princípio da legalidade fosse previsto apenas em seu aspecto formal, já que substancialmente era freqüentemente violado, permitindo que fosse usada de forma arbitrária, controlando o dissenso político e mantendo a ordem estabelecida. Assim, a afirmação do Estado pela lei era o pressuposto para a criação de um Estado Forte Autoritário, a expressa menção ao princípio nullum crimen nulla poena sine lege garantia a legitimidade do governo, mesmo que houvesse a instauração de um Tribunal de Exceção para julgar os crimes políticos e o retorno da aplicação da pena de morte. (^14) Art. 22. Não será tolerada a propaganda de guerra ou de processos violentes para subverter a ordem politica ou social (Const., art. 113, n. 9). § 1º A ordem política, a que se refere este artigo, é a que resulta da independencia, soberania e integridade territorial da União, bem como da organização e actividade dos poderes politicos, estabelecidas na Constituição da Republica, nas dos Estados e nas leis organicas respectivas. § 2º A ordem social é a estabelecida pela Constituição e pelas leis relativamente aos direitos e garantias individuaes e sua protecção civil e penal; ao regimen jurídico da propriedade, da família e do trabalho; á organização e funccionamento dos serviços publicos e de utilidade geral; aos direitos e deveres das pessoas de direito publico para com os individuos e reciprocamente. 15 Leia-se “defesa do governo” com relação aos crimes políticos.
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