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1 NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE ..., Notas de estudo de Direito

NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A. EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL. NEW FORMS OF SLAVERY IN MODERN SOCIETY AND THE ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Agua_de_coco
Agua_de_coco 🇧🇷

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NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL
NEW FORMS OF SLAVERY IN MODERN SOCIETY AND THE EXPLOITATION OF
HUMAN LABOR IN THE TEXTILE INDUSTRY
Joana Bini Eckstein
1
Profa. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski
2
RESUMO
O presente artigo visa compreender, conceituar e analisar as formas análogas à
escravidão presentes na sociedade contemporânea, com enfoque na indústria têxtil.
A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos e trabalhistas
básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta demanda do
mercado de vestuário. Ao longo da cadeia produtiva de confecção, é possível
identificar a presença de exploração do trabalho humano desde seu início, no plantio
das fibras de algodão, até as oficinas de costura nos grandes centros industriais, que
se utilizam de subcontratações para burlas as leis e condicionar os trabalhadores ao
labor em ambientes degradantes e em jornadas prolongadas. Atrelado a indústria têxtil
brasileira, estão presentes questões sociais relevantes como o tráfico de pessoas e
trabalho ilegal realizados principalmente por migrantes advindos da América Latina.
Palavras-Chaves: Escravidão contemporânea. Mão de obra. Exploração. Condições
análogas à escravidão. Trabalho forçado. Jornada exaustiva. Servidão. Trabalho
degradante. Indústria têxtil. Terceirização.
1
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Unicuritiba, Faculdade de Direito de Curitiba,
estagiária do Ministério Público do Trabalho.
2
Formada em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba (atual Unicuritiba Centro Universitário
Curitiba), com pós-graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Portuguesa,
especialização conducente ao mestrado e mestre em Ciências Jurídicas/Direito do Trabalho pela
Faculdade de Direito de Lisboa (2006). Atuação profissional em Direito do Trabalho desde Professora
de Direito do Trabalho e Chefe do Departamento de Direito Privado na Unicuritiba Centro Universitário
Curitiba.
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NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A

EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL

NEW FORMS OF SLAVERY IN MODERN SOCIETY AND THE EXPLOITATION OF

HUMAN LABOR IN THE TEXTILE INDUSTRY

Joana Bini Eckstein^1 Profa. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski^2 RESUMO O presente artigo visa compreender, conceituar e analisar as formas análogas à escravidão presentes na sociedade contemporânea, com enfoque na indústria têxtil. A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos e trabalhistas básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta demanda do mercado de vestuário. Ao longo da cadeia produtiva de confecção, é possível identificar a presença de exploração do trabalho humano desde seu início, no plantio das fibras de algodão, até as oficinas de costura nos grandes centros industriais, que se utilizam de subcontratações para burlas as leis e condicionar os trabalhadores ao labor em ambientes degradantes e em jornadas prolongadas. Atrelado a indústria têxtil brasileira, estão presentes questões sociais relevantes como o tráfico de pessoas e trabalho ilegal realizados principalmente por migrantes advindos da América Latina. Palavras-Chaves: Escravidão contemporânea. Mão de obra. Exploração. Condições análogas à escravidão. Trabalho forçado. Jornada exaustiva. Servidão. Trabalho degradante. Indústria têxtil. Terceirização. (^1) Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Unicuritiba, Faculdade de Direito de Curitiba, estagiária do Ministério Público do Trabalho. (^2) Formada em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba (atual Unicuritiba Centro Universitário Curitiba), com pós-graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Portuguesa, especialização conducente ao mestrado e mestre em Ciências Jurídicas/Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Lisboa (2006). Atuação profissional em Direito do Trabalho desde Professora de Direito do Trabalho e Chefe do Departamento de Direito Privado na Unicuritiba Centro Universitário Curitiba.

ABSTRACT

The present work aims to understand, conceptualize and analyze the analogue forms to slavery present in contemporary society, with a focus on the textile industry. The search for high production caused basic human and labor rights to be disregarded in favor of mass production and the high demand of the clothing market. Along the production chain of clothing, it is possible to identify the presence of exploitation of human labor from its beginning, in the planting of cotton fibers, to the sewing workshops in large industrial centers, which use subcontracting to circumvent the laws and condition workers to work in degrading environments and on long hours. Linked to the Brazilian textile industry, relevant social issues are present, such as human trafficking and illegal work carried out mainly by immigrants from Latin America. Keywords: Contemporary slavery. Manpower. Exploration. Conditions similar to slavery. Forced labour. Exhaustive journey. Bondage. Degrading work. Textile industry. Outsourcing. 1 INTRODUÇÃO A exploração do trabalho humano e escravidão estão presentes no Brasil e em grande parte das sociedades, ao redor do mundo, desde suas formações. No Brasil, a exploração do trabalho humano começou desde a sua descoberta com a extração do pau Brasil, nas relações entre os portugueses e os nativos indígenas. Posteriormente, passou-se a explorar a mão de obra de escravos trazidos da África. Em um primeiro momento a exploração do trabalho escravo se deu nos grandes canaviais, que foram criados para evitar invasões na costa brasileira, bem como para exportação, visto que a cana-de-açúcar possuía um alto valor no mercado exterior. Seguida da exploração do ciclo do ouro, que se iniciou após a crise do mercado consumidor e com a descoberta de jazidas de ouro e diamante; por fim na lavoura de café, por volta do XVII. Com a independência do Brasil e após anos de exploração do trabalho escravo, depois de um processo gradual de abolição, com o advento da Lei

Primeiramente no início da cadeia produtiva, tem-se a exploração proveniente do trabalho no campo, na colheita de matéria-prima – como por exemplo o algodão – para confecção das peças, principalmente no semiárido nordestino. Tendo em vista que a cotonicultura é de fácil manuseio, utilizavam da mão de obra da agricultura familiar para produção da matéria-prima. Ainda na indústria têxtil é possível identificar a exploração do trabalho humano em condições análogas à escravidão nos grandes centros industriais brasileiros, a exemplo de São Paulo, bem como em diversas camadas da sociedade. Estando verificada tanto em relação aos trabalhadores nas grandes fábricas de costura, trabalhadores estes que em sua grande maioria são migrantes que entraram ilegalmente no país através do tráfico de pessoas e que laboram de forma ilegal, vindos principalmente da América Latina – com ênfase nos migrantes bolivianos que deixam sua terra natal em busca de melhores condições de vida e são submetidos a condições degradantes de trabalho – ; bem como a terceirização de mão de obra para oficinas de costura ou costureiras independentes, mão de obra proveniente de um esquema de terceirização irregular em que as trabalhadoras – que em sua grande maioria são mulheres – ganham centavos para costurar grandes quantidades de peças para suprir o fornecedor que ao final vende para as redes de lojas. 2 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO BRASIL Em prima face é importante ressaltar que há diversas formas de conceituar o trabalho escravo contemporâneo a depender da análise e dos elementos apresentados por cada autor, pois há uma multiplicidade de termos e formas de conceituação. Contudo, é possível perceber que majoritariamente os autores tratam do trabalho análogo ao escravo contemporâneo como sendo um conjunto de condições degradantes, analisando diversas questões que marcam a relação de trabalho, que vão muito além do descumprimento formal das normas trabalhistas e supressão de direitos. Considera-se desde a coação dos trabalhadores, em diferentes formas e níveis, para realização de atividades forçadas, incluindo meio ambientes degradantes de inserção dos trabalhadores, jornadas extraordinárias até a perda em diferentes níveis da liberdade.

Para tornar possível a compreensão acerca da utilização do trabalho escravo contemporâneo no Brasil é necessário analisar questões sociais relevantes que são acometidos os trabalhadores, sendo a falta de informação um dos fatores predominantes nas relações de exploração do trabalho humano, que contribuem para que se ainda utilize de mão de obra análoga à escravidão nos dias de hoje. Verifica-se que estão presentes fatores que marcam o trabalho escravo contemporâneo – como por exemplo a ausência de vagas de emprego e condições mínimas para manter família em suas origens – , sendo que a falta de informação está dentre estes fatores, que fazem com que a exploração do trabalho humano seja perene. Observa-se que as relações trabalhistas contemporâneas estão, mesmo que minimamente, mascaradas pelo aparente cumprimento da legislação trabalhista por meio da formalização de um contrato de trabalho e, não mais, na ideia de posse/propriedade de indivíduos. Todavia, o trabalho que é prestado não atende o princípio da dignidade da pessoa humana, demonstrando trata-se de mera subordinação jurídica do trabalhador. Tem-se que o princípio da dignidade da pessoa humana está frontalmente ligado com a valorização do trabalho, na medida em que o trabalho análogo ao escravo retira do trabalhador condições mínimas de sobrevivência e o submete a condições degradantes de trabalho. Considera como sendo condição degradante a falta de saúde e segurança, bem como condições mínimas de trabalho, higiene, respeito, dentre outros elementos que devem estar presentes em uma relação de trabalho sadia em um ambiente laboral equilibrado, situação que não é verificada nos casos de escravidão moderna, sendo uma violação direta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O trabalho escravo contemporâneo pode ser compreendido como sendo um conjunto de formas degradantes de exploração do trabalhador. Tendo em vista que o trabalho é um importante fator social que dignifica os indivíduos, retirar as condições mínimas de trabalho descente submetendo o trabalhador a jornadas exaustivas, trabalho forçado, servidão por dívidas é reduzir o trabalho a exploração.

Genebra no ano de 1956, recepcionada pela legislação brasileira por meio do Decreto Lei nº 58.563, de 1 de junho de 1966, que traz o conceito de servidão por dívida em seu art. 1º, a, como sendo em suma o estado ou condição em que um trabalhador se compromete a fornecer seus serviços pessoais ou de outrem que lhe detenha autoridade, como garantia de uma dívida. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, a CLT traz consigo, em seu artigo 462, §§2º e 3º, a vedação expressa ao sistema de servidão por dívidas. No Brasil, os casos de servidão por dívida, são comumente observados em regiões afastadas dos grandes centros – em especial na região centro-oeste, nordeste e norte – , onde se verificam o labor por trabalhadores alicerceados. Nos presentes casos o aliciamento dos trabalhadores é geralmente voltado para grandes fazendas destinadas à pecuária, carvão vegetal e plantações, há a figura do aliciador – popularmente chamado de “gato” – que recruta estes obreiros e faz o transporte até o destino de exploração. Observa-se que também está atrelada a indústria têxtil em relação ao tráfico internacional de pessoas. 2.3 TRABALHO DEGRADANTE O trabalho degradante pode ser verificado como um conjunto de fatores que vão contra um ambiente saudável de trabalho, a saúde do trabalhador e que vai muito além do mero descumprimento dos preceitos legais, pois alijar direitos humanos básicos, reduzindo o trabalhador apenas ao produto do seu trabalho. O trabalho degradante é verificado não somente com a restrição da liberdade de locomoção, também a coação, humilhação e exploração do trabalhador. Podem ser alguns indicativos do trabalho degradante: péssimas condições de alojamento, alimentação, higiene, segurança, ambientes insalubres, inobservância de condições mínimas de trabalho. Conforme Orientação nº 4 da CONAETE, considera-se condições degradantes de trabalho aquelas que desprezam a dignidade da pessoa humana e descumprem direitos fundamentais dos trabalhadores, notadamente fatores de higiene, segurança,

alojamento, alimentação e inerentes aos direitos de personalidades, por exemplo, a sujeição. Em que pese há alguns indicativos marcantes que identificam a relação de trabalho como sendo um trabalho degradante, desprende uma análise casuísta e minuciosa para que se constate a presença dos elementos que caracterizam o trabalho degradante, não bastando qualquer constrangimento decorrente de irregularidades no ambiente laboral para que esteja configurado o trabalho degradante. Ao analisar o conjunto dos elementos que caracterizam o trabalho degradante, verifica-se que está diretamente ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que se configurado afronta diretamente o preceito constitucional basilar. 2.4 A PERDA DA LIBERDADE E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Em prima face o princípio da dignidade da pessoa humana está assegurado no ordenamento jurídico brasileiro no art. 1º, III da Constituição Federal, também é possível de verificar sua influência em diversos artigos ao longo da Constituição. A dignidade humana no que tange as relações de trabalho encontra-se sedimentada nos princípios basilares traduzidos notadamente nos artigos no art. 5º, inc. III, X, XIII, XV, XLVII, alínea c, bem como em todos os incisos do art. 7º, com destaque ao inciso IV, que trata do salário-mínimo nacional e reconhece a remuneração do trabalho exercendo o papel essencial na sociedade, como forma de reconhecimento social, pois detém de influência direta sobre diversos aspectos da vida em sociedade, dentre eles: necessidades vitais básicas, moradia, alimentação, educação, higiene. É factível de se verificar a vedação ao trabalho escravo, como forma de asseguradas a dignidade humana em outros dispositivos internacionais, como por exemplo, na Declaração Universal de Direitos Humanos – adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948 – ,que em seus artigos 4º e 5º expressamente veda a escravidão, servidão, o tráfico, bem como a tortura em suas diversas formas.

tempo máximo de horas trabalhadas diariamente, não superior a 8 (oito) horas diárias, 44 (quarenta e quatro) horas semanais, 6 (seis) horas em turnos de ininterruptos de revezamento – salvo negociação coletiva de trabalho – e prevê o repouso semanal remunerado. A título de conceituação do que se considera jornada exaustiva de trabalho, tem-se a Orientação nº 3 da CONAETE, que considera como jornada exaustiva a jornada que agrida a dignidade do trabalho, causando-lhe prejuízos à sua saúde física e/ou mental e decorra da sujeição. 3 TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL No que tange a indústria têxtil brasileira, que é o principal enfoque de pesquisa, a exploração do trabalho humano é calcada em uma lógica de custeio, quanto menor o custo de produção, maior o lucro com o produto ao final da cadeia produtiva. Esta premissa parte desde a obtenção da matéria-prima, até o corte e costura das peças. Com base nesta visão, que visa somente a obtenção de lucro, é que direitos humanos e trabalhistas são deixados de lado em prol de uma produção em massa de produtos vendidos nas maiores redes de lojas e por grandes grifes. Ao longo do processo produtivo da indústria têxtil é possível identificar todas as formas de escravidão anteriormente delineadas, desde o trabalho forçado sob pena de ameaça e involuntário, até jornadas extraordinárias de trabalho. 3.1 EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO INÍCIO DA CADEIA PRODUTIVA No início da cadeia produtiva é possível visualizar a exploração proveniente do trabalho no campo desde os pequenos produtores, que destinavam suas terras para a agricultura familiar, até os trabalhadores que arrendavam suas terras para as relações de parceria, no semiárido nordestino. Utilizavam-se do sistema de parceria, que consistia na seguinte forma, o fazendeiro dono da terra e criador de gado, por meio da parceria cedia a sua fração de terra à família do pequeno produtor, que por sua vez era desprovido de terras. Na fração cedida ao agricultor construía sua moradia e plantava produtos para

subsistência como: milho feijão, mandioca e criava aves de pequeno porte. Pelo uso da terra era acordado entre as partes que o fazendeiro ficaria com uma fração da produção – que poderia ser um quarto, três ou até metade – ocorre que o dono da terra obtinha lucro sem necessitar de registro do trabalhador ou assumindo os riscos da safra, obtendo-se apenas o lucro médio. Assim o criador de gado utilizava-se do plantio para alimentar seu rebanho e não arcava com o ônus da terra, tendo em vista que todo plantio era feito pelo parceiro e seus familiares. Assim se dava a relação de exploração da indústria têxtil na produção da matéria-prima, no semiárido nordestino, aproveitam-se da subsistência dos pequenos produtores parceiros, e de suas famílias, para produção da matéria-prima utilizada na confecção das suas peças. Iniciando um ciclo de exploração do trabalho humano por meio de fraude, falsas promessas mascaradas pelo contrato de “parceria”. 3.2 EXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS GRANDES CENTROS INDUSTRIAIS E A TERCEIRIZAÇÃO POR MEIO DA CONTRATAÇÃO DE OFICINAS DE COSTURAS Visando dar vasão a grande rotatividade do mercado, as grifes da indústria moda, acabam por fragmentar sua produção, por meio da terceirização dos serviços de confecção, para concentrar seus esforços em gerir as vendas, o marketing, as lojas físicas e virtuais e demais manutenção necessárias. Na prática, a terceirização ocorre em três níveis, da seguinte forma: a grife tomadora contrata fornecedores para produção de peças especificadas por ela. No contrato são delineados termos referente a qualidade, quantidade, prazo de entrega, preço etc. O fornecedor aceita a celebração do negócio nos moldes da contratante, mesmo tendo ciência da sua baixa capacidade produtiva, ante ao reduzido número de funcionários e maquinário, ocorre que por vezes o fornecedor não possui meios para cumprir a demanda exigida e acabam contratando oficinas de costura. Os contratos são firmados nos termos delimitados pela grife e os modelos estão sujeitos à aprovação da contratante, restando evidente a vinculação à validação do lojista para prestação do serviço. Portanto, não se mostra razoável desqualificar o presente contrato, não se inserindo em outras formas de negócios jurídicos.

São inúmeros os casos envolvendo grandes redes do mercado nacional e internacional, um deles que teve grande repercussão na mídia é o caso envolvendo uma oficina de costura que possuía relação com a grife espanhola, Zara, investigado no ano de 2011. No âmbito da justiça laboral, a empresa outrora investigada, Zara Brasil Ltda. – denominação da filial brasileira – , no bojo da ação anulatória em face da União, alegou que não possuía relação direta com os trabalhadores encontrados em situação de vulnerabilidade, tendo em vista a intermediação lícita de manufatura de seus produtos para empresa Aha Indústria e Comércio Ltda, sendo que seria esta empresa em detinha o vínculo com esses trabalhadores; afirmou ainda que a empresa Aha possuía autonomia empresarial, uma vez atendia diversas marcas. Na sentença proferida, o magistrado da 3ª Vara do Trabalho do Estado de São Paulo, compreendeu que as fiscalizações constataram que a oficina em questão trabalhava quase que exclusivamente na fabricação das peças que era de comercialização da Zara, restando escancarada a prática de intermediação. Portanto, restou indeferido os pedidos iniciais da autora, rejeitado o pedido de declaração de nulidade do relatório de fiscalização do MTE, bem anulação dos Autos de infração listados na peça inaugural, a redução do valor arbitrado no autor de infração e a determinação de não inclusão da empresa no cadastro do lista suja. No caso envolvendo a grife de origem espanhola, não obstante sua tentativa de desqualificar o contrato de prestação de serviço firmado com a fornecedora, alegando tratar-se de intermediação lícita e visando eximir-se da responsabilidade, que neste caso seria solidária, verifica-se que a justiça especializada foi categórica em compreender a presente versão dos fatos não se sustenta, vez que seria muito cômodo para a empresa estipular o preço que lhe é conveniente e não realizar auditoria nas oficinas subcontratadas para verificar a forma como o trabalho era realizado. Da análise da sentença, é possível observar diversas atitudes tomadas pela empresa que vão em confronto com a sua narrativa dos fatos, consta da decisão, que a Zara teria realizado transações com operários da confecção, no escopo de R$ 30 mil reais, sem justificativa aparente, bem como teria oferecido emprego aos trabalhadores resgatados. Dos relatos dos trabalhadores e a leitura dos relatórios de fiscalização nos chocam ao saber quão grave são as violações perpetradas por esses empregadores.

Muito embora a primeira reação seja o choque e o inconformismo, estes sentimentos são facilmente esquecidos quando vamos ao shopping e compramos roupas destas lojas que comprovadamente utilizam-se das balizas legais como forma de explorar trabalhadores que por muitas vezes não possuem conhecimento de seus direitos legais e garantias mínimas. Faz-se necessário repensar o modo de consumo, uma vez que o consumidor final é quem detém o poderio econômico para pressionar e de desmotivar a utilização de práticas análogas à escravidão. 3.4 PRINCÍPIO DA CEGUEIRA DELIBERADA E A RESPONSABILIZAÇÃO EM CADEIA COMO FORMA DE REPRESSÃO À EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO A justiça é uníssona em reconhecer a responsabilidade nos casos em que há constatação de ilícitos praticados pelas empresas, seja a terceirização, quarteirização das confecções ou a intermediação ilícita de mão de obra. Há uma discussão jurídica relevante a despeito da responsabilização da grife, sob perspectiva das lojas não há o que se falar em terceirização do contrato com o fornecedor, uma vez que compreendem que não há terceirização e/ou prestação de um serviço, mas sim, um contrato mercantil para compra de peças de roupa. Em que pese as afirmações utilizadas pelos lojistas, o que se observa na prática destes contratos é que não há apenas a compra das peças prontas, mas um contrato que busca a confecção de peças nos ditames da coleção desenvolvida pela grife. Assim, descaracterizando a hipótese de tratar-se de um contrato mercantil para fornecimento de peças, enquadrando-se em prestação de serviço. Ao colocar as grandes grifes no enfoque das fiscalizações e da responsabilização, o que se observa nestes casos é um efeito em cascata que propicia medidas mais eficazes de combate ao trabalho análogo ao escravo e maior eficiência na atuação dos órgãos de fiscalização. Na ânsia por desvincular-se da relação de emprego e da responsabilização direta é que a grifes utilizam dos modelos de “terceirização” e dos subcontratos dele decorrentes, pois uma vez estando no início da cadeia de exploração afastam-se da

A incorporação da presente tese de responsabilização e sua aplicação nas decisões proferidas pela justiça laboral é um grande avanço em fragilizar os argumentos utilizados pelos lojistas para se esquivar de suas responsabilidades legais e fragilizar cada vez mais a utilização de relações de exploração em cadeia. 3.3 O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS E O TRABALHO ILEGAL DE MIGRANTES NAS CADEIAS PRODUTIVAS DA INSDUTRIA TÊXTIL EM TERRITÓRIO NACIONAL Da análise dos casos narrados anteriormente, bem como dos relatórios de fiscalização e dados colhidos é possível observar que, muito embora há trabalhadores nacionais envolvidos nos esquemas de terceirização e exploração, atualmente, há uma ascensão na parcela dos trabalhadores migrantes, vindo de outros países da América Latina ao Brasil em busca de melhores condições de vida e acabam sendo inseridos no esquema de intermediação de mão de obra. Nos casos dos trabalhadores migrantes, o que se verifica é que esses trabalhadores ao chegarem em solo brasileiro, normalmente não tem documentação, não possuem se quer domínio mínimo da língua portuguesa e, menos ainda, das leis trabalhistas aplicadas em território nacional e dos seus direitos, sendo um alvo fácil para as oficinas e confecções, que se utiliza da sua hipossuficiência para inseri-lo nos esquemas de exploração e terceirização. Isso quando não são traficados especificamente para suprir as necessidades produtivas em larga escala das grifes. Atrelados aos meios ilícitos de exploração, também estão os altos índices de tráfico de pessoas, pessoas essas que ingressam de forma ilegal em território nacional sendo fonte de mão de obra barata para confecção das peças de vestuário. 3.3.1 Tráfico de Pessoas É nesta esteira que vai o entendimento da OIT, o consentimento da vítima adulta quanto ao tráfico é irrelevante se presente qualquer um dos meios de violência abordados na definição; em relação aos menores de 18 anos, em qualquer uma das etapas – desde o recrutamento até a receptação – , para fins de exploração é

considerado tráfico de pessoas. Por vezes, o tráfico de pessoas pode ser complexo, portanto, ao analisar esses casos, a análise deve ir além de verificar apenas sobre a perspectiva de como o trabalhador adentrou o território, mas a forma como e as condições em que realiza o trabalho. Os traficantes usam das pessoas para gerar renda com o trabalho forçado que é imposto. O tráfico humano é marcado pela figura do aliciador, oferecendo falsas promessas de melhores condições de vida, busca recrutar pessoas para trabalhar em condições distintas das leis e muitas vezes análogas à escravidão, tendo como único propósito a exploração. Caso esses migrantes aceitem as propostas feitas pelo aliciador, subordinam-se ao empregador para pagamento das dívidas obtidas com o seu transporte, caracterizando a servidão por dívidas. Atrelada as circunstâncias da ilegalidade, tem-se também o fato de os migrantes traficados são infratores perante a lei. O tráfico humano possui diversas etapas, dentre elas estão: o recrutamento, que é feito pelos aliciadores de forma autônoma ou por agências de recrutamento – possuindo caráter legal, semilegal ou falsamente legal – , diretamente no país de origem; transporte, utilização de diferentes meios de locomoção até a entrada desses trabalhadores nos destinos; transferência, refere-se as pessoas que facilitam o tráfico no entre os países; refúgio, presente no curso do transporte; por fim, a recepção no destino final de exploração Para esses trabalhadores, a proposta de trabalho no Brasil, como forma de angariar fundos e melhorar as suas condições de vida, em um primeiro momento, parece ser a escolha certa, como se o aliciador estivesse lhe fazendo um favor em lhe fazer uma proposta dessas Ao chegar no destino há a verbalização de um contrato em que é estipulado a sua remuneração – que normalmente é por peça produzida – , totalizando um salário- hora muito inferior ao da mão de obra local, laborando por jornadas excessivas para cumprimento das metas impostas. Estima-se que os migrantes precisam trabalhar por aproximadamente 12 (doze) meses para pagamento e quitação integral dos custos do seu deslocamento. Tomando por base todas as premissas do fast fashion , o sistema do suor e demais formas de exploração outrora analisadas, o tráfico de pessoas atrela-se a indústria têxtil brasileira, na medida em que há a recepção e incorporação de

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que muito embora, com a promulgação da Lei Aurea, a escravidão tenha sido abolida e tenhamos de certo modo nos afastados do modelo escravista pautado na posse e compra de indivíduos, as práticas associadas à escravidão ainda estão muito presentes em nossa sociedade, por ainda mantermos traços da colônia de exploração e do Brasil escravocrata, tendo em vista que tivemos uma abolição tardia se comparada aos demais países. O trabalho é um importante fator social que dignifica os indivíduos perante a sociedade, retirar as condições mínimas de trabalho digno, descente, submetendo o trabalhador a jornadas exaustivas, trabalho forçado e, por vezes, a servidão por dívidas é reduzir o trabalho a exploração. Ao longo do tempo, as práticas análogas ao trabalho escravo se adequaram as demandas cada vez mais atuais da sociedade, bem como as balizas legislativas para permanecer marginalizado e sempre presente em nossa sociedade. Na indústria da moda a exploração, o trabalho forçado e degradante estão presentes em diversas camadas e aspectos, podendo ser verificado desde o início da produção com a extração da matéria-prima, por exemplo, sendo que o algodão produzido no Brasil se quer é destinado para o uso no mercado consumidor nacional, sendo totalmente exportado para países como a Inglaterra. Ademais, observou-se que na indústria têxtil brasileira atual as principais formas de exploração do trabalho humano na produção são por intermédio da terceirização irregular de serviços e a intermediação ilícita de mão de obra. No caso especificamente da terceirização de serviços, ocorre que as grandes grifes contratam oficinas de costura mediante a formalização de um contrato de prestação de serviços, contudo, o que se observa na prática é que os contratos confirmados não possuem validade, uma vez que a empresa contratada não detém autonomia para prestação do serviço, bem como não possui independência financeira, sendo estes requisitos essenciais para validação do contrato de prestação de serviço. No que tange a intermediação ilícita de mão de obra, observou-se que as oficinas de costura por não conseguem suprir a alta demanda da grife contratante, recrutam costureiras autônomas para realizar a produção em excesso, infringindo de forma direta a legislação trabalhista.

Verificou-se que os casos que foram levados a apreciação da justiça especializada, houve a aplicação da responsabilização em cadeia e da tese da cegueira deliberada, sendo fundamentais para progredir na erradicação das práticas análogas à escravidão, pois aumenta os danos e o custo para empresa que ainda insiste em manter as formas ilegais de trabalho. A responsabilização em cadeia entende que é responsável pelo pagamento dos haveres trabalhistas e demais indenizações não somente a tomadora direta dos serviços prestados – neste caso, as oficinas de costura, também a grife contratante, sendo solidariamente responsáveis pelo prejuízo e danos sofridos pelo trabalhador. A tese da cegueira deliberada é utilizada por analogia na seara trabalhista, tendo origem no âmbito penal, compreende por imputar a responsabilidade aquele que se pôs em situação de ignorância, visto que era dever da empresa contratante verificar as formas de produção e os demais contornos da produção de suas fornecedoras, assumindo, portanto, uma postura omissiva diante dos problemas sociais e trabalhistas. Observou-se que nos últimos anos a aplicação das teses retromencionadas aumentaram consideravelmente a responsabilização das grandes grifes, que devem ser os enfoque destas ações, tendo em vista que são elas quem mais se beneficiam com a exploração em cadeia, nos casos julgados pela justiça laboral os lojistas utilizavam-se do argumento de que se trava apenas de um contrato mercantil de compra e venda, entretanto, provou-se em juízo que era a grife quem determinava os modelos, cores e formas a serem confeccionadas as peças, bem como a contratante era a maior fonte de lucro da oficina contratada, tendo como exemplo o caso da grande marca espanhola Zara. A lógica utilizada pelos grandes lojistas, por mais que uma afronta à direitos fundamentais básicos, é simplesmente pautada no custeio, quanto menor o gasto para produzir as peças de vestuário, maior é o valor agregado a aquele produto e o lucro sobre ele. Ainda, atrelado a exploração, analisou-se as questões do tráfico de pessoas e trabalho ilegal de migrantes. São migrantes, em sua grande maioria advindos de outros países da América Latina, que são aliciados por proposta de melhores condições de vida e trabalho, submetendo-se ao trabalho informal, ilegal e forçado em