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Este documento analisa o direito real de laje, um novo tipo de direito real sobre coisa própria que refere-se a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele. O texto explica suas características, limitações, responsabilidades e benefícios para moradores de áreas favelizadas, além de suas relações com a propriedade e a sobrelaje. O documento também discute a importância social e constitucional da moradia e a necessidade de acesso a ela.
Tipologia: Esquemas
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Camila Bottaro Sales Coelho^1 Douglas Eduardo Mattos^2 SUMÁRIO: RESUMO 1 ; 1. INTRODUÇÃO 2 ; 2. DO DIREITO REAL DE LAJE 3 ; 2.1. Histórico 3 ; 2.2. Conceituação Teórica e Prática 5 ; 3. DIREITO A DIGNA MORADIA – PREVISÃO CONSTITUCIONAL 10 ; 4. FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO REAL DE LAJE 14 ; 5. EFETIVIDADE DO DIREITO REALDE LAJE 15 ; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 18 ; 7. REFERÊNCIAS 20 ; RESUMO O Direito Real de Laje veio a ser incluído no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Medida Provisória nº 759/2016, a qual foi elaborada e publicada nos últimos dias do ano de 2016. Em junho de 2017 a referida Medida Provisória foi transformada em Lei, sendo assim promulgada a Lei 13.467/2017, a qual trouxe ao ordenamento, de forma definitiva, o Direito Real de Laje. Tal normativa traz ao ordenamento jurídico brasileiro a regulamentação dos denominados “Puxadinhos”, mais comuns nas áreas favelizadas da sociedade, onde o poder aquisitivo e o espaço disponível é menor. Assim, tendo em vista a regulamentação da moradia dessas famílias que residem, na maioria das vezes, nas áreas favelizadas, surge a questão da real função do Direito Real do Laje e qual a sua função social. Portanto o objetivo da presente pesquisa é fomentar o debate e trazer à baila as nuances do Direito Real de Laje e suas aplicações práticas no meio social, sendo necessário que esta análise ocorra sob o viés constitucional, a fim de que se possa verificar a sua função social. Palavras-chave: Direito Real; Direito de Laje; Digna Moradia; Função Social. ABSTRACT The Real Slab Right was incorporated on the juridical order through the Interim Order nº 759/2016, wich was published and drafted in the last couple of days of 2016. In June os 2017 the Interim Order was converted in Law, enacted the Law 13.467/2017, by which brought to the legal system, lastingly, the Real Slab Right. That law brought to the juridical order the regulamentation for what is entitled “Puxadinhos”, more common in the areas where the large amount of precarious habitation are identified, where the purchasing power and the zone are smaller. Thereby with the regulation of this families habitation, more common found in the precarious areas of the city, emerge the matter of the real function of the Slab Right and it’s social role. Therefore, the presente research demand to instigate and discuss the shades of the Real Slab Right and the practical implementation in the social environment with na analysis under the Constitucional Right with the purpose of establish the social role of this “new” right. Keywords: Real Right; Slab Right; Decent Housing; Social Function. (^1) Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2005), Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas (2006). Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2010). Professora da Faculdade Dom Bosco em Curitiba das disciplinas Direito das Obrigações, Contratos em espécie e Direito das Coisas. Orientadora de monografia da Pós-Graduação na área cível. Colaboradora da Rádio Justiça. Advogada militante na área Cível. (^2) Acadêmico de Direito no Centro Universitário Dom Bosco – UNIDBSCO.
A Medida Provisória nº 759/2016 deu “origem” ao Direito Real Laje, sendo este incluído no Código Civil no ano de 2017, após a promulgação da Lei 13.465/2017, no capítulo que trata dos Direitos Reais, art. 1225, inciso XIII. Assim, foi incluído ao Código Civil os arts. 1510 - A ao 1510-E, destinados a regulamentar o Direito de Laje. Nesta ceara, em que pese o Direito Real de Laje venha a regulamentar a situação da moradia inadequada das famílias brasileira, tal inclusão legislativa trouxe diversas dúvidas quanto a própria aplicação prática do Direito Real de Laje. Deste modo, se faz necessário a análise do Direito Real de Laje sob o viés Constitucional, para que se possa verificar qual o conteúdo da sua função social, visto a garantia Constitucional do Direito a Moradia (art. 6º CF). Este novo tipo de direito real, denominado de Direito Real de Laje, refere-se a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele, porém não limita-se a tal característica básica. Tal direito não pode, e não deve, ser confundido com qualquer outro tipo de direito de propriedade. Assim, levando-se em consideração o princípio registral da unilateralidade ou unicidade matricial o Direito Real de Laje é realmente um Direito de Propriedade, vez que o mesmo possui matricula própria no Registro de Imóveis Logo, em se tratando de um Direito Real de Propriedade verifica-se que não resta dúvidas quanto ao registro do Direito Real de Laje, em verdade o que se traz à baila aqui não é a possibilidade ou não de registro, não sendo este o objetivo da presente pesquisa, o que se procura analisar é justamente o quanto este Novo Direito Real veio a beneficiar os moradores da área favelizada, levando-se em consideração que a Laje possibilitou a milhares de brasileiros afirmarem a dignidade de possuir e morar em alguma habitação para si e sua família, possibilitando assim a estas famílias a efetivação de uma garantia Constituição: a moradia, sendo a favela é credora de reconhecimento como meio de garantia Constitucional (art. 1º, III, 3º, 6º e 182 da CF). Com o advento da Lei 13.465/2017 verificam-se duas possibilidades, a primeira refere- se a uma grande demanda na busca pela regularização de um direito agora garantido pelo Código Civil e a segunda refere-se a falta da busca por este direito, ou seja, tal direito corre o risco de não ultrapassar o status de mera garantia no papel, sem muita eficácia prática. Em suma, o presente trabalho busca, exclusivamente, trazer uma análise quanto a função social do Direito Real de Laje, buscando uma reflexão quanto as vantagens e desvantagens trazidas pela normatização de tal instituto.
invadidos pelos trabalhadores para fixação de residência. Assim, ocorreu a criação das comunidades, dentro das quais existia uma regulamentação própria para lidar com as relações existentes naquele meio, encontrando-se ai o denominado pluralismo jurídico, em decorrência da existência de um direito alternativo na Favela, sendo este direito interno e informal gerido pela Associação de Moradores. Deste modo, tendo em vista que a área ocupada pelos habitantes da favela era parte integrante de fazendas, cuja propriedade pertencia a particulares, por óbvio que os terrenos não foram adquiridos de seus proprietários nem parcelados e registrados pelo proletariado da região, não havendo assim a posse de títulos legais e nem de terrenos individualizados em lotes, correndo os moradores o risco permanente de serem despejados. Deste modo, a luta pelo direito à moradia começou a gerar diversas situações de conflitos que precisavam ser prevenidas e solucionadas a fim de não prejudicar a luta coletiva. Neste sentido, Boaventura trata a lei, em seu estudo, como sendo um grupo de procedimentos comuns e normativas padrões^6. Tais conflitos surgiam em decorrência da posse de terra e dos direitos sobre as casas e os barracos que nela eram construídos. No entanto, levando-se em consideração o visível caráter ilegal dessas moradias o acesso à via oficial de resolução de conflitos estava vedado, sendo assim necessário o desenvolvimento de mecanismos e normas para solucionar estes conflitos internos de modo a garantir a ordem na favela, nascendo assim o “[...] direito de Passárgada [...]”^7 , tendo este “direito” evoluído gradativamente e atingindo seu ápice na década de 1960. Logo, tendo em vista todo o contexto histórico envolvendo as favelas, os quais Boaventura apresenta uma perspectiva em sua pesquisa, conforme apontado acima, verifica-se que o dito “Direito de Laje” encontra suas origens a muitas décadas atrás, porém vindo a ser reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, de forma efetiva, somente no ano de 2016. A laje firmou-se no consciente social com uma visão torta e desacertada, sendo vinculada a condições de carência de recursos ou de aglomerados não urbanizados, quando, em verdade, é possível detectar tal fenômeno em qualquer esfera econômica, como apontado por Boaventura em sua pesquisa. Havia assim, um claro descompasso entre o direito legislado (direito do asfalto) e o direito construído no meio social (o direito de Passargada), como relatado (^6) SANTOS, Boaventura de Sousa. THE LAW OF THE OPRESSED: THE CONSTRUCTION AND REPRODUCTION OF LEGALYTY IN PASSARGADA. Law & Soxciety Review, Volume 12, Number 1, Fall 1977, p. 10. (^7) SANTOS, 1980, p. 88 apud KONZEN, Lucas Pizzolatto “Boas aventuras na Passargada do Pluralismo jurídica ou alternativas para uma ciência do direito pós-moderna”. Prisma Jurídico, São Paulo, v.5, p. 169-184, 2006. p.
por Boaventura, onde aponta que o sistema legal oficial era tido como uma o forma de ameaça para reforçar a decisão da Associação de Moradores (Residents’ Association): “[...] The oficial legal system is presented not as a fórum to which a litigant may appeal from an adverse decision under Passargada law but as a threat aimed at reinforcing the decision of the RA under that law. [...].^8 ” Tal descompasso entre as normativas adotadas pelas favelas veio a ser sanada, em tese, com a edição da Lei 13.465/2017, visto que trouxe a regularização das moradias e trouxe meios de reconhecimento do direito à propriedade na denominada “lei do asfalto”. Deste modo, o Direito Real de Laje, passou a integrar o ordenamento jurídico pátrio por meio da Medida Provisória nº 759/2016. Antes da edição da MP 759/2016 e, posteriormente, da Lei 13.467/2017, as edificações conhecidas como Laje encontravam-se a margem da lei, permanecendo em um limbo completo, mesmo que não havendo qualquer ilicitude intrínseca em sua estrutura. 2.2. Conceituação Teórica e Prática Com o advento da Lei 13.467/2017, a “Laje” passou a ser levada em consideração não somente como um meio de regulamentar a moradia, mas como uma forma de possibilitar o cumprimento de uma garantia constitucional, qual seja, o direito a digna moradia (art. 6º da CF/88). No que se refere a nomenclatura “Laje”, como se pode inferir, não foi a mais técnica utilizada pelo legislador, pois este novo direito real refere-se a um direito real de superfície de graus sucessivos, conforme aponta Carlos Eduardo Elias de Oliveira^9 em seu artigo “Nova Lei, Nova Hermenêutica: Novidades do Direito Civil pela Lei 13.465/2017”^10. No entanto, tendo em vista a força popular inserida na expressão manteve-se tal nomenclatura atécnica. (^8) SANTOS, Boaventura de Sousa. THE LAW OF THE OPRESSED: THE CONSTRUCTION AND REPRODUCTION OF LEGALYTY IN PASSARGADA. Law & Soxciety Review, Volume 12, Number 1, Fall 1977, p. 78. Tradução livre: “O sistema legal oficial é apresentado não como um fórum onde a parte recorre em decorrência de uma divergência na decisão sob a égide da Lei de Passargada, mas como uma ameaça tida como meio de reforçar a decisão proferida pela RA sob aquela lei.” (^9) Carlos Eduardo Elias de Oliveira é advogado e professor de Direito Civil do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) em Brasília. Mestre em Direito, Estado e Constituição na UnB, bacharel em Direito na UnB e consultor legislativo do Senado Federal na área de Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário. É ex-advogado da União e ex-assessor de ministro do STJ. (^10) OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Nova lei, nova hermenêutica: novidades no Direito Civil pela Lei 13.465/2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-11/direito-civil-atual-novidades-direito-civil- lei- 134652017 <Acesso em 08/2017>.
os mesmos poderes facultados ao proprietário, consoante o disposto no art. 1228 do CC, por fim os §§ 4º, 5º e 6º, trazem diretrizes quanto a fração ideal do direito real de laje, a disposição sobre posturas edilícias e urbanísticas, quanto a titularidade da laje, a instituição de um direito sucessivo de laje e a sua limitação. Assim, a Laje ou Direito Real de Laje pode ser conceituada como uma nova forma de propriedade criada através da cessão, onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção por parte do proprietário da mesma, para que o titular do novo direito mantenha uma unidade autônoma da edificação original^13. Denota-se assim que o direito real de laje apresenta um alargamento da noção tradicional de direito real de propriedade, conforme aponta Carlos Eduardo Elias de Oliveira^14. Quanto a edificação da Laje, verifica-se que esta pode ser construída tanto de forma ascendente quanto de forma descendente em relação a construção original (art. 1510-A, CC), não importando se a construção é sobre o solo ou construção que já se fez laje, conforme esquema apresentado na obra “DIREITO DE LAJE: do puxadinho a digna moradia^15. Nesta ceara, a legislação prevê a possibilidade de existência da sobrelaje, possibilitando ao lajeário, aquele que figura como titular do direito real de laje, a possibilidade de também ceder um novo direito, de forma limitada, tendo em vista a necessidade da autorização de todos os demais titulares de direitos de propriedade ou de laje sobre a edificação para que se possa proceder a cessão sucessiva do direito real de laje (art. 1510-A, §6º, CC). Antes de adentrar-se ao modo de concessão do direito real de laje, necessário se faz apresentar algumas distinções quanto a nomenclaturas. No Direito Real de Laje temos, dentre as principais figuras e denominações:
conforme aponta Carlos E. E. de Oliveira, em seu artigo “DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DA LEI Nº 13.465, DE 2017: nova Lei, nova hermenêutica”^20. No que se refere a extinção da Laje, tal disposição encontra suas normativas no disposto no art. 1.510-E, apontando que ter-se-á a extinção da laje nos casos em que houver a ruína da construção base, caso tenha sido instituída sobre o subsolo e se a construção base não for reconstruída no prazo de cinco anos, não excluindo-se eventual reparação civil contra o culpado pela ruína. Entretanto, salienta-se que o mero fato de a laje vir a pertencer a apenas uma única pessoa não importa na extinção desse direito, vez que tratam-se de unidade autônomas, como explana Carlos E. E. de Oliveira no artigo “DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DA LEI Nº 13.465, DE 20 17: nova Lei, nova hermenêutica^21. Como se verifica, o Direito Real de Laje veio a regulamentar uma situação que anteriormente vivia em um limbo jurídico, pois não podia seguir os regramentos do condomínio edilício ou do direito à superfície, ante as discrepâncias entre a realidade social e a norma positivada de tais institutos. Logo, denota-se que a positivação e regulamentação da realidade social vivida, principalmente, nas favelas por meio do Direito Real de Laje busca garantir a toda a população o direito à digna moradia e aos princípios constitucionais fundamentais previstos na Carta Magna. 3. DIREITO A DIGNA MORADIA – PREVISÃO CONSTITUCIONAL O direito à moradia encontra-se previsto na Constituição em seu art. 6º, tendo sido incluído no rol de direitos fundamentais sociais elencados no referido dispositivo através da Emenda Constitucional nº 26/2000. Em que pese o direito à moradia tenha sido incluído expressamente na Constituição a partir da EC 26/2000, tal menção a moradia já podia ser colhida do próprio texto constitucional, como salienta Ingo Sarlet em sua obra “O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia”^22. (^20) OLIVEIRA, C. E. E. de. DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DA LEI Nº 13.465, DE 2017: nova Lei, nova hermenêutica. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Julho/2017 (Texto para Discussão nº 238). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 13 de julho de 2017. (^21) OLIVEIRA, C. E. E. de. DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DA LEI Nº 13.465, DE 2017: nova Lei, nova hermenêutica. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Julho/2017 (Texto para Discussão nº 238). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 13 de julho de 2017. (^22) SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. In: Revista do Direito do Consumidor , ano 12, abr.-jun/03, p. 205- 206
Ressalte-se ainda os dois princípios constitucionais que regem a ordem econômica e financeira do país, previstos nos incisos II e III do art. 170 e no art. 5º, caput , e incisos XXII e XXIII da Constituição, referindo-se a propriedade privada e à função social da propriedade. Deste modo, denota-se que se pode inferir de tais dispositivos que estes consistem no condicionamento da proteção do direito de propriedade ao atendimento da sua função social. Logo, é possível verificar que a moradia, muito embora deva ser concebida como um direito autônomo, pode, inclusive, servir como meio de legitimação ao exercício de propriedade. Assim, levando-se em consideração que os direitos sociais encontram-se na esteira dos direitos fundamentais, estes subordinam-se a regra da auto aplicabilidade, consoante o disposto no art. 5º, §1º, da Constituição. No entanto, denota-se que há um grande impasse sobre como interpretar tal direito, como implementá-lo e a quem compete materializá-lo. Nesta ceara, levando-se em consideração o disposto no art. 1º, inciso II, da CF, resta visível que compete ao Estado implantar políticas públicas efetivas, no intuito de gerar ações concretas voltadas ao resgate de moradores de rua, à erradicação de favela e moradores de área de risco, garantindo assim o acesso a uma moradia digna e adequada e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, conforme previsto pela Constituição. Deste modo, considerando a abertura material dos direitos fundamentais, viabilizada pelo parágrafo 2º do art. 5º da Constituição, denota-se a possibilidade de outorgar hierarquia constitucional fundamental em sentido material aos tratados incorporados ao direito interno^23 , após o procedimento legislativo previsto para a hipótese, conforme defendido pela teoria dualista, a qual aponta a necessidade de um procedimento legislativo para que o tratado internacional seja incorporado ao sistema interno. Isto posto, necessário se faz adentrar, rapidamente, sobre a questão da constitucionalização do direito de propriedade, vez que o mesmo apresenta intrínseca ligação com o direito a digna moradia. A interpretação do direito à propriedade a luz da Constituição vem um processo de constitucionalização do Direito Civil, processo este que veio a trazer uma interpretação do código civil com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, (^23) Abstraindo-se do enfrentamento da polêmica gerada pelo parágrafo 3º desse mesmo artigo, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45, e dos efeitos que a referida inclusão acarretou no que tange à hermenêutica do parágrafo 2º, vale referir apenas ao entendimento no sentido de que ainda é viável manter a assertiva de que os tratados sobre direitos humanos incorporados ao direito interno possam gozar de hierarquia de norma fundamental em sentido material, mesmo no caso de não serem aprovados por meio de emenda constitucional. Seguindo o entendimento esposado por Ingo Sarlet ( A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 156.)
indubitavelmente, ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, não havendo como se falar em um sem que se leve em consideração o outro. O direito a digna moradia pode ser inferido, também, do disposto no art. 23, inciso IX da Constituição, vez que consta expressamente de tal dispositivo que compete a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Assim, verifica-se que, antes mesmo do advento da Emenda Constitucional nº 26 de 2000, a qual alterou a redação do art. 6º, o direito a digna moradia já se encontrava previsto na Constituição, ainda que não explicitamente. Denota-se então que o direito à moradia é uma garantia constitucional que deve ser garantida pelo Estado, exigindo-se deste políticas públicas e prestações jurisdicionais a fim de efetivar a sua concretização. Logo, é evidente que para que se tenha a concretização do direito à digna moradia se faz necessário uma atuação positiva do Estado, através de políticas públicas e da criação de programas eficientes que visam a efetivação de tal direito, principalmente no que diz respeito aos cidadãos menos favorecidos. Ademais, vale ressaltar ainda que o direito à digna moradia constitui uma interligação aos demais direitos sociais previstos pela constituição, como o saneamento básico, a educação, a saúde, a cultura, ao lazer, ao trabalho, etc., podendo-se até mesmo dizer que o direito a digna moradia é um dos mais importantes direitos fundamentais previstos na Constituição, caso pudéssemos escalonar os direitos fundamentais, pois é a partir da moradia que se pode buscar a garantia dos demais direitos fundamentais. Por fim, vale ressaltar que o direito à digna moradia é um direito complexo, ou seja, o mesmo vai além do mero direito de ter-se uma casa própria, o mesmo possibilita a garantia de diversos direitos, como mencionado acima, mas principalmente a qualidade de vida, levando- se em consideração que a moradia, desde que forneça as condições adequadas de higiene e conforto, preserva a intimidade pessoal e familiar. Deste modo, deve o Estado possibilitar aos cidadãos meios de garantia deste direito, não podendo uma pessoa ser privada de uma moradia ou da obtenção de uma, cabendo ao Estado a efetivação de políticas públicas com a finalidade de possibilitar a toda população o acesso a tal garantia constitucional, como bem explanado por Helano Márcio Vieira Rangel e
Jacielene Vieira da Silva na obra “O Direito Fundamental à Moradia como Mínimo Existencial e a sua Efetivação à Luz do Estatuto da Cidade”^28. Concluindo, a efetivação do direito à moradia não deve ser almejado apenas pelos governos, mas pela sociedade como um todo, visto que trata-se de um direito humano, estando previsto tanto na legislação nacional como na internacional, sendo necessário que a humanidade como um todo busque a garantia de tal direito, zelando pela sua efetivação no meio social. 4. FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO REAL DE LAJE Inicialmente, necessário se faz entender o que se infere de propriedade, para que se possa verificar a sua função social. Assim, de forma simples, pode-se entender a propriedade como uma relação jurídica entre o homem e uma coisa, sobre a qual o indivíduo possui poderes de usar, gozar e dispor. Ainda que soe estranho à primeira vista considerar-se uma relação jurídica entre um indivíduo e uma coisa, podemos apontar tal prerrogativa apenas como uma forma de explicação simples do que seria a propriedade, vez que tem-se como base que esta relação deve ser respeitada pelos demais membros da sociedade. Assim, pode-se inferir de tais apontamentos que a propriedade encontra-se sob o viés de satisfazer as necessidades de seu dono, podendo ser tido como um instrumento para a consecução dos interesses econômicos do indivíduo e sua família. Segundo Teizen Júnior^29 nos primórdios do direito romano, cujo limites estranhos não poderiam penetrar sem ofender os deuses dos lares, bem como cujo o centro se encontrava o templo em que o pater famílias dedicava o culto aos antepassados, a propriedade era considerada um direito absoluto, sujeito ao poder ilimitado do proprietário. No entanto, com o advento do Estado liberal da revolução Francesa, o direito à propriedade passou a considerar limites, com a finalidade de que atendesse a sua função social. (^28) RANGEL, Helano Márcio Vieira Rangel; SILVA, Jacielene Vieira da. O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA COMO MÍNIMO EXISTENCIAL, E A SUA EFETIVAÇÃO À LUZ DO ESTATUTO DA CIDADE. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.6, n. 12. P. 65. (^29) TEIZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
O Direito Real de Laje veio com o intuito de facilitar a aquisição da propriedade e a regulamentação da moradias irregularidades para aqueles que residem nas áreas favelizadas. Entretanto, em que pese a intenção da criação de tal de tal instituto ter sido a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, verifica-se que existem diversos entraves jurídicos e sociais para implementação de tal instituto com efetividade, ou seja, corre-se o risco de ter-se apenas mais uma previsão legal sem que se atinja a efetividade esperada. Nesta ceara, um exemplo da falta de preparo para aplicação de tais políticas encontra- se descrito no livro de Nicolau Sevcenko, “A Revolta da Vacina”, no qual Nicolau traz os acontecimentos de 1904, quando uma onda violenta de insatisfação popular paralisa o Rio de Janeiro durante a campanha de vacinação contra a varíola. Sevcenko traz, além dos acontecimentos da época, uma visão quanto a especulação imobiliária e a insensibilidade que a sua aplicação autoritária teve nos acontecimentos da época. Denota-se que a ideia de instituição da obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, em seu âmago, era algo extremamente necessário, entretanto, a forma de sua aplicação e os jogos políticos que giravam em torno de tal política, fez com que esta perdesse a sua efetividade e acabasse por causar revolta na população. Assim, ainda que reconhecida a extrema necessidade da vacinação, a revolta girou em torno da forma de aplicação e a sua arbitrariedade, conforme aponta Sevcenko na obra “A Revolta da Vacina”^32. Logo, verifica-se que a intenção do governo com a aplicação de tal política era válida, porém a sua forma de aplicação e imposição se mostrou autoritária e insatisfatória. Assim, analisando-se de forma mais cuidadosa tal relato, verifica-se que a aplicação do Direito Real de Laje pode vir a sofrer dos mesmo problemas enfrentados com a vacinação contra a varíola. Tal entendimento decorre da ideia de que, em que pese sejam necessárias políticas para efetividade do Direito a Moradia, a aplicação de tais institutos pode sofrer influências políticas que acabem por desvirtuar a ideia central do instituto ou, como ocorreu no caso da Revolta da Vacina, ter-se a imposição do Estado de que tal instituto deve ser aplicado a todos aqueles que se encontram em situações abrangidas pela legislação, a fim de efetuar a regularização fundiária da cidade. Entretanto, com a imposição de tal instituto acerbar-se-á criando mais problemas do que solução, pois primeiramente, o Estado não possui políticas suficientes para que os cidadãos (^32) SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Scipione, 2003, p. 6 – 7.
sejam instruídos de tais procedimentos previstos pela legislação, bem como a população não possui instrução suficiente ou acesso a informação para que busquem seus direitos. Outro problema a ser enfrentado pelo Direito Real de Laje é a divulgação de tal instituto, pois desde a criação de tal instituto não houve a divulgação e elaboração de ações sociais a fim de informar a população quanto a possibilidade de regularização de suas moradias. Assim, denota-se que o primeiro entrave encontrado para efetivação do instituto do Direito Real de Laje encontra-se na falta de informação e divulgação. Verifica-se que a existências das moradias na periferias das cidades, em condições degradantes, não foi algo que ocorreu pura e simplesmente pela falta de espaço urbano, em que pese isso tenha contribuído, tal fato se deu também, ao menos no Rio de Janeiro como relata Sevcenko, em decorrência da grande pressão por imóveis, quanto a especulação, fato que motivou o afastamento da população mais humilde para a periferia da cidade ou para os bairros mais distantes e degradados^33. Logo, denota-se que o afastamento da população mais humildade para as áreas periféricas decorreu, também, de políticas públicas que, em tese, deveriam ter trazido uma melhora de vida a população, porém, talvez em decorrência da má aplicação de tais políticas, acabaram por trazer maiores problemas e limitação de direitos. Nesta ceara, ressalte-se que é possível identificar outro problema quanto a aplicação do Direito Real de Laje. Tal problematização encontra respaldo no fato de que se a instituição de políticas públicas busca trazer uma melhora na vida da população, quando instituída de forma errônea irá gerar maiores violações e restrições de direitos. Por exemplo, caso a aplicação do instituto do Direito Real de Laje seja aplicado de forma errônea pode-se ter um motim da população, em decorrência da dificuldade para regularização das moradias, da necessidade de ter-se poder aquisitivo para elaboração dos procedimentos necessários, o que acabaria por favorecer apenas parte da população e deixando de lado aquela parte que realmente precisa da regularização de seu imóvel. Deste modo, estar-se-ia “desvirtuando” a função de tal instituto, vez que ela visa a regularização da propriedade da população mais humilde, porém quando instituído vários procedimentos, procedimentos estes que requerem certo poder aquisitivo e conhecimento mais técnico, acaba-se por excluir aquela parte da população que não possui acesso a informação ou a meios para que possam buscar seus direitos. (^33) SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Scipione, 2003, p. 46 – 47.
um tanto quanto ineficaz, ante toda a burocracia exigida para o reconhecimento do Direito Real de Laje, como acontece com vários outros direitos, bem como pelo alto custo financeiro que tal regularização trará, de tal modo que somente aquelas pessoas com certo poder aquisitivo irão realmente beneficiar-se de tal instituto. Logo, denota-se que o intuito principal do Direito Real de Laje é o de garantir a Digna Moradia, principalmente, aqueles pessoas que residem nas áreas “favelizadas”, lembrando que tal instituto não é exclusivo destas áreas, porém, em decorrência das diversas falhas do Estado, como por exemplo a desinformação, a falta de divulgação, a falta de orientações e assistências por parte do Estado a estas pessoas, acaba por fazer com que tal instituto não passe de uma norma positivada, sem que tenha real aplicação para aquelas pessoas que realmente precisam. Assim, em que pese o reconhecimento de tal instituto mostrar-se uma grande conquista social, levando-se em consideração o histórico da sociedade, a efetivação de tal direito encontra vários obstáculos que devem ser superados para que seja atingido o real objetivo de tal instituto. Entretanto, para que se possa ter a efetiva aplicação do Direito Real de Laje se faz necessário, primeiramente, que o Estado forneça meios de informação, possibilitando a disseminação de tal instituto, bem como forneça um suporte para estas pessoas para que possam buscar a regularização de seus imóveis. Logo, denota-se que para que se tenha uma efetivação de tal instituto é necessário a intervenção do Estado, por meio de políticas públicas voltadas a informação e orientação destes indivíduos.
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